Acórdão Nº 0903376-38.2019.8.24.0008 do Primeira Câmara Criminal, 22-10-2020

Número do processo0903376-38.2019.8.24.0008
Data22 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0903376-38.2019.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: IRINEU NARLOCH (RÉU) ADVOGADO: ALEXANDRE MACEDO TAVARES (OAB SC013637) RECORRIDO: PAULO CESAR DANIEL ZENDRON (RÉU) ADVOGADO: ALEXANDRE MACEDO TAVARES (OAB SC013637)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Irineu Narloch, Paulo César Daniel Zendron, Mário Zendron e Renato Fernandes Pinto, dando-os como incursos nas sanções do art. 2º, II, e do art. 11, "caput", ambos da Lei 8.137/1990, na forma do art. 71, "caput", do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
Os denunciados Irineu Narloch, Paulo César Daniel Zendron, Mário Zendron e Renato Fernandes Pinto na época dos fatos exerciam as funções de administradores da empresa Transville Transportes e Serviços Ltda., com endereço comercial na rua Doutor Pedro Zimmermann, n. 772, bairro Itoupava Central, Blumenau/SC.
Na condição de administradores da referida empresa, os denunciados deliberavam e concorreram para a deliberação, entre outras questões, sobre o pagamento, supressão ou redução de tributos devidos ao Estado de Santa Catarina. Nos períodos de fevereiro/2017 até dezembro/2017 os denunciados passaram a praticar atos ilegais contra a fiscalização tributária, sonegando o tributo ICMS.
Para tanto, em cada período elencado acima, os denunciados determinaram que a empresa Transville Transportes e Serviços Ltda deixasse de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do ICMS relativo às operações/prestações tributáveis, as quais foram escrituradas pelo próprio contribuinte no Livro Registro de Apuração do ICMS e declarado na Guia de Informação e Apuração de ICMS e/ou DIME (Declaração do ICMS e do Movimento Econômico), cuja cópia segue anexa nestes autos.
O valor do imposto reconhecido como devido, quando do vencimento, não foi recolhido e a importância declarada acabou por não ingressar aos cofres do Erário Estadual.
Ao não recolher os valores referentes ao imposto incidente sobre operações tributáveis devidos aos cofres públicos, dentro do prazo legal, os denunciados sonegaram certa monta, resultando em prejuízo aos Cofres Públicos e a toda coletividade. Dessa forma, os denunciados deixaram de recolher aos cofres públicos a soma a seguir discriminada:
Dívida Ativa 18001042087
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
02/2017 / R$ 32.912,49 / R$ 32.912,49 / R$ 6.582,50 / R$ 2.995,04
03/2017 / R$ 33.764,42 / R$ 33.764,42 / R$ 6.725,88 / R$ 2.805,82
04/2017 / R$ 26.113,85 / R$ 26.113,85 / R$ 5.222,77 / R$ 1.927,20

Dívida Ativa 18001313455
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
05/2017 / R$ 30.133,48 / R$ 30.133,48 / R$ 6.026,70 / R$ 1.979,77
06/2017 / R$ 28.791,34 / R$ 28.791,34 / R$ 5.758,27 / R$ 1.661,26
07/2017 / R$ 26.890,53 / R$ 26.890,53 / R$ 5.378,11 / R$ 1.336,46
08/2017 / R$ 36.584,81 / R$ 36.584,81 / R$ 7.316,96 / R$ 1.584,12
09/2017 / R$ 30.147,44 / R$ 30.147,44 / R$ 6.029,49 / R$ 1.112,44
10/2017 / R$ 36.937,51 / R$ 36.937,51 / R$ 7.387,50 / R$ 1.152,45
11/2017 / R$ 36.390,18 / R$ 36.390,18 / R$ 7.278,04 / R$ 938,87
12/2017 / R$ 31.104,88 / R$ 31.104,88 / R$ 6.220,98 / R$ 622,10
Foi assim que os denunciados, dolosamente, deixaram de efetuar o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal.
Em assim sendo, agindo reiteradamente, os denunciados determinaram que a empresa deixasse de recolher aos cofres públicos, em suas condutas delituosas anteriormente descritas, a importância de R$ 437.840,66 (quatrocentos e trinta e sete mil, oitocentos e quarenta reais com sessenta e seis centavos) com a multa e juros, ao Fisco Municipal, recursos estes que deveriam ser aplicados em proveito de toda a sociedade catarinense.
Nos casos em tela, a Secretaria de Gestão Financeira, com base nos dados extraídos do Sistema de Administração Tributária - SAT, mediante informações prestadas, voluntariamente, pelo próprio contribuinte, constata eletronicamente a ocorrência da sonegação e, automaticamente, inscreve em dívida ativa o tributo sonegado e seus acréscimos legais, nos termos do artigo 62, parágrafo único, da Lei 5.938/1981.
Assim, não há qualquer diligência pessoal da autoridade fazendária no local onde encontra-se o contribuinte, pois toda a análise é realizada por meio eletrônico e automatizado pelo sistema da Fazenda, motivo pelo qual não é necessária a oitiva de auditor fiscal. O ato fiscal é materializado na certidão de dívida ativa emitida (evento 1).
Pronunciamento impugnado: o juiz de direito Juliano Rafael Bogo rejeitou a denúncia, ante a atipicidade da conduta, com fulcro no art. 395, II, do Código de Processo Penal (evento 7 dos autos de origem).
Recurso do Ministério Público: a acusação interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou, em síntese, que o fato descrito na denúncia é típico, pois o ICMS é tributo indireto e sua carga econômica é repassada ao consumidor final, de modo que, ao sujeito passivo, incumbe o dever legal de recolher ao fisco, a tempo e modo, o referido tributo, conforme entendimento doutrinário e jurisprudência deste Tribunal de Justiça.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a decisão impugnada, determinando-se o recebimento da denúncia e o regular processamento do feito de origem (evento 10 dos autos de origem).
Contrarrazões de Irineu Narloch e Paulo César Daniel Zendron: a defesa impugnou as razões recursais, reforçando o acerto da decisão de origem, ao sustentar que o caso retrata mero inadimplemento de dívida tributária, sem qualquer conduta voltada ao desconto ou cobrança prévia a revelar apropriação ilícita do ponto de vista criminal.
Postulou a manutenção da decisão atacada (eventos 19 e 29 dos autos de origem).
Sentença: o juiz de direito Lenoar Bendini Madalena julgou extinta a punibilidade de Mário Zendron, ante o advento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, em sua modalidade abstrata, na forma do art. 107, IV, c/c art. 115, ambos do Código Penal (evento 35).
Sentença: o juiz de direito Lenoar Bendini Madalena julgou extinta a punibilidade de Renato Fernandes Pinto, ante a juntada de sua certidão de óbito, na forma do art. 107, I, do Código Penal, bem como, em relação ao juízo de retratação, manteve a decisão por seus próprios fundamentos (evento 54 dos autos de origem).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 8 destes autos)

VOTO


Do juízo de admissibilidade
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
Do mérito
A acusação logrou derruir a convicção formada pelo Juízo "a quo", o qual, prematuramente, rejeitou a denúncia ao entender pela atipicidade do fato imputado aos recorridos e subsumido ao delito descrito no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990.
Em síntese, eis o fundamento absolutório:
A denúncia imputa aos réus a prática do crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, haja vista que, na qualidade de administradores da empresa Transville Transportes e Serviços Ltda., deixaram de recolher aos cofres públicos valores devidos a título de ICMS (próprio), relativos a operações devidamente declaradas ao fisco.
Ocorre que a conduta tipificada no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 alcança apenas o responsável tributário, isto é, o sujeito passivo indireto da obrigação, que deixa de recolher o tributo descontado ou cobrado, devido por outrem...

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