Acórdão Nº 0903754-28.2018.8.24.0008 do Quinta Câmara Criminal, 06-02-2020

Número do processo0903754-28.2018.8.24.0008
Data06 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Em Sentido Estrito n. 0903754-28.2018.8.24.0008, de Blumenau

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DEIXAR DE RECOLHER, NO PRAZO LEGAL, ISS DEVIDO, EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 2.º, INC. II, DA LEI N.º 8.137/1990, NA FORMA DO ART. 71, CAPUT, DO CP). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. JUIZ SINGULAR QUE CONSIDEROU ATÍPICA A CONDUTA NARRADA NA INICIAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PLEITO PELO PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ACOLHIMENTO. CONDUTA TÍPICA QUE SE CONSUMA COM A SIMPLES OMISSÃO DO CONTRIBUINTE EM REPASSAR AOS COFRES PÚBLICOS O TRIBUTO COBRADO DO CONSUMIDOR FINAL. INADIMPLEMENTO TRIBUTÁRIO. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MERA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. INSUBSISTÊNCIA. CONDUTA QUE CARACTERIZA CRIME. RECONHECIMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM JULGAMENTO COM REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO SINGULAR CASSADA. DETERMINAÇÃO DE PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0903754-28.2018.8.24.0008, da comarca de Blumenau 1ª Vara Criminal em que é Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido Alvaro Bruch Junior.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento da ação penal. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer (Presidente) e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

Florianópolis, 6 de fevereiro de 2020.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Relatora

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Alvaro Bruch Júnior, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos artigos 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, na forma continuada (art. 71 do Código Penal), conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória:

O denunciado Álvaro Bruch Júnior na época dos fatos exercia a função de sócio e administrador da empresa UP International Assessoria Empresarial Ltda, com endereço comercial na rua Floriano Peixoto, n. 114, sala 05, bairro Centro, Blumenau/SC.

Na condição de sócio e administrador da referida empresa, o denunciado deliberava, entre outras questões, sobre o pagamento, supressão ou redução de tributos devidos ao Município de Blumenau/SC.

Nos períodos de fevereiro/2015; setembro/2015; dezembro/2015; agosto a dezembro/2016; janeiro/2017 e março a abril/2017 o denunciado passou a praticar atos ilegais contra a fiscalização tributária, deixando de recolher o tributo ISS.

Para tanto, em cada período elencado acima, o denunciado determinou que a empresa UP International Assessoria Empresarial Ltda deixasse de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS relativo às operações/prestações tributáveis, as quais foram apuradas pelo próprio contribuinte através da emissão de Notas Fiscais de Serviço Eletrônicas - NFS-e.

O valor do tributo não recolhido, foi cobrado do tomador do serviço e/ou comerciante que ao realizar o pagamento acabou por recolher, também, o imposto embutido que estava na precificação realizada pela empresa/contribuinte.

Assim, o valor do imposto reconhecido como devido, contudo, quando do vencimento, não foi recolhido e a importância declarada acabou por não ingressar aos cofres do Erário Municipal. Ao não recolher os valores referentes ao imposto incidente sobre operações tributáveis devidos aos cofres públicos, dentro do prazo legal, o denunciado sonegou certa elevada monta, resultando em) prejuízo aos cofres públicos e a toda coletividade.

Dessa forma, o denunciado deixou de recolher aos cofres públicos a soma a seguir discriminada:

[...]

Foi assim que o denunciado, dolosamente, deixou de efetuar o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal.

Em assim sendo, agindo reiteradamente, o denunciado determinou que a empresa deixasse de recolher aos cofres públicos, em suas condutas delituosas anteriormente descritas, a importância de R$ 12.392,25 (Doze mil, trezentos e noventa e dois reais com vinte e cinco centavos) com a multa e juros, ao Fisco Municipal, recursos estes que deveriam ser aplicados em proveito de toda a sociedade blumenauense.

No caso em tela, a Secretaria de Gestão Financeira, com base nas Notas Fiscais Eletrônicas emitidas pelo próprio contribuinte voluntariamente e espontaneamente, constatou a ocorrência da sonegação fiscal, ante o não recolhimento dos valores de ISS informados e destacados em ditos documentos fiscais, lavrando-se, posteriormente a notificação fiscal ou, ainda, tendo o contribuinte anuído/assinado o termo de denúncia espontânea.

Assim, não há qualquer diligência pessoal da autoridade fazendária municipal no local onde encontra-se o contribuinte segundo o cadastro municipal, pois toda a análise é realizada por meio eletrônico e automatizado pelo sistema da Fazenda Municipal, motivo pelo qual não é necessária a oitiva de auditor fiscal. O ato fiscal é materializado na notificação fiscal/termo de denúncia espontânea emitidos.

A denúncia foi rejeitada nos termos do art. 395, inc. II, do CPP, pois o MM. Juiz singular considerou que o fato narrado é atípico, estando ausente uma das condições da ação penal (fl. 38/45).

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 48/60), requerendo a reforma da decisão a fim de que a ação penal tenha seu regular processamento com o recebimento da denúncia, uma vez que a conduta é perfeitamente típica.

O recurso foi recebido e o togado singular, em juízo de retratação, se manifestou pela manutenção da decisão (fl. 61).

Foram apresentadas as contrarrazões às fls. 75/81 e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, que se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 89/92).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público contra sentença proferida pelo juízo da 1° Vara Criminal da comarca de Blumenau, que reconheceu a atipicidade da conduta e rejeitou a denúncia proposta contra Álvaro Bruch Júnior pela prática do crime previsto no artigo 2º, inc. II, da Lei n.º 8.137/1990, na forma do artigo 71, caput, do Código Penal, o que fez com fulcro no artigo 397, inciso II, do Código de Processo Penal.

Pretende o parquet a cassação do decisum, com o retorno dos autos à origem para o regular processamento da ação penal deflagrada, por entender que a conduta imputada ao réu na denúncia é típica, uma vez que "Assim como o ICMS, o ISS é indireto, de modo que a sua carga econômica recai sobre o consumidor final, razão pela qual o comerciante tem a obrigação legal de efetuar o recolhimento e repasse do imposto ao fisco." (fl. 54)

Com razão.

Salienta-se que a certeza sobre a configuração das elementares do crime é exigida apenas por ocasião da sentença. Havendo indícios suficientes para a abertura do processo e existindo uma mera possibilidade de que os fatos tenham ocorrido, a ação penal merece ter o seu prosseguimento.

A decisão que rejeitou a denúncia foi assim fundamentada (fls. 38/45):

O art. 2, II, da Lei n. 8.137/90 deve ser interpretado com as balizas do princípio da legalidade, respeitando-se os limites semânticos do texto legal. O tipo penal incrimina a conduta de quem deixa de recolher tributo descontado ou cobrado.

[...]

Quem realiza uma operação comercial sujeita ao ISS (próprio) e, por isso, torna-se sujeito passivo de obrigação tributária (contribuinte), tem o dever de recolher o valor do tributo devido aos cofres públicos. Entretanto, se não efetua o recolhimento comete infração meramente administrativa e não incorre na prática do crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, porque não se trata de tributo descontado ou cobrado de outrem, mas devido pela própria pessoa que realiza a operação, na qualidade de contribuinte, inexistindo, na espécie, a figura do responsável tributário.

O tomador do serviço não é contribuinte, no sentido jurídico-formal, mas mero contribuinte de fato. Ele (tomador) não é devedor do tributo (sujeito passivo de obrigação tributária). Por isso, nessas situações, não se pode cogitar da existência de tributo descontado ou cobrado. Consequentemente, não há que se falar no crime do art. 2º, II, da Lei n....

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