Acórdão Nº 0910441-67.2014.8.24.0038 do Sétima Câmara de Direito Civil, 28-04-2022

Número do processo0910441-67.2014.8.24.0038
Data28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0910441-67.2014.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

APELANTE: ALLIANZ SEGUROS S/A ADVOGADO: NICOLE DE BARROS MOREIRA REIS (OAB SP274458) ADVOGADO: GABRIEL KUKULKA FIGUINHA (OAB SP358723) ADVOGADO: CASSIO GAMA AMARAL (OAB SP324673) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública em face de Allianz Seguro S/A.

O órgão ministerial ajuizou argumentou que instaurou Inquérito Civil Público SIG/MP n. 06.2014.00005315-2, em virtude de reclamação noticiada pela empresa Olegário Soluções Automobilísticas Ltda., dando conta sobre práticas abusivas cometidas pela ré, relacionadas à recusa de autorização para reparo de veículo em oficina não crendenciada.

Asseverou que o veículo segurado foi atingido por uma pedra e, por esse motivo, teve seu para-brisa danificado. Em razão do fato, o motorista procurou oficina não credenciada para o reparo, mas foi surpreendida com a negativa de reembolso, sob a alegação de que o conserto deveria ser realizado apenas por oficina credenciada pela Allianz, não cabendo tal escolha ao consumidor.

Diante de tais circunstâncias, o órgão ministerial teria oportunizado a pactuação de termo de ajustamento de conduta, o que foi recusado pela empresa. Assim, o Ministério Público de Santa Catarina ajuizou a presente demanda, objetivando, liminarmente, a abstenção imediata de a empresa impor aos segurados, que seus veículos sejam reparados exclusivamente por oficinas credenciadas. No mérito, pediu para que a empresa fosse condenada a permitir que a realização de reparos em veículos automotores ocorra em oficinas não credenciadas, bem como a informar o segurado, no ato da contratação e no Manual do Segurado, sobre o seu direito de escolher a oficina reparadora de sua confiança.

Allianz Seguros S/A apresentou resposta, evento 8, argumentando a ilegitimidade ativa do Ministério Público, tendo em vista a inexistência de direito coletivo no presente caso. Ainda, aduziu a falta de interesse de agir, visto que não se furtou a dar cumprimento ao disposto no art. 14 da Circular Susep n. 269/2004, que descreve sobre os contratos de seguro.

No mais, argumentou que o serviço de troca de para-brisas não está abarcado pela cobertura securitária, visto que está indicado no rol de serviços agregados, motivo por que consta expressamente no manual do usuário o afastamento da possibilidade de reembolso de valores na hipótese de utilização de mecânica não credenciada.

Por último, asseverou que eventual condenação implicará afronta aos princípios da isonomia, livre iniciativa e concorrência, e ocasionará evidentes danos à seguradora.

Assim, pediu pela improcedência dos pedidos iniciais.

O órgão ministerial apresentou réplica, evento 170.

Sobreveio sentença, evento 24, que julgou procedentes os pedidos iniciais, consoante parte dispositiva que segue, in verbis:

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado nesta AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTA- DO DE SANTA CATARINA contra ALLIANZ SEGUROS S/A, proibindo a ré de objetar ou, quando menos, criar embaraço à reparação, por oficinas não credenciadas, de veículos por ela segurados, seja em relação à cobertura securitária, seja em relação aos chamados "serviços de assistência", sob pena de in- correr em multa no importe de R$ 1.500,00, a incidir sempre que isso restar com- provado.

Arcará a ré com o pagamento das despesas processuais, estando isenta da obrigação de implementar honorários advocatícios (LACP, art. 18).

Indefiro a tutela de urgência requerida por não vislumbrar perigo de dano que impeça aguardar-se o trânsito em julgado desta sentença."

Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação, evento 35, argumentando, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do órgão ministerial. Ainda, antes de ingressar no mérito, asseverou a ausência de interesse de agir, pois a seguradora proporciona, no âmbito do contrato de seguro, a livre escolha de oficinas para o reparo de veículos sinistrados, em consonância ao que preleciona a Circular da Susep n. 269/2004. Desse modo, requer a extinção do feito em julgamento do mérito.

No mais, argumenta que o serviço de reparo ou reposição de vidros tratado no feito não configura hipótese de cobertura securitária, na medida em que está prevista no âmbito da assistência, que não está sujeita às mesmas regras aplicáveis ao seguro. Destarte, aduz que não efetuou prática abusiva em relação aos consumidores ou se esquivou do seu dever de informação, visto que a atividade está expressamente prevista em separado no manual do usuário da Allianz.

Em arremate, afirma que a manutenção da decisão ocasionará danos irreparáveis à seguradora e que eventual condenação merece ser restrita à situação narrada no feito.

Assim, pediu pela reforma do julgado.

Contrarrazões, evento 52.

A Procuradoria-Geral de Justiça apresentou manifestação, evento 41, pelo conhecimento e parcial provimento do apelo.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

1. PRELIMINARMENTE

1.1. ILEGITIMIDADE ATIVA

Inicialmente, a apelante sustenta a ilegitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da presente ação, argumentando a inexistência de interesse difuso, individual homogêneo ou coletivo na situação em deslinde.

Sem razão, contudo.

Sobre o tem a da legitimidade do órgão, dispõe a Carta Magna:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Nessa toada, é cediço que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação visando à defesa coletiva de direitos individuais homogêneos disponíveis, desde que haja relevância social na causa, no que se enquadram as relações de consumo, como se vislumbra:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS (DIFUSOS E COLETIVOS) E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISTINÇÕES. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 127 E 129, III, DA CF. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS DE DIMENSÃO AMPLIADA. COMPROMETIMENTO DE INTERESSES SOCIAIS QUALIFICADOS. SEGURO DPVAT. AFIRMAÇÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA. [...] 4. O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender "interesses sociais". Não se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX). Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela...

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