Acórdão Nº 0903924-07.2018.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 10-12-2020

Número do processo0903924-07.2018.8.24.0038
Data10 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0903924-07.2018.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: TANIA PATACHINI MAIA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Tânia Patachini Maia, dando-a como incursa nas sanções do artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por 11 (onze) vezes, na forma do artigo 71 do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 5):

"A denunciada, na condição de titular de 'TÂNIA PATACHINI MAIA ME.', CNPJ n. 11.776.404/0001-98 e Inscrição Estadual n. 25.606.857-7, estabelecida na Rua Manaus, n. 201, Sala 02, Bairro Saguaçú, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 37.562,98 (trinta e sete mil quinhentos e sessenta e dois reais e noventa e oito centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação por meio do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório) quanto aos meses de janeiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015, documentos geradores da Dívida Ativa n. 17020620718, de 20/12/2017".

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (Evento 58):

"Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Tania Patachini Maia ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2o, "c" do CP), além do pagamento de dezesseis dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1o do CP), por infração ao art. 2o, II da Lei no 8137/90, por onze vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP). Custas isentas, porque defiro a gratuidade (v. TJSC, Consulta no 2008.900074-3, da Corregedoria-Geral da Justiça, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben). Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1o, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC no 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca)".

Inconformada, a ré interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em razões recursais, postulou a absolvição consubstanciada na atipicidade da conduta por ausência de provas da contumácia delitiva e por se tratar o ilícito de mero inadimplemento fiscal. No mais, defendeu a ausência de materialidade e dolo, bem como no reconhecimento da excludente de ilicitude da inexigibilidade da conduta diversa (Evento 9 destes autos).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 14 destes autos).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 17 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passo a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Tania Patachini Maia, contra a decisão de primeira instância que a condenou à pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, a ser cumprida no regime aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída por prestação de serviços à comunidade, em razão da prática do delito tipificado no artigo 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por onze vezes).

Pois bem.

Consta da denúncia que a acusada, na condição de titular da empresa "TÂNIA PATACHINI MAIA ME.", apropriou-se ilicitamente, em prejuízo direto ao Estado de Santa Catarina, ao deixar de efetuar o recolhimento, no prazo legal, da quantia de R$ 37.562,98 (trinta e sete mil quinhentos e sessenta e dois reais e noventa e oito centavos), referente ao ICMS cobrado de consumidores, nos períodos de janeiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015".

a) De início, a absolvição é postulada pela requerente ao sustentar a atipicidade da conduta por ausência de contumácia delitiva, com arrimo no RHC 163.334 do Supremo Tribunal Federal, julgado em 08.12.2019.

Contudo, sem razão.

É de se notar que referido julgado confirmou posição que já predominava nas Cortes superiores de que a apropriação indébita de ICMS configura delito, com fixação da tese de constitucionalidade do crime em comento. Extraí-se: "O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 (Rel. Min. Roberto Barroso).

Todavia, diante da não publicação até o presente momento do inteiro teor do julgado, deixando lacunas fixadas na tese de como se caracterizaria o "devedor contumaz", o Governado do Estado de Santa Catarina, por meio do Decreto n. 434/2020, introduziu na legislação o conceito de devedor contumaz, nos seguintes termos:

"Art. 408. Será declarado devedor contumaz o contribuinte do imposto que: I - relativamente a qualquer de seus estabelecimentos neste Estado, deixar de recolher o imposto declarado, inclusive o devido por substituição tributária, relativo a 8 (oito) períodos de apuração, sucessivos ou não, nos últimos 12 (doze) meses, em valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); ou II - tiver créditos tributários inscritos em dívida ativa, relativamente à totalidade dos seus estabelecimentos neste Estado, em valor superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais)".

Contudo, embora haja lei estadual delimitando o tema, não se pode aferir se referidas classificações serão as mesmas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de adentrar em incompatibilidade de normas diante da ausência de esclarecimentos pela Suprema Corte e nulificar o julgado.

Inobstante à classificação de contumácia, manifesta-se com acerto o Promotor de Justiça ao relatar a ocorrência do crime por nove vezes, número suficiente em demonstrar o reiterado descumprimento contra à ordem tributária. Segue: "No que tange à demonstração de contumácia, cujos critérios de definição o STF ainda não estabeleceu, e não se sabe se o fará, é notório que o recorrente agiu de forma contumaz. Perceba-se que ela deixou de recolher o imposto relativo aos meses de janeiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015, infringindo o disposto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, por 11 (onze) vezes. Ou seja, temos um número de omissões suficientes para caracterizar comportamento reiterado por parte da contribuinte".

Entrementes, a acusada transparece da reiteração de condutas, conforme certidão de antecedentes criminais em Evento 2, o que leva a crer na utilização indevida de tributos fiscais em benefício diverso inerente à sua atividade empresarial, em corroborar mais uma vez a contumácia das condutas.

b) Por conseguinte, a alegada ausência de materialidade do crime contra a ordem tributária não subsiste, pois se encontra devidamente delineado nos autos, notadamente pela notícia-crime ao Ministério Público, termo de inscrição em dívida ativa, n. 17020620718 (Evento 1, Informação 3, 4/5) , dos quais se extraem a falta de recolhimento, no prazo legal, do valor do ICMS descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

Neste sentido, "a dívida ativa que materializa o crédito tributário acompanhada da declaração do ICMS e do movimento econômico (DIME) são suficientes para comprovação da materialidade do crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990". (TJSC, Apelação Criminal...

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