Acórdão Nº 0901996-21.2018.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 23-01-2020

Número do processo0901996-21.2018.8.24.0038
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0901996-21.2018.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADOS. ACUSADO QUE, NA QUALIDADE DE SÓCIO-ADMINISTRADOR DA EMPRESA, DECLARA ICMS NAS DIME'S, MAS DEIXA DE REPASSAR/RECOLHER, NO PRAZO LEGAL, VALOR DOS TRIBUTOS, DESCONTADO OU COBRADO, COMO SUJEITO PASSIVO DE OBRIGAÇÃO AO ESTADO DE SANTA CATARINA. DOLO GENÉRICO CONFIGURADO. CRIME DE NATUREZA FORMAL QUE DISPENSA RESULTADO. FATO TÍPICO CARACTERIZADO.

ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA PARA O ABERTO. NÃO CABIMENTO. PENA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS DE DETENÇÃO, CONTUDO, ACUSADO MULTIRREINCIDENTE ESPECÍFICO E PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES. REGIME SEMIABERTO QUE SE MOSTRA ADEQUADO. MANTIDO.

PLEITO SUBSIDIÁRIO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. ACUSADO MULTIRREINCIDENTE ESPECÍFICO EM CRIMES DOLOSOS. REQUISITOS DO ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL NÃO PREENCHIDOS. TESE AFASTADA.

SOBRESTAMENTO DO CUMPRIMENTO DA PENA ATÉ DECISÃO DEFINITIVA DA CORTE SUPREMA ACERCA DO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N. 163.334/SC. IMPOSSIBILIDADE. LIMINAR QUE NÃO POSSUI O CONDÃO DE SUSPENDER OS PROCEDIMENTOS QUE APURAM O CRIME EM ESPÉCIE. EXTENSÃO DA DECISÃO IMPEDIDA. EFEITO INTER PARTES.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0901996-21.2018.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara Criminal em que é Apelante Nelson Pedro Wanzuita e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da Silva B. Schaefer, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Norival Acácio Engel.

Compareceu à sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Nelson Pedro Wanzuita, imputando-lhe a prática do delito tipificado no artigo 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por duas vezes, na forma do artigo 71, caput, do Código Penal, pois, segundo consta na inicial (fls. 01/02):

"[...]

O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'GFM GERENCIAMENTO E FABRICAÇÃO DE MOLDES LTDA.', CNPJ n. 00.787.385/0001-89 e Inscrição Estadual n. 25.316.692-6, estabelecida na Rua Colon, n. 1300, Bairro Glória, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 107.579,55 (cento e sete mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e cinco centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de março e junho de 2017, documentos geradores da Dívida Ativa n. 18001550236, inscrita em 06/05/2018.

[...]"

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença oral julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (fls. 50/56):

"[...]

Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Nelson Pedro Wanzuita ao cumprimento da pena privativa de liberdade de oito meses e cinco dias de detenção, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de treze dias-multa, cada qual em um décimo do salário mínimo nacional (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP). Custas pelo acusado (art. 804 do CPP). Deixo de substituir a pena por restritiva, ou conceder sursis, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca).

[...]"

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em suas razões recursais, requereu a absolvição do apelante diante da atipicidade da conduta por entender que o delito em questão não estaria descrito no tipo penal. No mais, requereu a substituição do regime de cumprimento da pena para o aberto, com a consequente substituição da pena privativa de liberdade para restritivas de direito. Por fim, pugnou pelo sobrestamento do cumprimento da pena até o julgamento pelo STF do Habeas Corpus n. 163.334 (fls. 65/75).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 85/89).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 93/101).

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se dos recursos e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passo a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Nelson Pedro Wanzuita, contra a decisão de primeira instância que lhe condenou à pena privativa de liberdade de 08 (oito) meses e 05 (cinco) dias de detenção, no regime semiaberto, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito tipificado no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por 48 vezes).

Consta da denúncia que o acusado, na condição de sócio administrador da empresa GFM GERENCIAMENTO E FABRICAÇÃO DE MOLDES LTDA, apropriou-se ilicitamente, em prejuízo direto ao Estado de Santa Catarina, ao deixar de efetuar o recolhimento, no prazo legal, da quantia de R$ 107.579,55 (cento e sete mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e cinco centavos) referente ao ICMS cobrado de consumidores, nos períodos de "março e junho de 2017".

Ao analisar o conjunto probatório constante nos autos, verifica-se que o pleito absolutório não deve prosperar.

A materialidade ficou devidamente demonstrada através da notícia-crime ao Ministério Público n. 1860000018573 (fl. 04) do termo de inscrição em Dívida Ativa n. 18001550236 (fls. 05/06); das DIMEs (fls. 07/14), demonstrando a ocorrência do crime contra a ordem tributária.

No que tange à autoria não restam dúvidas, posto que ficaram devidamente comprovadas através do vasto conjunto probatório analisado pelo magistrado singular, ocasionando na sua condenação na sentença de fls. 50/56.

A absolvição é discutida pelo apelante ao sustentar "que não há tipicidade formal no caso do não recolhimento de ICMS próprio, na medida em que não há substituição tributária, mas sujeição passiva tributária direta da pessoa jurídica" (fl. 66).

Contudo, entendo que tais premissas não devem prosperar.

Determina o artigo 2º, da Lei n. 8.137/90:

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

[...]"

Acerca do tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 e da distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária, leciona Alecio Adão Lovatto:

"O inciso é fundamental na distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária. Se todas as elementares do inciso estiverem presentes, há crime contra a ordem tributária, mas, se nem todas estiverem presentes, o deixar de recolher o tributo caracteriza-se como simples inadimplemento, restrita ao campo tributário. Deflui, pois, como de enorme importância, a distinação.

O verbo nuclear é deixar de recolher. O agente tem a obrigação de recolher e se omite, não efetua o pagamento daquilo que deveria recolher aos cofres públicos. Há a obrigação de agir, expressa pelo verbo recolher, e, apenas dela, o contribuinte omite-se (deixar). O delito é omissivo, diversamente do que ocorre com o crime de apropriação indébita, em que se exige o animus rem sibi habendi, por meio da ação de apropriar-se. Mas, se não exige o dolo correspondente à apropriação indébita, convém, desde logo, ressaltar a presença da elementar cobrado ou descontado, em que se situa a reprovabilidade. Isto se diz para ser evitada a interpretação equivocada que se centraliza na omissão, olvidando a necessidade das demais elementares para caracterizar o delito". (Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. 3.Ed. Rev. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pgs. 124 e 125).

No mesmo sentido, leciona Pedro Roberto Decomain:

"O puro e simples não recolhimento do ICMS pelo contribuinte configura crime previsto pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90? [...] Numa primeira abordagem, de cunho eminentemente econômico, deixando de parte discussões doutrinárias sobre os tributos conhecidos como diretos e indiretos, e levando em conta apenas o aspecto econômico a partir do qual são conceituadas essas espécies, ou seja, atendendo-se ao fato de que existem tributos cujo ônus é imediatamente repassado pelo contribuinte a terceiro, em contrapartida a outros em que tal não ocorre, e sabendo-se que o ICMS inclui-se na categoria dos indiretos, ou seja, daqueles cujo montante é cobrado pelo contribuinte ao adquirente dos produtos tributados, encontrando-se a incidência tributária previamente embutida no próprio preço da mercadoria...

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