Acórdão Nº 0902691-74.2015.8.24.0039 do Quinta Câmara de Direito Público, 02-03-2021

Número do processo0902691-74.2015.8.24.0039
Data02 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0902691-74.2015.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA


APELANTE: JOATAN PEREIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) INTERESSADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO) INTERESSADO: MUNICÍPIO DE LAGES/SC (INTERESSADO)


RELATÓRIO


Adoto o relatório da sentença:
O Ministério Público de Santa Catarina, em exercício neste juízo, ajuizou Ação Civil de Improbidade Administrativa em face de Joatan Pereira, ambos já qualificados na inicial.
Alegou, em apertada síntese, que: a) o réu foi admitido pela Secretaria de Estado da Educação, em 13/06/2005, no cargo de professor, integrante da carreira do magistério estadual, com carga horária de 10 horas semanais, nos anos de 2013 e 2014, e 40 horas semanais, no ano de 2015; b) entre 02/01/2013 e 01/08/2015, o réu ocupou, também, o cargo de provimento em comissão de Diretor de Proteção Social Especial; c) entre os anos de 2013 e 2015, o réu descumpriu reiteradamente sua carga horária de 40 horas no Município de Lages, ao argumento de que, por vários períodos estava presente na E.E.B. Zulmira Auta da Silva ministrando aulas, ora pelas manhãs, ora pelas tardes, quando não em ambos.
Afirmou, deste modo, que no período de 02/01/2013 a 01/08/2015, o réu acumulou, de forma ilegal, não albergada pelas exceções constitucionais, e em horários totalmente incompatíveis, 2 (dois) cargos públicos, violando o disposto no art. 37, inc. XVI, da Constituição Federal, percebendo remuneração pelo exercício de ambos.
Requereu a procedência do pedido inicial, aplicando-se ao réu as sanções previstas no art. 12, inc. I, da Lei n. 8.429/92, por infringência ao artigo 9º, caput e inc. XI, do mesmo Diploma Legal, com a condenação deles nas verbas de sucumbência e demais cominações de estilo e, sucessivamente, as sanções previstas no art. 12, inc. III, da Lei n. 8.429/92, por infringência ao artigo 11, caput e inc. I, do mesmo Diploma Legal.
Valorou a causa e juntou documentos.
Notificado na forma do art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92, o réu ofertou defesa preliminar (evento 14).
Recebida a inicial, determinou-se a citação do réu, que foi devidamente cumprida.
O réu, na contestação, arguiu que não exerceu, cumulativamente, cargos incompatíveis, pois o comando legal permite a cumulação de cargo de professor com o cargo técnico, funções exercidas com compatibilidade de horários, inclusive. Afirmou, ainda, que se trata de mera irregularidade, que não se confunde com ato de improbidade, e que não há prova de dano ao erário. Por fim, disse que não há possibilidade de se decretar a perda do cargo público estadual (professor efetivo), vez que "estancado" o cargo/função exercido no Município de Lages. Com isso, requereu a improcedência do pedido inicial.
Houve réplica.
Saneado o feito e designada audiência (evento 52), foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes, tendo havido desistência da oitiva de Ana Paula Teles de Souza, Jamilie Araújo Yared e Bernardete Aparecida Casa Liston (audiovisuais anexos ao evento 96).
Na sequência, as partes apresentaram alegações finais, ratificando os pedidos anteriormente formulados.
Adito que Sua Excelência julgou procedente o pedido, condenando o réu nestes termos:
Por tais razões, com fundamento nos princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, JULGO PROCEDENTE, com resolução do mérito (art. 487, inc. I, do CPC), o pedido inaugural formulado pelo Ministério Público de Santa Catarina por meio da presente ação civil de improbidade administrativa deflagrada contra Joatan Pereira para, em consequência:
i) reconhecer que o réu Joatan Pereira incidiu em improbidade administrativa capitulada no art. 9º, caput e inc. XI, da Lei n. 8.429/92 e, com fulcro no art. 12, inc. I, da LIA.
ii) condenar o réu Joatan Pereira ao pagamento de multa civil em montante equivalente a 2 (duas) vezes o valor acrescido ilicitamente ao seu patrimônio, que deverá ser apurado na fase de cumprimento de sentença, sobre o qual deve incidir correção monetária pelo INPC a contar desta decisão.
iii) condeno o réu Joatan Pereira ao ressarcimento ao erário/perdimento dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, consistente nos valores recebidos por ele, relativos ao quantitativo de horas em que esteve comprovadamente afastado de suas funções de Diretor de Proteção Especial da Secretaria Municipal de Lages, para lecionar no Estado de Santa Catarina, devendo ele, para tanto, ressarcir tal montante ao Município de Lages, nos termos do art. 18 da Lei nº 8.429/92, que deverá ser apurado na fase de cumprimento de sentença, devidamente atualizado pelo INPC desde a data de cada recebimento indevido e acrescido de juros de 1% ao mês.
CONDENO o réu ao pagamento das custas processuais, dispensada sua exigibilidade, ante os benefícios da Justiça Gratuita (art. 98 do CPC), que ora defiro.
Sem honorários advocatícios, conforme entendimento do STJ (AgRg no AREsp 197.740/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27.2.18).
O recurso, claro, é do acionado.
Afirma que diversamente do alegado pelo autor e considerado pelo magistrado, não tinha carga jornada de oitenta horas semanais, pois "no cargo de professor efetivo do Estado de Santa Catarina laborava com a carga horária de 10 horas/aula, em períodos alternados entre o matutino, vespertino e noturno, e, junto a Prefeitura do Município de Lages, no cargo de Diretor, laborava 40 horas semanais, não havendo incompatibilidade de horários no exercício de sua função técnica no cargo de confiança exercido no ente municipal". No posto de exoneração ad nutum, aliás, seu superior hierárquico permitia cumprimento da jornada em períodos diferenciados (uma forma "não britânica"), até porque não recebia pelo labor extraordinário efetuado nas madrugadas, finais de semana e feriados. A prova documental e principalmente a testemunhal ratificam sua versão. Enfatiza, nessa linha, que as Administrações Estadual e Municipal em momento algum se manifestaram no sentido de eventual desatendimento da jornada à qual estava vinculado. O Ministério Público, a partir daí, não comprovou a narrativa inicial.
Ressalta que já em suas alegações finais impugnou a "tabela" apresentada pelo Curador da Moralidade no evento 101 quanto a supostos períodos em que houve choque de horários, pois considera ser tudo mera ilação em face da ausência de prova concreta da profanação (quiçá de eventual enriquecimento ilícito).
Sob outro ângulo, defende que os cargos simultaneamente ocupados não eram incompatíveis, na medida em que houve atenção às regras da Constituição (art. 37). Aliás, em vários períodos em que exercia o cargo de professor teve licenças deferidas (médicas ou prêmio), o que ratifica que tampouco houve prejuízo à Fazenda Pública. Referido posto, insiste, é passível de cumulação com outro de característica técnica, como foi o caso da função de Diretor de Proteção Social Especial, que era de considerável complexidade e possuía referido status.
Quanto à natureza técnica, aliás, salienta que os depoimentos foram uníssonos no sentido de que era "'cargo de confiança/comissionado com conhecimento Técnico'; "Responsável pelo reordenamento, coordenação/implantação do 'SUAS" no município de Lages'; " participação em cursos técnicos para implantação de serviços'; 'programas do governo federal, devendo ser observados os requisitos pelo município' - implantação do SUAS'; Que o Réu, 'era responsável pela aplicação das técnicas nos abrigos'".
Ademais, "o mero registro nos controles de pontos ou horários na PML atinentes ao cargo de 'Diretor', por si só, não é suficiente para reconhecer que os serviços não tenham sido realizados ou as atividades não tenham sido exercidas em outros horários. (...) a documentação trazida aos autos trazem a certeza que o Réu cumpriu suas funções e carga horária integralmente no Município de Lages, e, esporadicamente quando deixou de ministrar alguma aula na rede estadual, teve estas descontadas ou as repôs".
A partir daí, qualquer sanção que lhe seja imposta levará ao enriquecimento sem causa da Administração.
Quer a improcedência ou, quando menos, que a muita civil seja reduzida, e o ressarcimento ao erário, afastado.
Em contrarrazões o autor ratificou o acerto da sentença.
A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento

VOTO


1. A essência da acusação tem por base a acumulação ilegítima de cargos, agravada pelo fato de que no exercício das funções houve (é a tese) incompatibilidade de horários.
O fato em si (de que ocorreu ocupação simultânea de postos de trabalho) é certo, podendo-se considerar como questão incontroversa: dentre os anos de 2013 a 2015 o recorrente, que ocupava cargo de provimento efetivo (era professor) vinculado ao Estado de Santa Catarina, também exerceu posto comissionado perante secretaria do Município de Lages (foi Diretor de Proteção Social Especial).
É inglório, a partir daí, alguma defesa da validade da postura - ainda que, como será visto à frente, seja possível superar a alegação de que houvera exercício em horários incompatíveis, com locupletamento às custas da Fazenda Pública.
2. Não está em xeque um fato menor, um pecado venial, uma simples irregularidade, como se alega. Não são previsões para preferencialmente ser cumpridas; estão no âmbito de cláusulas essenciais da Administração e não podem sob nenhum pretexto ser desconsideradas. Há exceções (postas no art. 37 da CF), mas bem angustas e que estão longe de valerem para cá:
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos...

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