Acórdão Nº 0905989-38.2019.8.24.0038 do Primeira Câmara Criminal, 27-05-2021

Número do processo0905989-38.2019.8.24.0038
Data27 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0905989-38.2019.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: ADRIANO EMILIO SCHMIDT (ACUSADO) ADVOGADO: LAERCIO DOALCEI HENNING (OAB SC020992) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público da comarca de JOINVILLE ofereceu denúncia em face de Adriano Emilio Schmidt, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, II, c/c art. 12, I, ambos da Lei 8.137/1990, por quatro vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
O denunciado, na condição de titular de 'SCOPUM FERRAMENTARIA E USINAGEM EIRELI', CNPJ n. 15.463.200/0001-58 e Inscrição Estadual n. 25.670.974-2, estabelecida na Rua Clodoaldo Gomes, n. 350, Galpão B, Zona Industrial Norte, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 591.674,99 (quinhentos e noventa e um mil seiscentos e setenta e quatro reais e noventa e nove centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores e ocasionando grave dano coletivo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação nas DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de maio, julho, setembro e outubro de 2017, documentos geradores da Dívida Ativa n. 18001555386, de 06/05/2018.
É de se registrar que o débito da dívida ativa supracitada foi objeto dos Parcelamentos n. 81100193206 e 91100166974, os quais foram cancelados, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional nos períodos de 21/06/2018 a 01/12/2018 e 21/03/2019 a 08/07/2019, conforme disciplina o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11. (evento 1, DENUNCIA1).
Sentença: o juiz de direito Luis Paulo Dal Pont Lodetti julgou procedente a denúncia para:
condenar Adriano Emilio Schmidt ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dez meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de dezesseis dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II c/c art. 12, I da Lei nº 8137/90, por quatro vezes, em continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP).
Custas pelo acusado (art. 804 do CPP).
Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação [prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo da pena privativa, em uma hora de tarefa por dia de condenação (art. 43, IV, nos termos do art. 46, ambos do CP)].
Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP), já que, para além da incompatibilidade da custódia com a reprimenda aplicada, "segundo o entendimento desta Corte, aquele que respondeu solto à ação penal assim deve permanecer após a condenação em primeira instância, se ausentes novos elementos que justifiquem a alteração de sua situação" (STJ, HC nº 384831/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca) (evento 59 - em 17-3-2021).
Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.
Recurso de apelação de Adriano Emilio Schmidt: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:
a) é viável decretar a absolvição do agente, porque a Constituição Federal veda a prisão por dívida e o caso retrata mero inadimplemento de dívida fiscal, além disso, houve falta de recolhimento de ICMS-próprio, não submetido ao regime de substituição tributária, de maneira que o agente não se apropriou de valores pertencentes ao fisco, tampouco houve demonstração de sua conduta dolosa;
b) "subsidiariamente, que esta E. Câmara se manifeste expressamente sobre o prequestionamento dos artigos 41 do Código de Processo Penal, artigo 5º, inciso XLV e LVII da Constituição da República, artigo 112 e 118 da Lei 5.172/1966, artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 e artigo 18, inciso I, do Código Penal, especialmente acerca da negativa de suas vigências, para fins de apresentação de eventual recurso aos Tribunais Superiores".
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, nos termos da fundamentação, sem prejuízo do prequestionamento dos dispositivos legais invocados (evento 74/PG - em 21-4-2021).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que, consoante jurisprudência consolidada no STF, no STJ e nesta Corte, há tipicidade na conduta do agente que declara a falta de recolhimento do ICMS e não o paga a tempo e modo, bastando a presença do dolo genérico, conforme presente no caso em exame.
Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 78/PG - em 26-4-2021).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Humberto Francisco Scharf Vieira opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9/SG - em 30-4-2021)

VOTO


Do juízo de admissibilidade
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Do mérito
De início, cumpre pontuar que o art. 2º, II, da Lei 8.137/1990 não padece de inconstitucionalidade em virtude do disposto no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, que veda a prisão civil por dívida.
A lição do emérito jurista Andreas Eisele é clara e demonstra a impropriedade da tese:
A prisão é uma modalidade de sanção e, como tal, configura em consequência jurídica da ocorrência do fato ilícito.
Portanto, não é classificada em face de sua configuração própria, pois é um instrumento acessório que visa conferir efetividade a uma norma (principal).
Como consequência dessa relação de acessoriedade, a natureza da sanção é dependente (e decorrente) da natureza da norma em face da qual é cominada.
Ou seja, a sanção cominada em relação a uma norma civil possui natureza civil, o mesmo ocorrendo no âmbito penal.
Tal ocorre porque, conforme afirma Bustos Ramírez, "a sanção não aparece como definidora da norma nem sequer, das demais regras jurídicas: o caráter e a natureza destas não estão dados pela pena".
Por este motivo, Decomain afirma que "não se trata de prisão civil por dívida, mas sim da criminalização do não pagamento de uma".
A distinção é relevante, pois as finalidades das sanções civil e penais são diversas, eis que, enquanto a primeira é um instrumento coercitivo de imposição do cumprimento de uma prestação (cobrança), a segunda busca efeitos preventivos e retributivos.
Álvaro Villaça alude à diferença, ao afirmar que a prisão civil "é a que se realiza no âmbito, estritamente, do Direito Privado (...), não importando, pois em condenação criminal, uma vez que é tão-somente meio legal compulsório de obter o cumprimento de determinado dever. (...) A prisão penal, portanto, decorre da aplicação de pena criminal. (...) A prisão civil, ao contrário, não apresenta o caráter de pena, mas de meio coercitivo, imposto ao cumprimento de determinada obrigação."
O mesmo entendimento expressa Pinto Ferreira, quando esclarece que "a locução constitucional prisão civil distingue-se da prisão penal, devem ser entendidas diferentemente. Aquela é um meio compulsório de execução, enquanto esta resulta de uma infração penal."
Dessa forma, como a prisão (pena privativa de liberdade) cominada como sanção correspondente ao crime de omissão de omissão de recolhimento de tributos indiretos ou devidos por agentes de retenção, possui natureza penal, não está abrangida na vedação constitucional, conforme esclarece Cretella Júnior.
Estabelecida a distinção no âmbito literal, é relevante analisar o conteúdo da norma mediante a abordagem teleológica (abstraída do contexto histórico de sua elaboração no momento estático, e aferida sistematicamente em face do ordenamento constitucional decorrente daquele contexto), para demonstrar a compatibilidade entre a criminalização referida e a vedação constitucional.
A origem histórica da norma veiculada pelo art. 5º, LXVII, da CF, é a norma transmitida pelo texto do art. 7, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como o "Pacto de San José da Costa Rica", que possui a seguinte redação: "ninguém deve ser detido por dívidas".
Embora o dispositivo, pela sua laconicidade, possa permitir a conclusão de que estaria a abranger todo o tipo de dívidas, a ressalva expressamente contida no texto, referente ao inadimplemento de obrigação alimentícia, indica a natureza da ilicitude à qual se refere a vedação.
Porém, essa conclusão teleológica não decorre apenas da mencionada ressalva, mas do fundamento histórico da referida Convenção, que é o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e...

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