Acórdão nº 1000154-13.2022.8.11.0110 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Terceira Câmara Criminal, 01-02-2023

Data de Julgamento01 Fevereiro 2023
Case OutcomeProvimento em Parte
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Data de publicação10 Fevereiro 2023
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
Número do processo1000154-13.2022.8.11.0110
AssuntoReceptação

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1000154-13.2022.8.11.0110
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Receptação]
Relator: Des(a).
LUIZ FERREIRA DA SILVA


Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). RONDON BASSIL DOWER FILHO]

Parte(s):
[RONAN DE SOUZA MOURA - CPF: 021.678.941-98 (APELANTE), RAYLINE SOUSA LACERDA RODRIGUES - CPF: 033.858.371-89 (ADVOGADO), NEY RICARDO FEITOSA DE PAULA - CPF: 632.354.631-00 (ADVOGADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (REPRESENTANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), MARCIO DA SILVA MACIEL - CPF: 040.631.321-02 (ASSISTENTE), ADIMILSON GONCALVES DOS SANTOS - CPF: 701.339.391-62 (ASSISTENTE), LUCAS GOMES DA SILVA - CPF: 060.859.341-90 (ASSISTENTE), LEANDRO LOPES DA SILVA - CPF: 015.776.255-60 (VÍTIMA), SUELEM BATISTA PEREIRA - CPF: 059.522.581-07 (VÍTIMA), LEANDRO PETRY - CPF: 031.467.469-13 (ASSISTENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO.

EMENTA

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE RECEPTAÇÃO (ART. 180, CAPUT, DO CP) – 1. PRELIMINAR DE NULIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA – INDEFERIMENTO DE PERÍCIA PARA DETERINAR VALOR DO BEM RECEPTADO – NÃO OCORRÊNCIA DE NULIDADE – TELEFONE CELULAR – BEM FUNGÍVEL CUJO VALOR É DE SIMPLES AFERIÇÃO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – NULIDADE AFASTADA – 2. MÉRITO - PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA OU DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA A MODALIDADE CULPOSA – INVIABILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – VERSÃO INVEROSSÍMIL APRESENTADA – RES ENCONTRADA NA POSSE DO APELANTE – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – NÃO COMPROVAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO OBJETO – CONDENAÇÃO MANTIDA – 3. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – CONDUTA ALTAMENTE REPROVÁVEL – VALOR RELEVANTE DO BEM – REINCIDÊNCIA DO AGENTE – 4. DOSIMETRIA – APLICAÇÃO DE DUAS CONDENAÇÕES COM TRÂNSITO EM JULGADO PARA NEGATIVAR ANTECEDENTES E RECONHECER A REINCIDÊNCIA – AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM – PRECEDENTES – 5. ROGO POR RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – VIABILIDADE – CONFISSÃO QUALIFICADA QUE FOI USADA PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO – 6. ROGO POR MODIFICAÇÃO DO REGIME INICIAL – IMPOSSIBILIDADE – REINCIDÊNCIA – REGIME SEMIABERTO MANTIDO – 7. PRETENDIDA A SUBSTITUIÇÃO DA PENA – MEDIDA DESACONSELHÁVEL EM VIRTUDE DOS MAUS ANTECEDENTES E DA REINCIDÊNCIA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER.

1. A aferição do valor econômico de um aparelho de telefonia celular, bem fungível comercializado em larga escala, não demanda a realização de perícia técnica elaborada, não configurando nulidade a sua realização por perito ad hoc.

2. A apreensão da res em poder do agente faz presumir a autoria e gera a inversão do ônus da prova, cabendo-lhe a demonstração de que o adquiriu de forma lícita, o que não foi feito pelo apelante.

3. A aplicação do princípio da insignificância exige o preenchimento dos seguintes requisitos: ofensividade mínima da conduta; inexistência de periculosidade social do ato; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada. No caso, a conduta reveste-se de ofensividade penal e periculosidade social, revelando-se altamente reprovável, uma vez que o bem, avaliado em R$ 1.100,00 (mil e cem reais), tem valor relevante, sem perder de vista que o recorrente é reincidente e apresenta maus antecedentes.

4. Constando da folha de antecedentes do acusado, duas condenações penais transitadas em julgado por crimes anteriores ao dos autos, pode uma delas ser utilizada na segunda fase, para fins de reincidência, e a outra na primeira fase, a título de maus antecedentes, a justificar o acréscimo na pena-base, em patamar que atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, sem que ocorra bis in idem.
5. A confissão, ainda que incompleta ou qualificada, pode ser reconhecida, desde que utilizada para a formação do convencimento do julgador, conforme o Enunciado 545 do Superior Tribunal de Justiça.

6. Mostra-se correto o estabelecimento de regime inicial semiaberto ao condenado reincidente e de maus antecedentes condenado à pena superior a um ano de reclusão.

7. Tem-se por desaconselhável, nos termos do artigo 44, II e III do Código Penal, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em caso de apenado reincidente e de maus antecedentes.

8. Recurso parcialmente provido, em consonância com o parecer.




RELATÓRIO

EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por RONAN DE SOUZA MOURA, visando reformar a sentença proferida nos autos pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Campinápolis que o condenou à pena privativa de liberdade de 01 (um) e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 12 (doze) dias-multa, pela prática do delito previsto no Art. 180, caput, do Código Penal.

Inconformada, em suas razões recursais a defesa formula preliminar apontando a nulidade do feito diante do cerceamento de defesa, visto que foi indeferido o rogo por produção de perícia tendente à comprovação do valor do bem receptado.

No mérito, pretende a absolvição, seja pela ausência de provas, tanto do crime de furto antecedente quanto do crime de receptação, seja pela incidência do princípio da bagatela. Em viés subsidiário, almeja a desclassificação do crime para a forma culposa.

Em reação à dosimetria, almeja a aplicação da atenuante da confissão, apontando, outrossim, a ocorrência de bis in idem na consideração da reincidência tanto na primeira quanto na segunda fase dosimétrica.

Por fim, verbera a seleção do regime inicial semiaberto, bem como pretende a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo parcial provimento do Recurso de Apelação interposto, aplicando-se a atenuante da confissão espontânea.

O parecer, da lavra do douto Procurador de Justiça, Dr. Alexandre de Matos Guedes, é pelo desprovimento do recurso, apenas para que se faça incidir a atenuante da confissão, in verbis:

APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE RECEPTAÇÃO DOLOSA – TESES DEFENSIVAS: 1. PRELIMINAR QUE SUSCITA CERCEAMENTO DE DEFESA – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA – - NULIDADE NÃO EVIDENCIADA - O objeto receptado (01 Smartphone Samsung A11, Cor Preta, 64gb de Memória), por se tratar de produto de natureza comum, não exige qualquer especialidade para ser valorado, de modo que, para isso, basta uma simples pesquisa de preço do modelo de aparelho telefônico e teremos o quanto ele efetivamente vale. É acertada a conclusão de que a avaliação realizada no curso das investigações, lavrada por policiais civis, é suficiente para a apuração do valor do objeto do crime. 2. PRELIMINAR QUE INVOCA O RECONHECIMENTO E A APLICAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – POSSIBILIDADE - O acusado, em interrogatório perante a autoridade judiciária, apesar de negar a prática do crime, admite que adquiriu o aparelho de telefone celular de um indígena. Assim, apesar de o juízo não ter utilizado a confissão parcial como principal fundamento para a condenação, ao demonstrar o seu convencimento, relacionou e ponderou a atitude do acusado junto com as circunstâncias do caso trazidas pelos depoimentos da vítima e do policial militar ouvido na instrução. A atenuante da confissão, embora parcial, deve ser ponderada na segunda fase da dosimetria da pena, seguindo a linha de jurisprudência pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, externada pelo Enunciado 545 da Súmula da Corte Superior (“Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal”). 3. PRELIMINAR QUE SUSCITA O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE - No caso, o acusado não ostenta condições adequadas ao reconhecimento do requisito subjetivo, pois, ao que consta da folha de antecedentes criminais, possui extenso envolvimento com atividades delitivas, registrando, inclusive, condenações anteriores, que, de acordo com inúmeras decisões desse E. Tribunal de Justiça, impedem o reconhecimento da benesse, em respeito, inclusive, ao que dispõe o Enunciado Criminal n° 44/TJMT (“A reiteração delitiva ou a presença de qualificadoras inviabilizam a aplicação do princípio da insignificância”). 4. ALEGAÇÃO MERITÓRIA QUE VISA A ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO POR AUSÊNCIA DE PROVAS DO CRIME ANTECEDENTE – INVIABILIDADE - Ao contrário do que alega a defesa, há prova o bastante a demonstrar a ocorrência do crime de furto precedente à aquisição do aparelho de telefone celular pelo acusado, conforme revelam o Boletim de Ocorrência Policial e as declarações da vítima, que detalhou a ocorrência da subtração e a apreensão do objeto na posse do acusado. 5. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA DO CRIME DE RECEPTAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE - O contexto em que se deu a aquisição do aparelho telefônico, conforme informou o próprio acusado, revela que tinha pleno conhecimento da origem ilícita do produto. Essa conclusão, aliás, é feita porque evidenciado que o aparelho de telefone celular foi adquirido de pessoa desconhecida e suspeita, por preço absolutamente inferior ao regularmente vendido, sem os acessórios básicos e sem a respectiva nota fiscal. 6. DOSIMETRIA DA PENA – ELEVAÇÃO DA PENA-BASE E DA PENA PROVISÓRIA -...

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