Acórdão Nº 0902588-71.2018.8.24.0036 do Segunda Câmara Criminal, 01-02-2022

Número do processo0902588-71.2018.8.24.0036
Data01 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0902588-71.2018.8.24.0036/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

APELANTE: DONALDO WALDEMAR KRUGER (ACUSADO) ADVOGADO: GIORDANI MICHEL KOERNER SCHIOCHET (OAB SC034802) ADVOGADO: DIEISON FABIANO FLORES DE CARVALHO (OAB SC033282) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Jaraguá do Sul, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Donaldo Waldemar Kruger, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, por trinta e quatro vezes, na forma do art. 71, do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos (Evento 1 dos autos de origem):

[...] O denunciado, na condição de sócio-administrador e titular de 'DONALDO WALDEMAR KRÜGER ME.', CNPJ n. 10.922.054/0001-68 e Inscrição Estadual n. 25.588.207-6, estabelecida na Rodovia BR 280, n. 561, Centro, em Corupá, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 156.969,42 (cento e cinquenta e seis mil novecentos e sessenta e nove reais e quarenta e dois centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação por meio do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório) quanto aos meses de junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2012, janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2013, fevereiro, março, abril, maio, novembro e dezembro de 2014 e janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto e setembro de 2015, documentos geradores das Dívidas Ativas n. 16010895007, de 19/12/2016, e 17018577398, de 24/11/2017.

É de se registrar que os débitos das Dívidas Ativas n. 16010895007 (junho de 2012 a dezembro de 2013) e 17018577398 (apenas com relação aos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2014) foram objetos do Parcelamento n. 001 (Vide planilha que segue anexa - Linha n. 284), o qual foi cancelado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 20/12/2012 a 25/05/2015, conforme preceitua o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11.

Encerrada a instrução, foi julgada procedente a Exordial para condenar Donaldo Waldemar Kruger à pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, em regime aberto, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, substituída aquela privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos, pela prática do delito tipificado no art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, na forma do art. 71, caput, do Código Penal (Evento 68 do feito de origem).

Inconformada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação (Evento 78 dos autos de origem), em cujas Razões (Evento 84 daquele feito), sustenta, preliminarmente, a inépcia da exordial por entender que a conduta não foi individualizada.

No mérito, pugna pela absolvição por atipicidade da conduta, por entender que se trata de mero inadimplemento de obrigação tributária própria ou por insuficiência de provas. Subsidiariamente, alega a incidência da causa de exclusão de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa ou de ilicitude do estado de necessidade.

Subsidiariamente, requer o afastamento da continuidade delituosa e, em sendo acolhido esse pedido, o reconhecimento do direito à transação penal ou suspensão condicional do processo e substituição da pena corporal por restritivas de direitos.

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 91 do processo de origem), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento da insurgência (Evento 9).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Preliminar

O Apelante argumenta, ainda, inépcia da Exordial por entender que a conduta não foi individualizada. Todavia, a tese, também, não merece prosperar.

Da leitura da Inicial (Evento 1 dos autos de origem), conclui-se que ela descreve suficientemente os fatos delituosos e suas circunstâncias, além da qualificação do acusado, indicação do dispositivo que infringiu (CPP, art. 41).

Diante disso, a conduta criminosa descrita na Denúncia é claramente atribuída ao Apelante que, à frente da empresa, como administrador, deixou de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, valores referentes ao ICMS.

Neste ponto, ainda, a documentação apresentada pelo Órgão Ministerial, quando do oferecimento da Denúncia, mostra-se hábil a comprovar as condutas imputadas ao ora Apelante.

Assim, constata-se que a peça processual, expondo satisfatoriamente o fato criminoso e indicando a capitulação em que incidiu o Apelante, possibilitou a ele o exercício da plenitude de defesa.

Nesse sentido, colhe-se desta Câmara a Apelação Criminal n. 0900990-60.2018.8.24.0011, de Relatoria da Desembargadora Salete Silva Sommariva, j. 22-06-2021:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - SONEGAÇÃO FISCAL (LEI N. 8.137/90, ART. 2º, II) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - INSURGÊNCIAS DOS RÉUS - PRELIMINARES - INÉPCIA DA DENÚNCIA - VÍCIO NÃO DEMONSTRADO - INICIAL QUE ATENDE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO GARANTIDOS - ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90 - INOCORRÊNCIA - NORMA QUE NÃO TRATA DE PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA - DISPOSITIVO LEGAL AVALIZADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - MÉRITO - ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA - TRIBUTO EFETIVAMENTE COBRADO DO CONSUMIDOR DE FATO - RESPONSABILIDADE PELO REPASSE DOS VALORES AOS COFRES PÚBLICOS - CONDUTA TÍPICA - RÉUS QUE FIGURAVAM COMO SÓCIOS-ADMINISTRADORES NO CONTRATO SOCIAL DA EMPRESA - DEFESA QUE NÃO LOGROU ÊXITO EM DEMONSTRAR A NÃO INGERÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO - CONDUTA QUE INEXIGE DOLO ESPECÍFICO PARA SER CONFIGURADO - CRIME FORMAL - PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - ALEGADA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - IMPOSSIBILIDADE - CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL NÃO EVIDENCIADA - MÁ SITUAÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA QUE, POR SI SÓ, NÃO É SUFICIENTE PARA CARACTERIZAR A EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE - TRIBUTO COBRADO DO CONSUMIDOR FINAL - CONDENAÇÃO MANTIDA - DOSIMETRIA - SEGUNDA FASE - PRETENSA REDUÇÃO DA PENA EM FACE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - REPRIMENDA NO MÍNIMO LEGAL - RESPEITO À SÚMULA N. 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA POR MULTA OU A REDUÇÃO DO VALOR ESTABELECIDO NA SENTENÇA - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO BEM FUNDAMENTADA NO PONTO - PEDIDO DE FIXAÇÃO DO PARÂMETRO DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS - VALORES QUE DEVEM TER POR BASE O SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE AO TEMPO DO PAGAMENTO - PRECEDENTES - RECURSOS DESPROVIDOS. (grifou-se)

Portanto, não havendo necessidade da existência de relato detalhado da conduta do Agente, bastando apenas a descrição de elementos essenciais para a persecução penal, bem como presentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não há falar em inépcia da Denúncia.

Assim, afasta-se a preliminar arguida.

Mérito

Alega a Defesa, em síntese, a atipicidade material da conduta, por entender que se trata de mero inadimplemento de obrigação tributária própria; absolvição por insuficiência de provas. Sustenta, ainda, a incidência da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, diante das dificuldades financeiras ou de ilicitude em razão do estado de necessidade. Subsidiariamente, requer a exclusão do aumento de pena relativo à continuidade delituosa. Novamente sem razão. Vejamos.

A materialidade e autoria estão devidamente comprovadas por intermédio dos Termos de Inscrição em Dívida Ativa (Evento 1, INF5 e INF24), Contrato Social e alterações (Evento 1, INF22, INF71/INF77), todos dos autos de origem, bem como pela prova oral colhida, que confirmam a existência do crédito tributário declarado e não pago pelo Apelante.

A Denúncia descreve a conduta do Recorrente como consistente em não repassar ao Estado aquilo que lhe é devido por força de lei, mormente nas hipóteses dos tributos indiretos (como é o caso do ICMS), quando o real pagador é o consumidor final, figurando o sujeito passivo da obrigação como mero intermediário.

O Apelante, ao ser ouvido em juízo, asseverou:

[...] é verdadeira (se a Denúncia é verdadeira); [...] dificuldade mesmo (por que motivo não pagou os tributos); [...] tá fechado, não tem mais nada, não existe mais nada, foi o falecimento do filho, tudo ajudou a... tá fechado, fechado (se fechou a empresa); [...] móveis (qual ramo trabalhava com a empresa); [...] ah não lembro, já faz um tempo (em que ano encerrou a empresa); [...] não recordo (se foi feito algum parcelamento); [...] não me recordo também (se algum dos tributos foi pago posteriormente); [...] era dificuldade financeira mesmo (o motivo para não pagar os tributos; [...] eu perdi meu filho, não tive dinheiro, gastei tudo que eu tinha nele e o médico acabou subtraindo ele; [...] sim (Se preferiu priorizar o pagamento dos funcionários ao invés dos tributos); [...] (registro audiovisual do Evento 59 - principais trechos entre 02'29'' e 05'40'')

Segundo dispõe o art. 11, da Lei n. 8137/90, "Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade".

É cediço que o Direito Penal deve ser utilizado apenas para proteger os bens jurídicos que possuam grande relevância social, e que a ofensa a valores seja efetiva e real. Além do que, o Direito Penal possui função subsidiária, quer dizer, deve ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT