Acórdão Nº 0903370-31.2019.8.24.0008 do Quinta Câmara Criminal, 10-02-2022

Número do processo0903370-31.2019.8.24.0008
Data10 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0903370-31.2019.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: EDEMIR MARCOS PEREIRA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Blumenau, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Edemir Marcos Pereira, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 2º, inciso II, e 11, ambos da Lei n. 8.137/90, na forma do art. 71 do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 1, Petição 1):

"O denunciado Edemir Marcos Pereira na época dos fatos exercia a função de sócio e administrador da empresa Pisos Catarinense Eireli, com endereço comercial na rua Grajaú, n. 76, fundos, sala A, bairro Velha, Blumenau/SC.

Na condição de sócio e administrador da referida empresa, o denunciado deliberava (e concorreu para a deliberação), entre outras questões, sobre o pagamento, supressão ou redução de tributos devidos ao Município de Blumenau/SC.

Nos períodos de abril a dezembro de 2017 o denunciado passou a praticar atos ilegais contra a fiscalização tributária, deixando de recolher o tributo ISS.

Para tanto, em cada período elencado acima, o denunciado determinou que a empresa Pisos Catarinense Eireli deixasse de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS relativo às operações/prestações tributáveis, as quais foram apuradas pelo próprio contribuinte através da emissão de Notas Fiscais de Serviço Eletrônicas - NFS-e.

O valor do tributo não recolhido, foi cobrado do tomador do serviço e/ou comerciante que ao realizar o pagamento acabou por recolher, também, o imposto embutido que estava na precificação realizada pela empresa/contribuinte.

Assim, o valor do imposto reconhecido como devido, contudo, quando do vencimento, não foi recolhido e a importância declarada acabou por não ingressar aos cofres do Erário Municipal. Ao não recolher os valores referentes ao imposto incidente sobre operações tributáveis devidos aos cofres públicos, dentro do prazo legal, o denunciado sonegou certa monta, resultando em prejuízo aos cofres públicos e a toda coletividade. Dessa forma, o denunciado deixou de recolher aos cofres públicos a soma a seguir discriminada:

[...]

Foi assim que o denunciado, dolosamente, deixou de efetuar o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal.

Em assim sendo, agindo reiteradamente, o denunciado determinou que a empresa deixasse de recolher aos cofres públicos, em suas condutas delituosas anteriormente descritas, a importância de R$ 13.775,70 (treze mil, setecentos e setenta e cinco reais com setenta centavos) com a multa e juros, ao Fisco Municipal, recursos estes que deveriam ser aplicados em proveito de toda a sociedade blumenauense.

Nos casos em tela, a Secretaria de Gestão Financeira, com base nas Notas Fiscais Eletrônicas emitidas voluntariamente e espontaneamente pelo próprio contribuinte, constatou a ocorrência da sonegação fiscal, ante o não recolhimento dos valores de ISS informados e destacados em ditos documentos fiscais, lavrando-se, posteriormente, a notificação fiscal ou, ainda, tendo o contribuinte anuído/assinado o termo de denúncia espontânea.

Assim, não há qualquer diligência pessoal da autoridade fazendária municipal no local onde encontra-se o contribuinte segundo o cadastro municipal, pois toda a análise é realizada por meio eletrônico e automatizado pelo sistema da Fazenda Municipal, motivo pelo qual não é necessária a oitiva de auditor fiscal. O ato fiscal é materializado na notificação fiscal/termo de denúncia espontânea emitidos".

Encerrada a instrução, a magistrada a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (Evento 42):

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na denúncia e, em consequência, CONDENO o acusado EDEMIR MARCOS PEREIRA ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, a qual substituo por uma reprimenda restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade em instituição conveniada com este juízo, a ser indicada na fase da execução, à razão de 01 (uma) hora por dia de condenação, durante todo o período da pena, sem prejuízo do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido até o efetivo pagamento, por infração ao art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, por oito vezes, na forma do art. 71 do Código Penal.

Condeno o réu às custas processuais.

Deixo de fixar o valor mínimo da indenização a que alude o art. 387, IV, do CPP, uma vez que inexistem nos autos elementos neste particular. Ademais, não houve pedido expresso do Ministério Público na exordial acusatória, o que violaria os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Inexistindo qualquer motivo para a decretação da prisão preventiva, concedo à ré o direito de recorrer em liberdade (art. 387, parágrafo único, CPP), mormente por ter sido fixado o regime inicial aberto e substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em razões recursais requereu a absolvição, sustentando a atipicidade da conduta consubstanciada no princípio da insignificância e, alternativamente, na ausência de dolo de apropriação. Subsidiariamente, no tocante ao concurso de crimes, defendeu a existência de crime único ou a aplicação do aumento mínimo de 1/6 à continuidade delitiva (Evento 11 destes autos).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 16 destes autos).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, opinando pelo conhecimento e não provimento do apelo interposto (Evento 19 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Porque preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, o reclamo merece conhecimento.

1. De início, a defesa sustenta a absolvição do apelante consubstanciada na atipicidade da conduta por aplicação do princípio da insignificância, porquanto o montante auferido quando da constituição do crédito tributário, não teria ultrapassado o valor descrito na Portaria MF 72, de 23.02.2012 (R$ 20.000,00) para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, para exigibilidade do crédito tributário municipal.

Sem razão.

O princípio da insignificância, como é sabido, visa a excluir ou afastar a tipicidade da conduta.

Dessa forma, ainda que o fato se enquadre no tipo penal previsto pelo legislador, a conduta que não causa lesão ao bem jurídico impede a caracterização do tipo, pois o direito penal só deve ser chamado nos casos em que ocorrem efetivamente a lesividade, em observância aos princípios constitucionais implícitos da intervenção mínima e da fragmentariedade.

Em comentários ao tema, Fernando Capez leciona que:

"Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. [...].

Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumível ao art. 155 do Código Penal é alcançada por este princípio, algumas sim, outras não. É um princípio aplicável no plano concreto, portanto. [...]" (Curso de direito penal, parte geral: (arts. 1º a 120). 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, v. I, p. 27-28).

E, no mesmo sentido, menciona Guilherme de Souza Nucci:

"Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunal pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto de tutela penal [...]" (Manual de direito penal. 13. ed. rev. atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 186).

Segundo entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: "a) a...

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