Acórdão Nº 0901365-77.2018.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 22-07-2021

Número do processo0901365-77.2018.8.24.0038
Data22 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0901365-77.2018.8.24.0038/SC



RELATORA: Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro


APELANTE: MARILENE VEBER RUSCHKA (ACUSADO) APELANTE: JAIR JOSE RUSCHKA JUNIOR (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Jair José Ruschka Júnior e Marilene Veber Ruschka, pelo cometimento, em tese, do crime descrito no art. 2º, inc. II da Lei nº 8.137/90, por trinta e quatro vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória (Evento 63, dos autos n. 0901365-77.2018.8.24.0038):
Os denunciados, na condição de sócios-administradores de 'TOLDOS EUROPA LTDA. ME.', CNPJ n. 82.845.223/0001-14 e Inscrição Estadual n. 25.215.311-1, estabelecida na Rua Tupy, n. 1374, Bairro São Marcos, em Joinville, deixaram de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 115.432,21 (cento e quinze mil quatrocentos e trinta e dois reais e vinte e um centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório) dos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2013, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2014 e janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015, documentos integrantes das Dívidas Ativas n. 16010959340, de 20/12/2016, e 17018587431, de 24/11/2017.
É de se registrar que os débitos das Dívidas Ativas n. 16010959340 e 17018587431 (a última apenas com relação aos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto de 2014) foram objetos do Parcelamento n. 001 (vide planilha que segue anexa - linha n. 434), o qual foi cancelado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 05/01/2012 a 22/02/2015, conforme preceitua o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11.
Assim agindo, os denunciados infringiram o disposto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por 34 (trinta e quatro) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, de modo que se oferece a presente denúncia que, registrada e autuada, requer-se seja recebida, efetuando-se citação para que respondam à acusação e demais atos processuais. Ademais, pleiteia-se sejam certificados os antecedentes criminais nos Estados de Santa Catarina e Paraná (apenas com relação ao denunciado Jair), bem como na Justiça Federal, instruindo-se o feito com o cumprimento das demais formalidades legais até final condenação.
Encerrada a instrução e apresentadas alegações finais, sobreveio a sentença com o seguinte dispositivo (Evento 101, dos autos originários):
Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar José Jair Ruschka Júnior e Marilene Veber Ruschka ao cumprimento cada qual da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além dos pagamentos individuais de dezesseis dias-multa, estes no valor unitário mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por trinta e quatro vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP). Custas isentas, porque defiro as gratuidades (v. TJSC, Consulta nº 2008.900074-3, da Corregedoria-Geral da Justiça, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben). Substituo as penas por restritiva, nos termos da fundamentação.
Inconformados com o decisum, Jair José Ruschka Júnior e Marilene Veber Ruschka interpuseram a presente apelação criminal, em cujas razões recursais, apresentadas por meio da Defensoria Pública, pugnam pela absolvição, sustentando a atipicidade da conduta, porquanto ausente o elemento subjetivo do tipo, consistente no dolo de supressão do tributo, bem como, a inexigibilidade de conduta diversa, na medida em que restou demonstrado que o inadimplemento fiscal se houve porque a pessoa jurídica se encontrava em graves dificuldades financeiras.
Aduzem, ainda, a ausência de materialidade, na medida que ausentes nos autos provas de que efetivamente foram pagos os produtos e serviços pelo consumidor final, ou que a empresa utilizava-se de práticas predatórias, ou realizava negócios em nome de "laranjas".
Pugnam, ao fim, pela absolvição, com fulcro no artigo 386, incisos II e III, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, requerem a fixação da pena-base no mínimo legal, a incidência da atenuante da confissão espontânea na fase intermediária e, na derradeira etapa, o afastamento da continuidade delitiva (Evento 140, dos autos originários). Por fim, requereram a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.
Contrarrazões da acusação pela manutenção incólume da sentença recorrida (Evento 146, dos autos originários).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do apelo interposto (Evento 12).
Este é o relatório

VOTO


1. Da Admissibilidade
Trata-se de recurso de apelação interposto por Jair José Ruschka Júnior e Marilene Veber Ruschka em face da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que julgou procedente a pretensão deduzida na denúncia, a fim de condená-los ao cumprimento da pena privativa de liberdade 10 (dez) meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além dos pagamentos individuais de dezesseis dias-multa, estes no valor unitário mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por incursão no crime descrito no art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por trinta e quatro vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP)
Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame do pleito recursal.
2. Do Mérito
Pugna a defesa pela absolvição, sustentando a ausência de dolo na falta de recolhimento do imposto e a atipicidade da conduta, vez que a empresa passava por dificuldades financeiras na época dos fatos, não podendo agir de forma diversa, e excluindo, desse modo, sua culpabilidade. Ademais, ressalta a ausência de provas de que o consumidor final adimpliu sua obrigação junto à empresa dos apelantes, ou de que utilizava-se de práticas predatórias, para que essa pudesse repassar ao fisco os valores obtidos.
Sem razão, todavia.
Narra a denúncia que a apelante deixou de efetuar o recolhimento ao fisco de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, decorrente de sua atividade econômica nos meses de fevereiro a dezembro de 2013, de fevereiro a dezembro de 2014 e de janeiro a dezembro de 2015, incorrendo, assim, na conduta típica descrita no artigo 2º, II da Lei nº 8.137/90, e ferindo a ordem tributária:
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: [...]II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; [...]Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Na espécie, a materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelas Notícias-Crime ao Ministério Público nº 1760000008688 e nº 1860000007113, Termos de Inscrição em Dívida Ativa nº 16010959340 e nº 17018587431, Extratos do PGDAS-D nº 82845223201302001, 82845223201303001, nº 82845223201304001, nº 82845223201305001, 82845223201306001, nº 82845223201307001, nº 82845223201308001, 82845223201309001, nº 82845223201310001, nº 82845223201311001, nº 82845223201312001, além do Contrato Social que aponta os apelantes como representantes legais da pessoa jurídica, sem prejuízo da prova oral ou qualquer diligência produzida durante toda a fase da persecução penal (Evento 1, dos autos originários).
A autoria, mesmo que não questionada, de igual sorte, é inequívoca, ante o sólido conjunto probatório acostado aos autos.
Nesse sentido, aproveita-se a transcrição dos resumos dos depoimentos, elaborados pelo nobre magistrado de origem Dr. Luís Paulo Dal Pont Lodetti, acerca dos fatos.
O acusado José Jair Ruschka Júnior, em seu interrogatório, disse que "a gente realmente tentou segurar a empresa da melhor forma possível e a gente acabou não conseguindo pagar os impostos", "quando começou a cair o serviço eu teria que ter mandado os funcionários embora", mas não fez. Contou que tudo aconteceu "na época da crise, a gente faturava "x" valores", caiu pela metade e não conseguiu recuperar a empresa. Ainda está pagamento dívida trabalhista e bancária. Não tem mais patrimônio pessoal, além da casa (Evento 86 - Vídeo 174, dos autos originários).
Já a acusada Marilene Veber Ruschka, quando interrogada, contou que os dois "tocavam a empresa", "fomos vendendo tudo o que tinha" na esperança das coisas melhorarem, existem dívidas trabalhistas e bancárias, além de protestos e inscrições na Serasa. Esclareceu que a empresa "tinha uma estrutura muito grande" que foi difícil manter. Disse quanto ao faturamento que "teve meses seguidos que baixou mais de setenta por cento". Conseguiram fazer um parcelamento, mas não conseguiram honrar. O patrimônio pessoal foi totalmente liquidado (Evento 86 - Vídeo 173, dos autos originários)
Retira-se das oitivas dos acusados que, de fato, a empresa "Toldos Europa LTDA. ME." passava por fragilidade financeira por ocasião dos fatos, o que teria lhe compelido a escolher entre manter os funcionários e pagar os encargos trabalhistas ou adimplir as obrigações tributárias.
In casu, o...

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