Acórdão Nº 0901377-10.2016.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 15-07-2021

Número do processo0901377-10.2016.8.24.0023
Data15 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0901377-10.2016.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA


APELANTE: JAIME DO AMARAL FOGACA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca da Capital, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra JAIME DO AMARAL FOGAÇA dando-o como incurso nas sanções do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por sete vezes), conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 38):
"O denunciado é o administrador da empresa JAIME DO AMARAL FOGAÇA & CIA LTDA. ME., CNPJ n. 03.398.718/0002-57, IE n. 25.409.212-8, sediada na Rua Dom João Becker, nº 304, B, CEP 88058-000, Florianópolis/SC.
Infere-se dos autos que qualquer vantagem obtida pela empresa referida beneficiava diretamente o denunciado, pois à época dos fatos que originou a Notificação Fiscal exercia a sua administração, tendo ciência e controle das transações e negócios realizados, bem como responsabilidade pela apuração e recolhimento do ICMS devido, fl.19.
Segundo se extrai da documentação juntada a Notícia de Fato, o denunciado, na condição de administrador da referida empresa, deixou de recolher, tempestivamente, os valores do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, que informara nas Declarações do ICMS e do Movimento Econômico (DIME), o qual, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, haveria de ter recolhido ao Estado de Santa Catarina, porquanto cobrados dos adquirentes de mercadorias por ocasião da saída dessas do estabelecimento, realizando, assim, conduta que se amolda perfeitamente na descrição do artigo 2º, II, da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990.
Cabe ressaltar que, nos termos do art. 53 do RICMS/01, o ICMS a recolher deve ser apurado mensalmente pelo confronto entre os débitos e créditos escriturados durante o mês, em cada estabelecimento do sujeito passivo e, conforme determina o art. 176 da Seção II, do Anexo 5, ser informado, por meio da Declaração do ICMS e Movimento Econômico (DIME), em qualquer Unidade Setorial de Fiscalização, sendo posteriormente, conforme o caput do art. 60, recolhido até o 10º dia do mês posterior.
O Demonstrativo de Cálculo da Notificação Fiscal n. 156030026670, que ensejou o lançamento do referido crédito tributário, indica as quantias de imposto não recolhidas pelo acusado. Veja-se:
[...]
Desta forma, a frente da empresa/contribuinte citada, o denunciado conduziu-se com a finalidade de cometer crimes contra a ordem tributária nos meses de abril, junho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2014, deixando de efetuar o recolhimento do ICMS relativo às operações tributáveis, escrituradas pelo próprio contribuinte no Livro de Registro de Apuração do ICMS e declarado na DIME - Declaração do ICMS e Movimento Econômico, considerando multa e juros, na ordem de R$ 29.197,96 (vinte e nove mil, cento e noventa e sete reais e noventa e seis centavos), fl.1.
Em face das circunstâncias de tempo, local e modo de execução em que as condutas foram praticadas, são essas consideradas em continuidade delitiva, consoante o disposto no artigo 71, caput, do Código Penal".
Encerrada a instrução, a magistrada a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (Evento 127):
"Ante o exposto, CONDENO o acusado JAIME DO AMARAL FOGAÇA já qualificado, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 11 (onze) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime aberto, substituída por pena restritiva de direitos na modalidade de prestação pecuniária em valor correspondente a 1 salário mínimo; e multa-tipo em 18 (dezoito) dias-multa, quantificada a unidade em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime de apropriação indébita tributária, descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por sete, na forma do art. 71 do Código Penal.
Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, haja vista a modalidade da reprimenda aplicada, bem como porque respondeu ao processo em liberdade Isento o réu do pagamento das custas, tendo em vista que é beneficiário da justiça gratuita".
Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio da Defensoria Pública. Em razões recursais requereu a absolvição, sustentando a atipicidade da conduta consubstanciada: a) no princípio da insignificância; b) na ausência de contumácia delitiva; c) por ausência de dolo de apropriação e; d) na inexigibilidade da conduta diversa (Evento 170).
Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Evento 176).
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinando pelo conhecimento e não provimento do apelo interposto (Evento 12 destes autos).
Este é o relatório

VOTO


Porque preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, o reclamo merece conhecimento.
1. De início, a Defesa sustenta a absolvição do apelante consubstanciada na atipicidade da conduta por aplicação do princípio da insignificância, porquanto o montante auferido quando da constituição do crédito tributário, não teria ultrapassado - sem a incidência dos juros legais - o valor descrito no art. 16 da Lei 15.856/2012 (R$ 20.000,00), com alteração em 29.12.17, para exigibilidade do crédito tributário.
Sem razão.
O princípio da insignificância, como é sabido, visa a excluir ou afastar a tipicidade da conduta.
Dessa forma, ainda que o fato se enquadre no tipo penal previsto pelo legislador, a conduta que não causa lesão ao bem jurídico impede a caracterização do tipo, pois o direito penal só deve ser chamado nos casos em que ocorrem efetivamente a lesividade, em observância aos princípios constitucionais implícitos da intervenção mínima e da fragmentariedade.
Em comentários ao tema, Fernando Capez leciona que:
"Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.
A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.
Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. [...].
Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumível ao art. 155 do Código Penal é alcançada por este princípio, algumas sim, outras não. É um princípio aplicável no plano concreto, portanto. [...]" (Curso de direito penal, parte geral: (arts. 1º a 120). 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, v. I, p. 27-28).
E, no mesmo sentido, menciona Guilherme de Souza Nucci:
"Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunal pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto de tutela penal [...]" (Manual de direito penal. 13. ed. rev. atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 186).
Segundo entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: "a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (STF, HC 84412, rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 19-10-2004).
Assim, na falta de quaisquer desses elementos, não há como se cogitar a hipótese de atipicidade da conduta.
Dito isso, a Lei Estadual n. 12.646/03, vigente até 02.08.2012, previa o valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) como parâmetro para ajuizamento a Dívida Ativa. Veja-se:
"Art. 5º Independentemente do transcurso do prazo prescricional, não será encaminhada à Procuradoria Geral do Estado para ajuizamento a Dívida Ativa:
I - de valor inscrito até R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), relativa ao ICMS, exceto quando decorrente de multas não proporcionais ao valor do imposto ou da mercadoria; e
[...]
...

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