Acórdão Nº 0906025-80.2019.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 04-11-2021

Número do processo0906025-80.2019.8.24.0038
Data04 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0906025-80.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: NORBERTO BAESSO HILARIO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Norberto Baesso Hilário, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por duas vezes, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 4):

"O denunciado, na condição de titular de 'KOPSCH CONFECÇÕES EIRELI EPP', CNPJ n. 02.554.179/0001-54 e Inscrição Estadual n. 25.438.953-8, estabelecida na Rua Xaxim, n. 620, Bairro Iririú, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 67.157,59 (sessenta e sete mil cento e cinquenta e sete reais e cinquenta e nove centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores em prejuízo do estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de junho e julho de 2014, documentos integrantes da Notificação Fiscal n. 146030105867, de 17/09/2014.1

É de se registrar que o débito da Dívida Ativa n. 15000056381 (Notificação Fiscal n. 146030105867) foi objeto dos Parcelamentos n. 51100065281 e 81100157943, os quais foram cancelados por inadimplemento, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional nos períodos de 26/02/2015 a 07/03/2018 e 21/03/2018 a 05/07/2019, respectivamente, tudo conforme disciplina o §2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11".

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (Evento 107):

"Em face do que foi dito, julgo procedente a denúncia para condenar NORBERTO BAESSO HILARIO ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 7 (sete) meses de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de 11 (onze) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do CP).

Custas pelo acusado (art. 804 do CPP).

Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação.

Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP)".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em suas razões recursais, pugnou pela sua absolvição ao defender a ausência de prova e a atipicidade da conduta por entender que o delito em questão não estaria descrito no tipo penal evidenciando-se, tão somente, mera inadimplência fiscal por falta de condições financeiras, o que revelaria a excludentes de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) e inexistência de dolo (Evento 12 destes autos).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 17 destes autos).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 20 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recursos e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passo a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Norberto Baesso Hilário, contra a decisão de primeira instância que os condenou à pena privativa de liberdade de 7 (sete) meses de detenção, no regime aberto, e 11 (onze) dias-multa, cada qual o valor mínimo legal, pela prática do delito tipificado no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por 02 vezes).

Dito isso, consta da denúncia que o acusado, na condição de titular da empresa KOPSCH CONFECÇÕES EIRELI EPP, apropriou-se ilicitamente, em prejuízo direto ao Estado de Santa Catarina, ao deixar de efetuar o recolhimento, no prazo legal, da quantia de R$ 67.157,59 (sessenta e sete mil cento e cinquenta e sete reais e cinquenta e nove centavos), referente ao ICMS cobrado de consumidores, nos períodos de "junho e julho de 2014".

Com efeito, a ocorrência da materialidade do crime contra a ordem tributária encontra-se delineada nos autos, notadamente através da representação ao Ministério Público n. 1560000001451, Notificação Fiscal n. 146030105867 e dos DIMEs (Evento 1, Informação 3/4, 5, 6/13 - autos originários) demonstrando a ocorrência do crime tributário.

No que tange à autoria não restam dúvidas, posto que ficaram devidamente comprovadas através do vasto conjunto probatório analisado pelo magistrado singular, ocasionando na condenação de Norberto na sentença de Evento 107.

A absolvição é discutida pelo apelante ao sustentar a insuficiência probatória para a formação do édito condenatório, atipicidade da conduta e ausência de dolo.

Contudo, entendo que tais premissas não devem prosperar haja vista que os elementos de prova demonstraram que sua real intenção foi a de infringir o artigo de lei em comento.

Determina o artigo 2º, da Lei n. 8.137/90:

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: [...]

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

[...]"

Acerca do tipo penal do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 e da distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária, leciona Alecio Adão Lovatto:

"O inciso é fundamental na distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária. Se todas as elementares do inciso estiverem presentes, há crime contra a ordem tributária, mas, se nem todas estiverem presentes, o deixar de recolher o tributo caracteriza-se como simples inadimplemento, restrita ao campo tributário. Deflui, pois, como de enorme importância, a destinação. O verbo nuclear é deixar de recolher. O agente tem a obrigação de recolher e se omite, não efetua o pagamento daquilo que deveria recolher aos cofres públicos. Há a obrigação de agir, expressa pelo verbo recolher, e, apelas dela, o contribuinte omite-se (deixar). O delito é omissivo, diversamente do que ocorre com o crime de apropriação indébita, em que se exige o animus rem sibi habendi, por meio da ação de apropriar-se. Mas, se não exige o dolo correspondente à apropriação indébita, convém, desde logo, ressaltar a presença da elementar cobrado ou descontado, em que se situa a reprovabilidade. Isto se diz para ser evitada a interpretação equivocada que se centraliza na omissão, olvidando a necessidade das demais elementares para caracterizar o delito". (Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. 3.Ed. Rev. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pgs. 124 e 125).

No mesmo sentido, leciona Pedro Roberto Decomain:

"O puro e simples não recolhimento do ICMS pelo contribuinte configura crime previsto pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90? [...] Numa primeira abordagem, de cunho eminentemente econômico, deixando de parte discussões doutrinárias sobre os tributos conhecidos como diretos e indiretos, e levando em conta apenas o aspecto econômico a partir do qual são conceituadas essas espécies, ou seja, atendendo-se ao fato de que existem tributos cujo ônus é imediatamente repassado pelo contribuinte a terceiro, em contrapartida a outros em que tal não ocorre, e sabendo-se que o ICMS inclui-se na categoria dos indiretos, ou seja, daqueles cujo montante é cobrado pelo contribuinte ao adquirente dos produtos tributados, encontrando-se a incidência tributária previamente embutida no próprio preço da mercadoria vendida, conclui-se que o não recolhimento do ICMS no prazo previsto pela legislação implica a ocorrência desse crime. O contribuinte efetivamente repassou ao adquirente da mercadoria tributada o ônus representado pelo ICMS. Cobrou-o, portanto, a terceiro, devendo recolher aos cofres públicos o montante assim apurado. Se não o faz, comete o crime examinado" (Crimes contra a ordem tributária. 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 431-432 - g.n.).

In casu, a qualidade de empresário à época dos fatos é inconteste, diante da comprovada responsabilidade do apelante como sócio-administrador da empresa Kopsch Confecções Eirelli EPP, conforme 10º Alteração Contratual - Consolidada e Transformação em Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Evento 1, Informação 79/90); decorrendo-lhe, portanto, na obrigação de fiscalizar e atuar nos ditames da legislação fiscal e em obediência aos preceitos intitulados no art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional e do art. 11 da Lei n. 8.137/90.

Neste sentido, preceitua a doutrina que:

"O sujeito que consta como administrador no contrato social da empresa à época da conduta (tempo do crime, art. 4.º do CP) praticada por intermédio desta, presume-se autor do delito, ao menos na modalidade intelectual, devendo provar o contrário, caso impute a iniciativa anímica da conduta de terceiro (por exemplo, um funcionário) invertendo, assim, o ônus da prova devido à alegação de circunstância fática nova nos autos (art. 156 CPP), divergente das circunstâncias constantes na documentação constitutiva da pessoa jurídica". (EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 221) "[...] o fato de o proprietário ser administrador da empresa é indicativo fundamental para sua responsabilização penal na administração da empresa, pois, normalmente, tem ele o domínio do fato sob as mais variadas formas: da ação, como autor da vontade, como...

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