Acórdão Nº 0905873-32.2019.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 09-09-2021

Número do processo0905873-32.2019.8.24.0038
Data09 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0905873-32.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: DANIEL CAMILOTTI (ACUSADO) ADVOGADO: FLAVIO SCHLICKMANN (OAB SC026814) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de JOINVILLE em face de Daniel Camilotti, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, por treze vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'CARIBOR TECNOLOGIA DA BORRACHA LTDA.', CNPJ n. 83.538.215/0001-98 e Inscrição Estadual n. 25.058.174-4, estabelecida na Avenida Santos Dumont, n. 2038, Bairro Bom Retiro, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 303.789,75 (trezentos e três mil setecentos e oitenta e nove reais e setenta e cinco centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores (pactuado com base no Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense - PRODEC), locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2010 e fevereiro, junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2011, documentos integrantes da Notificação Fiscal n. 156030107123, de 12/11/2015.

É de se registrar que o débito da notificação fiscal supramencionada foi objeto de Processo Contencioso perante o Tribunal Administrativo Tributário (autos n. 1570000080367), restando integralmente confirmado, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional no período de 14/12/2015 a 13/07/2016, de acordo com decisão proferida em HC n. 81.611-8/DF, em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal de 10/12/2003.

Ainda, o débito da Dívida Ativa n. 16010722331 (Notificação Fiscal n. 156030107123) foi objeto dos Parcelamentos n. 71100249654, 71100276368 e 81100229154, os quais foram cancelados, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional nos períodos de 04/07/2017 a 19/09/2017, 19/09/2017 a 31/07/2018 e 10/09/2018 a 22/03/2019, respectivamente, conforme disciplina o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11 (evento 4/PG - em 23-8-2019).

Sentença: o juiz de direito Luís Paulo Dal Pont Lodetti julgou procedente a denúncia para:

condenar Daniel Camilotti ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de dezesseis dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por treze vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP). Custas pelo acusado (art. 804 do CPP). Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação. Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca) (evento 107/PG - em 24-6-2021).

Trânsito em julgado: foi certificado o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público (evento 121/PG - em 6-7-2021).

Recurso de apelação de Daniel Camilotti: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:

a) há nulidade processual em razão da não realização de audiência de instrução especificamente nestes autos, do que decorreu a falta da colheita do interrogatório, não sendo bastante, para contornar essa peculiaridade, a alegação de que se realizou a dita solenidade em feito distinto (autos 0906062-10.2019.8.24.0038), mas aproveitada no processo em tela, porque aquela ação penal não se encontra apensada a este feito, tampouco o objeto da denúncia lá descrita, embora trate da mesma imputação, corresponde aos mesmos fatos tratados na ação penal em tela, o que inviabilizou o adequado exercício da defesa nestes autos;

b) da mesma circunstância acima ventilada, igualmente decorre outra nulidade processual, consistente na indevida declaração de "revelia" do apelante, porque o ato instrutório que ensejaria seu interrogatório não existiu, efetivamente, nestes autos, nem sequer recebeu link da videoconferência para acessar a solenidade, muito menos houve o pregão da audiência;

c) se vencidas tais preliminares, no mérito o caso comporta absolvição, porque não houve demonstração suficiente da autoria delitiva, ao passo que a defesa fez provas da ausência de administração de fato da empresa pelo ora apelante, consistente na juntada de procuração pública em que se evidencia que o administrador Eloir Peretti exercia a administração e cuidava da questão tributária até o final de 2012, inclusive, há prova documental no sentido de que, ao tempo dos fatos da denúncia em tela (2010 e 2011), os balancetes sequer foram assinados pelo recorrente, sem olvidar, no mais, da prova testemunhal produzida pela defesa, demonstrando a tese em exame, bem como a falta de dolo imputável ao apelante, consistente na inexistência do poder de gestão quanto ao não recolhimento do ICMS, no período em que sequer residia no Brasil, pois estava morando nos Estados Unidos da América, a fim de captar novos clientes, o que perdurou até 2016;

d) se vencida a tese de ausência de autoria delitiva, é viável a absolvição do apelante pela atipicidade da conduta, já que o caso trata do não recolhimento de ICMS-próprio, que foi devidamente declarado, mas não recolhido, circunstância essa que configura mera inadimplência de dívida tributária;

e) ultrapassada a tese acima, é cabível, por fim, a absolvição face ao estado de necessidade configurado no exercício da atividade empresarial, que inviabilizou, por completo, a capacidade de a empresa recolher, a tempo e modo, o ICMS devido ao fisco, situação essa devidamente demonstrada por meio de provas documental e testemunhal produzidas pela defesa.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para declarar a nulidade do processo; subsidiariamente, reformar a sentença, nos termos da fundamentação (evento 10/SG - em 31-7-2021).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) "não houve prejuízo ao réu, ora apelante, na medida em que se utilizou prova oral emprestada dos autos n. 0906062-10.2019.8.24.0038, compartilhamento pleiteado pela própria defesa, e considerou-se para instrução do presente feito o interrogatório por ele prestado em outras ações penais, a exemplo dos autos n. 0908315-10.2015.8.24.0038, cujo alegado foi no mesmo sentido da tese defensiva abordada em resposta à acusação";

b) no mérito, não há falar em absolvição pelos motivos apresentados pela defesa, uma vez que a conduta descrita na denúncia é típica, antijurídica e culpável, consoante posição firmada pela jurisprudência pátria, sem olvidar, no mais, que o agente ocupava a condição de sócio-administrador da empresa à época dos fatos, tendo, pois, poder de deliberação a respeito da questão tributária e, por fim, não há prova cabal da alegada dificuldade financeira, a qual, ainda que tivesse sido demonstrada, não tem o condão de ensejar a absolvição, ante a configuração do tributo em tela, que exige do empresário o mero repasse ao fisco daquilo que cobrou de terceiro.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 14/SG - em 9-8-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Jorge Orofino da Luz Fontes opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 17/SG - em 12-8-2021).

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

Das questões preliminares

Contrariamente ao que foi exposto pela defesa em sede preliminar, não há falar em nulidade processual em razão da alegada ausência de audiência de instrução nestes autos, tampouco na alegada decretação indevida da "revelia" do ora recorrente.

Eis o que foi decidido pelo Togado de origem na sentença:

Rejeito a preliminar de nulidade pleiteada, já que a audiência dos autos nº 0906062-10.2019.8.24.0038 ocorreu propositalmente na mesma data daquela designada para estes autos, já que se trata de contexto fático assemelhado, tanto que a própria defesa em sua resposta escrita e ainda na própria assentada do evento 97.1, pleiteou a utilização de prova emprestada de outros procedimentos, também atinentes a mesma matéria, incluído aí o interrogatório do acusado, que inclusive foi intimado em ambos os procedimentos para a realização da audiência conjunta, mas optou pelo não comparecimento e teve decretada sua revelia.

Ora, "o desperdício de atividade probatória não é aceitável" (TJSC, AC nº 2012.072298-3, de Caçador, Rel. Des. Domingos Paludo).

Para reforçar o acerto da motivação apresentada na sentença, cumpre fazer breve retrospecto processual.

Por ocasião da resposta à acusação, a própria defesa técnica postulou o seguinte:

d) Seja deferida a utilização de Prova Emprestada, dos autos nº. 0908315-10.2015.8.24.0038, quanto ao depoimento da testemunha MARCOS ARTHUR MARTINS (anexo 9); e o depoimento da testemunha DOMINGOS RECCHIA, que deve ser importado das fls. 160 dos autos 0905835-88.2017.8.24.0038, que tramita nesta comarca;

De outra parte, também postulou a inquirição das seguintes testemunhas:

1) RODRIGO GONÇALVES SADE [...];

2) SIDNEY DE SOUZA [...];

3) FERNANDO XAVIER [...];

4) GLASIELA CONSTÂNCIO [...];

O Togado de origem designou audiência de instrução nestes autos e, acerca do pedido de compartilhamento de provas, concedeu vista ao Ministério Público.

O órgão...

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