Acórdão Nº 0902546-12.2018.8.24.0007 do Segunda Câmara de Direito Público, 24-08-2021

Número do processo0902546-12.2018.8.24.0007
Data24 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0902546-12.2018.8.24.0007/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pelo Município de Governador Celso Ramos contra a sentença proferida na ação civil pública promovida pelo Ministério Público, que julgou procedente o pedido inicial nos seguintes termos:

"Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para:a) CONDENAR o requerido MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS/SC ao cumprimento da obrigação de não fazer consistente na abstenção de realizar qualquer ato fundado nas Leis Municipais n. 751/2011, n. 843/2013 e n. 891/2013, especialmente em relação à emissão de alvarás/licenças para construção;b) CONDENAR o requerido MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS/SC ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser revertido para o Fundo para Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, sobre o qual devem incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a data do evento danoso (início da vigência da Lei Municipal n. 751/2011), nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça, e correção monetária pelo IPCA-E a partir da presente data.Fixo multa mensal, em caso de descumprimento desta decisão pelo requerido, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).Deixo de condenar o requerido ao pagamento das custas processuais, diante da isenção legal existente em seu benefício.Incabível a fixação de honorários advocatícios ao Ministério Público.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Arquivem-se, oportunamente". (evento 86).

Nas suas razões, sustentou que as Leis Municipais n. 751/11, n. 891/13 e n. 843/13 versaram sobre o zoneamento urbano municipal, mas nem por isso são inconstitucionais considerando a competência dos municípios para "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano", prevista no art. 30, inc. VIII, da Constituição da República.

Argumentou que as prefaladas Leis Municipais foram precedidas de todas as exigências e formalidades constitucionais, inclusive com a manifestação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) antes da aprovação pela Câmara de Vereadores, razão pela qual não se cogita de inconstitucionalidade.

Enfatizou que a sentença quedou-se silente com relação à eficácia da declaração de inconstitucionalidade das supracitadas Leis Municipais, de modo que é forçoso concluir que ela se operou-se com efeito ex tunc.

Pugnou pela modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, considerando que as situações já consolidadas devem ser resguardadas e que a sentença pode atingir grandes empreendimentos imobiliários com prejuízo aos cofres públicos.

Defendeu a inexistência da dano moral coletivo indenizável, porque o Ministério Público não logrou provar quais os prejuízos causados à coletividade com a aprovação das Leis Municipais sem a eventual participação popular.

Sucessivamente, observou que o montante indenizatório não se coaduna com a extensão do dano causado, a considerar que o arbitramento em R$ 100.000,00, acrescidos de juros moratórios e de correção monetária desde o ano de 2011, desborda da razoabilidade e da proporcionalidade, mormente considerando a situação precária das contas públicas em decorrência da pandemia de Covid-19.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso (evento 94).

O Ministério Público, por intermédio da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Biguaçu, apresentou contrarrazões (evento 103).

Os autos subiram ao Tribunal de Justiça, vindo a mim conclusos (evento 1).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça: Murilo Casemiro Mattos, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9).

É o relatório.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer do recurso e da remessa necessária, dar parcial provimento àquele e negar provimento a esta.

2. De início, salienta-se que a sentença está sujeita ao reexame obrigatório, uma vez que é ilíquida, nos termos do que dispõe o art. 496, inc. I, do CPC/15 e do enunciado da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "a dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".

A esse respeito, o STJ decidiu que, em caso de sentença ilíquida há, obrigatoriamente, reexame necessário, ao argumento de que "a dispensa do exame obrigatório pressupõe a certeza de que a condenação não será superior ao limite legal estabelecido, seja no art. 475 do CPC/1973, seja no artigo 496 do CPC/2015" (REsp. n. 1.741.538/PR, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 05.06.18).

Pois bem, no caso concreto trata-se ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público visando compelir a Administração Pública do Município de Governador Celso Ramos a examinar os pedidos de licenças e alvarás de construção sem aplicar as Leis Municipais n.º 751/11, n.º 843/13 e n.º 891/13, que cuidaram de zoneamento urbano e, assim, versaram sobre plano diretor, porque maculadas de inconstitucionalidade, à míngua da imprescindível participação popular no processo legislativo.

Ademais, formulou-se pedido de reparação civil pelos danos morais coletivos em virtude dos prejuízos ambientais e urbanísticos decorrentes da concessão de licenças e alvarás de construção com supedâneo nas supracitadas leis inconstitucionais (evento 1).

A sentença julgou procedente o pedido cominatório, com a declaração incidental de inconstitucionalidade das supracitadas Leis Municipais, como também acolheu o pedido reparatório, condenando a Municipalidade ao pagamento de indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), acrescidos dos consectários legais.

Daí a insurgência. E razão assiste ao apelante, ao menos em parte.

No tocante ao pedido cominatório, a sentença não comporta reforma.

Primeiramente, frise-se que a questão da (in)constitucionalidade das Leis Municipais n. 751/11, n. 843/13 e n. 891/13 é prejudicial ao julgamento do pedido cominatório de obrigação de não-fazer, razão pela qual a declaração incidental de inconstitucionalidade revela-se perfeitamente cabível em sede de ação civil pública.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu: "O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal". (ED. na Rcl. n. 1.898/DF, rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 10.06.14).

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça: "A jurisprudência do STJ entende possível a declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, em sede de ação civil pública, quando a controvérsia constitucional figurar como causa de pedir ou questão prejudicial indispensável à resolução do pedido principal" (AgInt. no REsp. n. 1.364.679/MG, rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 19.02.19).

Em segundo lugar, gize-se que a questão da inconstitucionalidade de lei urbanística por déficit de participação popular na atividade legiferante não é inédita nesta Corte de Justiça, havendo ínúmeros julgados neste sentido, inclusive do Órgão Especial, como será visto.

Nesse quadro, revela-se desnecessária a instauração da arguição de inconstitucionalidade, a teor do art. 949, parágrafo único, do CPC/15, segundo o qual "Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão".

Pois bem, a Lei Municipal n. 751/11 ampliou o zoneamento urbano ao longo da BR-101 em áreas dos bairros Areias de Baixo, Areias do Meio, Areias de Cima, Fazenda de Armação, Ganchos do Meio e Ganchos de Fora, autorizou a permuta e alterou gabarito do terreno cadastrado na Prefeitura Municipal sob o n.º 01.01.06.0246-0001:

"Art. 1º Ficam aprovados os novos zoneamentos conforme Itens e Áreas a seguir:Item I - a Área 1 e 4 - Área Industrial e Comercial conforme mapa anexo 01 (mapa do zoneamento e coordenadas geográficas);Área 01 - Industrial e Comercial que compreende no limite da BR-101, ponto inicial, ao norte, seguindo pelo leste da rua principal do Loteamento Boa Vista (Areias de Cima), indo até ao final deste ponto, partindo para o SUL até encontrar a estrada velha, desta vai em direção a OESTE até a BR-101...

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