Acórdão Nº 0904766-77.2018.8.24.0008 do Primeira Câmara Criminal, 22-07-2021

Número do processo0904766-77.2018.8.24.0008
Data22 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0904766-77.2018.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: ANDERSON SOARES (RÉU) ADVOGADO: THIAGO BURLANI NEVES (DPE)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Anderson Soares, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, II, c/c art. 12, I, ambos da Lei 8.137/1990, na forma do art. 71, "caput", do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
O denunciado Anderson Soares na época dos fatos exercia a função de sócio e administrador da empresa Bluma Têxtil Eireli, com endereço comercial na rua Francisco Vahldieck, n. 1.999, bairro Fortaleza, Blumenau/SC.
Na condição de sócio e administrador da referida empresa, o denunciado deliberava, entre outras questões, sobre o pagamento, supressão ou redução de tributos devidos ao Estado de Santa Catarina.
Nos períodos de agosto, outubro a dezembro/2016 e janeiro a dezembro/2017 o denunciado passou a praticar atos ilegais contra a fiscalização tributária, sonegando o tributo ICMS.
Para tanto, em cada período elencado acima, o denunciado determinou que a empresa Bluma Têxtil Eireli deixasse de efetuar, total ou parcialmente, o recolhimento do ICMS relativo às operações/prestações tributáveis, as quais foram escrituradas pelo próprio contribuinte no Livro Registro de Apuração do ICMS e declarado na Guia de Informação e Apuração de ICMS e/ou DIME (Declaração do ICMS e do Movimento Econômico), cuja cópia segue anexa nestes autos.
O valor do imposto reconhecido como devido, contudo, quando do vencimento, não foi recolhido e a importância declarada acabou por não ingressar aos Cofres do Erário Estadual.
Ao não recolher os valores referentes ao imposto incidente sobre operações tributáveis devidos aos cofres públicos, dentro do prazo legal, o denunciado sonegou elevada monta, resultando em prejuízo aos Cofres Públicos e a toda coletividade.
Dessa forma, o denunciado deixou de recolher aos cofres públicos a soma a seguir discriminada:
Dívida Ativa n. 17000212622
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
10/2016 / R$ 64.227,40 / R$ 64.227,40 / R$ 12.845,48 / R$ 2.061,70
11/2016 / R$ 76.165,49 / R$ 76.165,49 / R$ 15.233,10 / R$ 1.591,86
Dívida Ativa n. 17000760328
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
12/2016 / R$ 41.077,26 / R$ 41.077,26 / R$ 8.215,45 / R$ 768,14
Dívida Ativa n. 17001034477
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
12/2016 / R$ 42.610,17 / R$ 42.610,17 / R$ 8.522,03 / R$ 3.076,45
Dívida Ativa n. 17001348064
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
01/2017 / R$ 34.309,35 / R$ 34.309,35 / R$ 6.861,87 / R$ 703,34
Dívida Ativa n. 18001039884
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
02/2017 / R$ 25.903,74 / R$ 25.903,74 / R$ 5.180,75 / R$ 2.357,24
03/2017 / R$ 51.699,26 / R$ 51.699,26 / R$ 10.339,85 / R$ 4.296,21
05/2017 / R$ 377,29 / R$ 377,29 / R$ 75,46 / R$ 24,79
10/2017 / R$ 47.399,93 / R$ 47.399,93 / R$ 9.479,99 / R$ 1.478,88
11/2017 / R$ 53.773,40 / R$ 53.773,40 / R$ 10.754,68 / R$ 1.387,35
Dívida Ativa n. 18001318090
Período / Imposto / Atualizado / Multa / Juros
04/2017 / R$ 12.017,86 / R$ 12.017,86 / R$ 2.403,57 / R$ 886,92
05/2017 / R$ 54.386,13 / R$ 54.386,13 / R$ 10.877,23 / R$ 3.573,17
06/2017 / R$ 49.743,84 / R$ 49.743,84 / R$ 9.948,77 / R$ 2.870,22
07/2017 / R$ 34.181,00 / R$ 34.181,00 / R$ 6.836,20 / R$ 1.698,80
08/2017 / R$ 36.227,34 / R$ 36.227,34 / R$ 7.245,47 / R$ 1.568,64
09/2017 / R$ 50.483,69 / R$ 50.483,69 / R$ 10.096,74 / R$ 1.862,85
12/2017 / R$ 24.062,54 / R$ 24.062,54 / R$ 4.812,51 / R$ 481,25
Foi assim que o denunciado, dolosamente, deixou de efetuar o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal.
Em assim sendo, agindo reiteradamente, o denunciado determinou que a empresa deixasse de recolher aos cofres públicos, em suas condutas delituosas anteriormente descritas, a importância de R$ 869.062,65 (oitocentos e sessenta e nove mil, sessenta e dois reais com sessenta e cinco centavos) com a multa e juros, ao Fisco Estadual, recursos estes que deveriam ser aplicados em proveito de toda a sociedade catarinense, ocasionando grave dano à coletividade.
Nos casos em tela, a Secretaria de Estado da Fazenda, com base nos dados extraídos do Sistema de Administração Tributária - SAT, mediante as informações prestadas, voluntariamente e espontaneamente, pelo próprio contribuinte, constata eletronicamente a ocorrência da sonegação e, automaticamente, inscreve em dívida ativa o tributo sonegado e seus acréscimos legais, nos termos do artigo 62, parágrafo único, da Lei n. 5.983/81.
Assim, não há qualquer diligência pessoal da autoridade fazendária no local onde encontra-se o contribuinte, pois toda a análise é realizada por meio eletrônico e automatizado pelo sistema da Fazenda, motivo pelo qual não é necessária a oitiva de auditor fiscal. O ato fiscal é materializado na certidão de dívida ativa emitida (evento 9 dos autos de origem).
Pronunciamento impugnado: o juiz de direito Juliano Rafael Bogo rejeitou a denúncia, ante a atipicidade da conduta, com fulcro no art. 395, II, do Código de Processo Penal (evento 3/PG - em 4-11-2019).
Recurso do Ministério Público: a acusação interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou, em síntese, que o fato descrito na denúncia é típico, pois o ICMS é tributo indireto e sua carga econômica é repassada ao consumidor final, de modo que, ao sujeito passivo, incumbe o dever legal de recolher ao fisco, a tempo e modo, o referido tributo, conforme entendimento doutrinário e jurisprudência deste Tribunal de Justiça.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso, para reformar a decisão impugnada, determinando-se o recebimento da denúncia e o regular processamento do feito de origem (evento 5/PG - em 11-11-2019).
Juízo de retratação: o juiz de direito Juliano Rafael Bogo manteve a decisão por seus próprios fundamentos (evento 8/PG - em 19-11-2019).
Contrarrazões de Anderson Soares: a defesa impugnou as razões recursais, reforçando o acerto da decisão de origem, ao sustentar que o caso retrata mero inadimplemento de dívida tributária, sem qualquer conduta voltada ao desconto ou cobrança prévia a revelar apropriação ilícita do ponto de vista criminal.
Postulou a manutenção da decisão atacada (evento 54/PG - em 28-6-2021).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Jorge Orofino da Luz Fontes opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, sem prejuízo da decretação da extinção da punibilidade, pelo advento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, em relação a fatos descritos na denúncia que deverão ser especificados no voto (evento 20/SG - em 5-7-2021)

VOTO


Do juízo de admissibilidade
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
Da prejudicial de mérito atinente à prescrição
Apesar da falta de manifestação defensiva, há requerimento da PGJ para análise da prescrição da pretensão punitiva do Estado, matéria que, como se sabe, é de ordem pública.
É necessário esclarecer em que consistiram as condutas típicas perpetradas pela apelante e os seus respectivos momentos consumativos.
O momento consumativo do delito teria ocorrido quando expirado o prazo para pagamento, que se dá nos dias 10 de cada mês subsequente à declaração do fato gerador. No caso, a consumação, em tese, ocorreu nas seguintes datas: 10-11-2016, 10-12-2016 (dívida ativa 17000212622), 10-1-2017 (dívida ativa 17000760328), 10-1-2017 (dívida ativa 17001034477), 10-2-2017 (dívida ativa 17001348064), 10-3-2017, 10-4-2017, 10-6-2017, 10-11-2017, 10-12-2017 (dívida ativa 18001039884), 10-5-2017, 10-6-2017, 10-7-2017, 10-8-2017, 10-9-2017, 10-10-2017, 10-1-2018 (dívida ativa 18001318090).
Esclarecido isso, a prescrição, como é cediço, "é a perda da pretensão punitiva ou da pretensão executória em face da inércia do Estado durante determinado tempo legalmente previsto" (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. v. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1017).
Ainda sobre o instituto em questão, colaciona-se:
A prescrição é a perda do direito de punir decorrente do decurso de determinado prazo sem que a ação penal tenha sido proposta por seu titular ou sem que consiga concluí-la (prescrição da pretensão punitiva), ou, ainda, a perda do direito de executar a pena por não conseguir o Estado dar início ou prosseguimento a seu cumprimento dentro do prazo legalmente estabelecido (prescrição da pretensão executória) (GONÇALVES, Victor Eduardo R.; ESTEFAM, André. Direito penal esquematizado: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 708).
De outra parte, cumpre registrar que a norma do art. 83, §§ 2º e 3º, da Lei 9.430/1996, com a redação dada pela Lei 12.382/2011, preceitua que só é possível a suspensão do feito e da pretensão punitiva estatal nos casos em que o parcelamento tenha ocorrido anteriormente ao recebimento da denúncia criminal, nos termos do entendimento desta Câmara (Recurso em Sentido Estrito 0900026-24.2019.8.24.0014, deste relator, j. 31-10-2019), circunstância não aplicável ao presente caso.
Acerca da prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato, observa-se que o preceito secundário do tipo, traz 2 anos como pena máxima, de maneira que o prazo prescricional é de 4 anos (CP, art. 109, V).
Para fins de contagem da modalidade de prescrição sob exame, considera-se o prazo entre a data da consumação de cada delito e a data do recebimento da denúncia, nos termos dos arts. 111, I, e 117, I, ambos do...

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