Acórdão Nº 0902542-82.2018.8.24.0036 do Quinta Câmara Criminal, 17-03-2022

Número do processo0902542-82.2018.8.24.0036
Data17 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0902542-82.2018.8.24.0036/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: VILSON MOTTA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Jaraguá do Sul, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Vilson Motta, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por quarenta e quatro vezes, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 1, Petição 1):

"O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'MR EMBALAGENS LTDA. EPP.', CNPJ n. 10.486.229/0001-31 e Inscrição Estadual n. 25.574.028-0, na época dos fatos estabelecida em Jaraguá do Sul e atualmente com sede na Rua 28 de Agosto, n. 80, Bairro Nova Esperança, em Guaramirim, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 310.056,55 (trezentos e dez mil cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação por meio do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório) quanto aos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2012, janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2013, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, novembro e dezembro de 2014 e janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015, documentos geradores das Dívidas Ativas n. 16010790922, de 16/12/2016, e 17018487305, de 23/11/2017.

É de se registrar que os débitos referentes aos meses de fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2012, janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2013, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto de 2014 foram objetos do Parcelamento n. 001 (vide planilha anexa - linha n. 238), o qual foi cancelado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 11/04/2012 a 21/02/2015, conforme preceitua o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11".

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (Evento 82):

"Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para condenar VILSON MOTTA ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 meses de detenção, a ser cumprida no regime inicialmente aberto, e ao pagamento de 16 dias-multa, no valor unitário descrito na fundamentação, por infração ao art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por 44 vezes, na forma do art. 71, caput, do CP.

A pena privativa de liberdade fica substituída por restritiva(s) de direitos na forma da fundamentação.

Fixado o regime inicial aberto, concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade (art. 387, parágrafo único, do CPP).

Custas pela parte ré".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em suas razões recursais, a defesa alegou, preliminarmente, a conexão destes autos com as ações penais ns. 0901311-20.2018.8.24.0036 e 0900326-17.2019.8.24.0036, em virtude da identidade de condutas. No mérito, arguiu a absolvição do apelante por atipicidade da conduta ao defender que o delito em questão não estaria descrito no tipo penal, diante da evidente inadimplência fiscal por falta de condições financeiras, o que revela a excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) e ausência de dolo. Por fim, declara a inconstitucionalidade da prisão por dívida e pugna, genericamente, pela redução da pena aplicada (Evento 98).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 103).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 9 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Porque preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, o reclamo merece conhecimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Vilson Motta, contra a decisão de primeira instância que o condenou à pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, no regime aberto, e a pagamento de 16 (dezessete) dias-multa, substituída por uma pena restritiva de direito de prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo vigente a data da sentença ou prestação de serviço à comunidade ou à entidade beneficiente, pela prática do delito tipificado no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por 44 vezes).

1. Ab initio, pretende a defesa o reconhecimento da conexão destes autos com os de ns. 0901311-20.2018.8.24.0036 e 0900326-17.2019.8.24.0036, objetivando a análise em conjunto da continuidade delitiva. Para tanto, sustenta que "considerando que existem outras demandas penais que versa sobre o mesmo fato tipificador, resta patente que há flagrante conexão, na forma de continuidade, eis que por meses seguidos o Apelante deixou de recolher o ICMS"; e ainda que, "a reunião dos processos demonstrará que se referem a mesma conduta, verificando-se que a reunião já existe, mas tão somente a critério do autor da ação, que, aleatoriamente ou conforme as notificações fiscais geradas, acaba por reunir uma ou outra notificação para ajuizamento da ação penal, inclusive em comarcas diversas".

Sem razão!

Sabe-se que a conexão, prevista no art. 76 e seguintes do Código de Processo Penal, possibilita a reunião dos processos a fim de propiciar ao magistrado uma visão abrangente de todo quadro probatório, auxiliando-o na análise do caso concreto, com a finalidade de dar maior celeridade e eficiência à prestação jurisdicional, evitando, assim, decisões conflitantes.

Nesse sentido, mutatis mutandis:

"A reunião de processos deve se mostrar útil, servindo aos propósitos de dar mais celeridade e eficiência à prestação jurisdicional em razão da conexão probatória entre os feitos reunido". (HC 487.177/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 29/03/2019)

Entretanto, em casos especificos, a reunião de diversos processos pode acarretar, ao contrário do pretendido pelo legislador, um tumulto processual e, consequentemente, retardo na entrega jurisdicional, mormente quando os feitos estiverem em fases diversas.

Nessa hipótese, incumbe ao julgador avaliar a conveniência da reunião das ações penais, sob a ótica da melhor eficiência e celeridade processual.

Acerca do tema, Guilherme de Souza Nucci leciona:

"Separação facultativa dos processos: tendo em vista que a conexão e a continência, como já afirmado, têm por finalidade garantir a união dos processos para uma melhor apreciação da prova pelo juiz, evitando-se as decisões conflituosas, pode ocorrer a inconveniência dessa junção, seja porque torna mais difícil a fase probatória, seja pelo fato de envolver muitos réus - uns presos e outros soltos - e até por razões outras que somente o caso concreto pode determinar" (Código de Processo Penal comentado. 15. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 264).

E da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MALFERIMENTO AOS ARTS. 80 E 82, AMBOS DO CPP, E 71 DO CP. REUNIÃO DE PROCESSOS. CONTINUIDADE DELITIVA. (I) - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211/STJ, 282 E 356/STF. (II) - ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. (III) - REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO [...] 2. Este Sodalício Superior sufragou entendimento no sentido de que "a reunião de processos em razão da conexão é uma faculdade do Juiz, conforme interpretação a contrario sensu do art. 80 do Código de Processo Penal que possibilita a separação de determinados processos". (RHC 29.658/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe 08/02/2012). Também é assente neste Tribunal Superior o entendimento de que "a eventual existência de continuidade delitiva não torna imprescindível a reunião de ações que se encontram em fases distintas (...), questão que deve ser levada a deliberação do Juízo das Execuções". (AgRg no HC 250.683/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 21/11/2013) [...] (AgRg no AREsp 455.081/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 04/08/2014) - Grifou-se.

Logo, como os objetivos que a conexão pretende alcançar é a efetividade da função jurisdicional e da facilitação da instrução probatória, tem-se que a reunião dos processos, como pretende o apelante, ocasionaria tumulto processual, sobretudo por estarem em fases distintas, sendo incongruente com as finalidades deste instituto.

À título de esclarecimento, embora o sentenciante em Evento 70, dos autos n. 0901311-20.2018.8.24.0036, tenha de início, determinado a reunião dos processos, entendeu por julgar separadamente a lide ante a proximidade da prescrição da pretensão punitiva e por se encontrarem em momentos processuais distintos, evitando assim conflitos futuros.

Outro tanto, denota-se que os autos n. 0901311-20.2018.8.24.0036, encontra-se com decisão transitada em julgado (evento 69); e os de n. 0900326-17.2019.8.24.0036 se encontram na fase de alegações finais (evento 63), enquanto que nestes autos concluída esta toda a etapa instrutória, com prolação de sentença penal condenatória e interposição de recurso de apelação.

Apenas para corroborar:

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. REUNIÃO DE PROCESSOS. CRIME CONTINUADO. PROCEDIMENTOS EM ETAPAS DIFERENTES. É...

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