Acórdão Nº 0901659-32.2018.8.24.0038 do Segunda Câmara Criminal, 17-11-2020

Número do processo0901659-32.2018.8.24.0038
Data17 Novembro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0901659-32.2018.8.24.0038, de Joinville.

Relatora: Desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90 C/C O ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (POR ONZE VEZES). PRELIMINAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ATENDIDOS. PREFACIAL AFASTADA.

A higidez da denúncia e o seu recebimento estão adstritos apenas ao cumprimento dos requisitos expostos no art. 41 do Código de Processo Penal e à existência de elementos seguros que demonstrem a ocorrência do crime e a presença dos indícios suficientes da autoria.

MÉRITO. INCONSTITUCIONALIDADE DO TIPO. AFASTAMENTO. AÇÃO PENAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM EXECUÇÃO FISCAL. PRISÃO POR DÍVIDA NÃO CARACTERIZADA. SANÇÃO RESULTANTE DA PRÁTICA DE COMPORTAMENTO LEGALMENTE DEFINIDO COMO CRIME. ATIPICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DOLO CONFIGURADO. AGENTE QUE, NA QUALIDADE DE ADMINISTRADOR (CONTRIBUINTE DE DIREITO), DEIXA DE RECOLHER AOS COFRES PÚBLICOS, NO PRAZO LEGAL, TRIBUTOS (ICMS) COBRADOS E EFETIVAMENTE PAGOS PELOS CONTRIBUINTES DE FATO. MATERIALIDADE A AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA.

1 "A prisão de que trata o art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, longe de reduzir-se ao perfil jurídico e à noção conceitual de prisão meramente civil, qualifica-se como sanção de caráter penal resultante, quanto à sua imponibilidade, da prática de comportamento juridicamente definido como ato delituoso" (STF, Liminar em HC n. 77.631/SC, Min. José Celso de Mello Filho, j. em 3/8/1998).

2 "Não há que se falar em atipicidade da conduta de deixar de pagar impostos, pois é o próprio ordenamento jurídico pátrio, no caso a Lei 8.137/1990, que incrimina a conduta daquele que deixa de recolher, no prazo legal, tributo descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação, e que deveria recolher aos cofres públicos, nos termos do artigo 2º, inciso II, do referido diploma legal" (STJ, RHC n. 44.465/SC, Min. Leopoldo de Arruda Raposo, j. em 18/6/2015).


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0901659-32.2018.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara Criminal em que é Apelante José Henrique Pirath Filho e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer o recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.



O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Norival Acácio Engel, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Desembargador Sérgio Rizelo.



Funcionou como representante do Ministério Público, a Excelentíssima Senhora Procuradora de Justiça Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 17 de novembro de 2020.


Desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho

Relatora







RELATÓRIO

Denúncia (fls. 1/2): o Ministério Público ofereceu denúncia em face de José Henrique Pirath Filho, nos autos n. 0901659-32.2018.8.24.0038, dando-o como incurso nas sanções do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por 11 (onze) vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'INDUSTRIAL AGRÍCOLA SUIN LTDA.', CNPJ n. 83.744.938/0001-43 e Inscrição Estadual n. 25.068.062-9, estabelecida na Avenida Santos Dumont, n. 7600, Bairro Aventureiro, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 221.351,40 (duzentos e vinte e um mil trezentos e cinquenta e um reais e quarenta centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores e em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de janeiro, março, abril, maio, junho, julho agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2017, documentos geradores da Dívida Ativa n. 18001459158, de 23/04/2018.

Sentença (fls. 166/178): O Juiz de Direito Luís Paulo Dal Pont Lodetti julgou PROCEDENTE a denúncia, nos termos vertidos:

[...] Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar José Henrique Pirath Filho ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de dezesseis dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por onze vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP). Custas pelo acusado (art. 804 do CPP). Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca). Transitada em julgado, atualize-se o histórico de partes, com automáticas inclusão no rol dos culpados (art. 1º, I do Apêndice XVI do CNCGJ) e comunicação à Justiça Eleitoral (art. 1º do Provimento nº 04/2011 da CGJ), efetue-se o cálculo e intimação para pagamento das custas (art. 175 do CNCGJ) e da pena de multa (art. 381 do CNCGJ), forme-se o processo de execução (art. 1º da Resolução nº 113/2010 do CNJ) e remeta-se ao r. juízo competente (art. 147 da LEP).

Trânsito em julgado (fl. 182): muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de apelação de José Henrique Pirath Filho (fls. 188/201): a defesa sustentou, preliminarmente, a inépcia da inicial.

No mérito, alegou, em síntese, a inconstitucionalidade do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90; a atipicidade da conduta por ausência de dolo do apelante; que o autor não poderia ser culpabilizado tão somente por ocupar a posição de sócio-administrador da empresa que não efetuou o repasse das verbas tributárias. Apontou que a conduta do agente não passa de irregularidade administrativa.

Requereu o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a absolvê-lo da conduta narrada na denúncia.

Contrarrazões do Ministério Público (fls. 205/213): a acusação impugnou as razões recursais, e postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória.

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 222/231): o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti opinou pelo conhecimento e o desprovimento do recurso.

Este é o relatório.





VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por José Henrique Pirath Filho contra a sentença que o condenou ao cumprimento da pena privativa de liberdade fixada em 10 (dez) meses de detenção, em regime aberto, bem como ao pagamento da pena de multa fixada em 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, por reconhecer que praticou o crime descrito no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, na forma continuada.


1. Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, razão pela qual é conhecido.


2. Da preliminar de inépcia da inicial

Embora alegada de forma subsidiária, a inépcia da denúncia deve ser analisada como preliminar de mérito.

Ressalta-se, todavia, que a higidez da inicial e o seu recebimento estão adstritos apenas ao cumprimento dos requisitos expostos no art. 41 do Código de Processo Penal e à existência de elementos seguros que demonstrem a ocorrência dos crimes e os indícios suficientes da autoria.

No caso dos autos, a peça pórtica recebida trouxe, ainda que de maneira sucinta, satisfatoriamente os fatos criminosos, indicando a capitulação em que o réu incidiu e a sua qualificação, possibilitando a plenitude de defesa.

Vale lembrar que, "se a denúncia estava formalmente perfeita, contendo a descrição clara dos fatos que, em tese, configuram crime, e não havia prova inequívoca em sentido contrário, impunha-se o respectivo recebimento, porquanto existia justa causa para a instauração da ação penal, não se podendo repelir a acusação com fundamento na ausência de prova relativamente àquilo que o dominus litis se propôs a demonstrar no curso da instrução" (TJSC, Apelação Criminal n. 2007.018155-2, de Armazém, rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 3/7/2007).

Nesse sentido, consulte-se: STJ, Habeas Corpus n. 311.256/SC, rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 24/2/2015, DJUe de 2/3/2015.

Dessarte, infere-se que estão satisfeitos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não conduzindo os argumentos lançados à inépcia da denúncia.

Assim, rejeita-se a prefacial.


3. Do mérito

3.1 Da insconstitucionalidade do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90

Sustenta a defesa a inconstitucionalidade do tipo penal, pois a criminalização do inadimplemento caracterizaria prisão por dívida civil.

Segundo a Lei n. 8.137/90:

Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II – Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.


Luiz Coelho da Rocha, citado por Edmar Oliveira Andrade Filho, pontifica:

[...] não estamos aqui cuidando de ação delituosa assemelhada à apropriação...

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