Acórdão Nº 0903364-24.2019.8.24.0008 do Primeira Câmara Criminal, 01-10-2020

Número do processo0903364-24.2019.8.24.0008
Data01 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 0903364-24.2019.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: CLEUSA JANETE BAILER (RÉU) ADVOGADO: Thiago Burlani Neves (DPE) RECORRIDO: CLODOALDO MATIAS (RÉU) ADVOGADO: Thiago Burlani Neves (DPE)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Clodoaldo Matias e Cleusa Janete Bailer, dando-os como incursos nas sanções do art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, em razão dos seguintes fatos:

Os denunciados Clodoaldo Matias e Cleusa Janete Bailer, na época dos fatos, exerciam a função de sócios e administradores da empresa Weld Comércio de Eletrodos Ferramentas e Representações Ltda., com endereço comercial na rua Concórdia, 89, sala 01, bairro Ribeirão Fresco, Blumenau/SC.

Na condição de sócios e administradores da referida empresa, os denunciados deliberavam e/ou concorreram para a deliberação, entre outras questões, sobre o pagamento, supressão ou redução de tributos devidos ao Município de Blumenau/ SC.

Nos períodos de junho/2015 até dezembro/2015; janeiro/2016 até dezembro/2016; e fevereiro/2017 até julho/2017, os denunciados passaram a praticar atos ilegais contra a fiscalização tributária, deixando de recolher o tributo ISS.

Para tanto, em cada período elencado acima, os denunciados determinaram que a empresa Weld Comércio de Eletrodos Ferramentas e Representações Ltda., deixasse de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS relativo às operações/prestações tributáveis, as quais foram apuradas pelo próprio contribuinte através da emissão de Notas Fiscais de Serviço Eletrônicas - NFS-e.

O valor do tributo não recolhido, foi cobrado do tomador do serviço e/ou comerciante que, ao realizar o pagamento, acabou por recolher, também, o imposto embutido que estava na precificação realizada pela empresa/contribuinte.

Assim, o valor do imposto reconhecido como devido, contudo, quando do vencimento, não foi recolhido e a importância declarada acabou por não ingressar aos cofres do Erário Municipal.

Ao não recolherem os valores referentes ao imposto incidente sobre operações tributáveis devidos aos cofres públicos, dentro do prazo legal, os denunciados sonegaram certa monta, resultando em prejuízo aos cofres públicos e a toda coletividade.

Dessa forma, os denunciados deixaram de recolher aos cofres públicos a soma a seguir discriminada:

Notificação Fiscal n. 290/2017

Demonstrativo de Valores Apurados

Base de cálculo / R$ 118.804,46

Imposto a recolher / R$ 2.376,08

Atualização monetária / R$ 223,41

Juros de mora / R$ 391,82

Multa p/ infração / R$ 259,95

Total geral a pagar / R$ 3.251,26

Foi assim que os denunciados, dolosamente, deixaram de efetuar o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal.

Em assim sendo, agindo reiteradamente, os denunciados determinaram que a empresa deixasse de recolher aos cofres públicos, em suas condutas delituosas anteriormente descritas, a importância de R$ 3.251,26 (três mil, duzentos e cinquenta e um reais com vinte e seis centavos) com a multa e juros, ao Fisco Municipal, recursos estes que deveriam ser aplicados em proveito de toda a sociedade blumenauense.

Nos casos em tela, a Secretaria de Gestão Financeira, com base nas Notas Fiscais Eletrônicas emitidas voluntariamente e espontaneamente pelo próprio contribuinte, constatou a ocorrência da sonegação fiscal, ante o não recolhimento dos valores de ISS informados e destacados em ditos documentos fiscais, lavrando-se, posteriormente, a notificação fiscal.

Assim, não há qualquer diligência pessoal da autoridade fazendária municipal no local onde encontra-se o contribuinte segundo o cadastro municipal, pois toda a análise é realizada por meio eletrônico e automatizado pelo sistema da Fazenda Municipal, motivo pelo qual não é necessária a oitiva de auditor fiscal.

O ato fiscal é materializado na notificação fiscal/termo de denúncia espontânea emitidos (evento 2 dos autos de origem).

Pronunciamento impugnado: o juiz de direito Juliano Rafael Bogo rejeitou a denúncia, ante a atipicidade da conduta, com fulcro no art. 395, II, do Código de Processo Penal (evento 4 dos autos de origem).

Recurso do Ministério Público: a acusação interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou, em síntese, que o fato descrito na denúncia é típico, pois o ISS, assim como o ICMS, é tributo indireto e sua carga econômica é repassada ao consumidor final, de modo que, ao sujeito passivo (prestador do serviço), incumbe o dever legal de recolher ao fisco, a tempo e modo, o referido tributo, conforme entendimento doutrinário e jurisprudência deste Tribunal de Justiça.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a decisão impugnada, determinando-se o recebimento da denúncia e o regular processamento do feito de origem (evento 7 dos autos de origem).

Contrarrazões de Clodoaldo Matias e Cleusa Janete Bailer: a defesa impugnou as razões recursais, reforçando o acerto da decisão de origem, ao sustentar que o caso retrata mero inadimplemento de dívida tributária, sem qualquer conduta voltada ao desconto ou cobrança prévia a revelar apropriação ilícita do ponto de vista criminal.

Postulou a manutenção da decisão atacada (evento 28 dos autos de origem).

Juízo de retratação: o juiz de direito Lenoar Bendini Madalena manteve a decisão por seus próprios fundamentos (evento 30 dos autos de origem).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Rogério A. da Luz Bertoncini opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 8 destes autos).

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

A acusação logrou derruir a convicção formada pelo Juízo "a quo", o qual, prematuramente, rejeitou a denúncia ao entender pela atipicidade do fato imputado aos recorridos e subsumido ao delito descrito no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990.

Em síntese, eis o fundamento absolutório:

A denúncia imputa aos réus a prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, haja vista que, na qualidade de administradores da empresa Weld Comércio de Eletrodos Ferramentas e Representações Ltda., deixaram de recolher aos cofres públicos valores devidos a título de ISS (próprio), relativos a operações devidamente declaradas ao fisco.

A Lei n. 8.137/90 dispõe: Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: [...] II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; [...]

A conduta tipificada no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 alcança apenas o responsável tributário, isto é, o sujeito passivo indireto da obrigação, que deixa de recolher o tributo descontado ou cobrado, devido por outrem (contribuinte). O sujeito passivo direto da obrigação tributária, contribuinte, que deixa de recolher aos cofres públicos o ISS (próprio), comete infração administrativa, mas não incorre no delito do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90.

Logo, antecipa-se, o fato narrado na denúncia é atípico.

Antes de discorrer sobre o tema, cabem três observações. Primeira, a matéria é polêmica na doutrina e jurisprudência. No Superior Tribunal de Justiça, há divergência entre as Turmas julgadoras e Ministros. No Supremo Tribunal Federal, o tema será analisado no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 163.334-SC, cujo Ministro Relator, Luis Roberto Barroso, registrou, na decisão proferida em 11.02.19: "O tema é controverso, tendo sido objeto de discussão acirrada no Superior Tribunal de Justiça, com cinco votos pela tipicidade e três votos pela atipicidade da conduta (HC 399.109). Não houve ainda manifestação expressa sobre a controvérsia por nenhuma das Turmas do...

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