Acórdão nº 1000308-30.2020.8.11.0036 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Terceira Câmara Criminal, 18-12-2023

Data de Julgamento18 Dezembro 2023
Case OutcomeProvimento em Parte
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Número do processo1000308-30.2020.8.11.0036
AssuntoCrimes Previstos no Estatuto da criança e do adolescente

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1000308-30.2020.8.11.0036
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Crimes Previstos no Estatuto da criança e do adolescente]
Relator: Des(a).
LUIZ FERREIRA DA SILVA


Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). RONDON BASSIL DOWER FILHO]

Parte(s):
[ONEI PAULO KUNERT - CPF: 866.431.421-72 (APELANTE), DANIEL DIAS PIO - CPF: 057.490.531-64 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), N. D. D. D. N. V. (APELADO), L. M. D. (APELADO), LUCINAI PEREIRA DE MORAES - CPF: 719.313.411-68 (ASSISTENTE), L. M. D. - CPF: 052.096.901-48 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]


A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO.


E M E N T A

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA CRIANÇA. CONDENAÇÃO. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. 1. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO APELANTE. ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVAS APTAS A COMPROVAR A PRÁTICA DOS ILÍCITOS DESCRITOS NA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. INCONSISTÊNCIA. PROVAS ROBUSTAS CONSUBSTANCIADAS NAS FIRMES E COERENTES DECLARAÇÕES DA VÍTIMA QUE RELATOU OS ATOS CRIMINOSOS PERPETRADOS PELO APELANTE. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE CORROBORAM A VERSÃO APRESENTADA PELA OFENDIDA. CONJUNTO PROBATÓRIO SEGURO E INSOFISMÁVEL. 2. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. IMPOSSIBILIDADE. VÍTIMA QUE APRESENTA DANOS PSICOLÓGICOS QUE EXTRAVASAM À NORMALIDADE INERENTE AO TIPO PENAL 3. ALMEJADA A READEQUAÇÃO DA FRAÇÃO DE EXASPERAÇÃO DA PENA BASILAR. POSSIBILIDADE. REDUÇÃO DA PENA EM RAZÃO DA PROPORCIONALIDADE. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Não se pode falar em absolvição do apelante sob o argumento de fragilidade probatória, porquanto, no caso destes autos, tal alegação não traduz a realidade dos fatos, haja vista que a prática criminosa ficou comprovada pelas firmes e coerentes declarações judiciais da vítima e corroboradas pelos demais elementos produzidos na instrução processual.

2.É inviável a redução da pena basilar eis que presente fator objetivo do crime capaz de justificar o aumento realizado pelo sentenciante, como é o caso das consequências dos crimes aferidas desfavoravelmente ao apelante, em razão dos traumas psicológicos sofridos pela vítima.

3.Diante do silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram dois critérios de incremento da pena-base, por cada circunstância judicial valorada negativamente, sendo o primeiro de 1/6 (um sexto) da mínima estipulada e outro de 1/8 (um oitavo) a incidir sobre o intervalo das penas previstas no preceito secundário do tipo penal incriminador. No caso, o magistrado adotou quantum exacerbado, motivo pelo qual necessário o redimensionamento da pena inicial.

4.Recurso parcialmente provido.


R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA:

Ilustres componentes da Terceira Câmara Criminal:

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Onei Paulo Kunert, contra a sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Guiratinga/MT, nos autos da Ação Penal n. 1000308-30.2020.8.11.0036, condenando-o à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 32 (trinta e dois) dias-multa, pela prática dos crimes previstos no art. 241-B, caput e no art. 241-D, caput, da Lei n. 8.069/90.

O apelante, nas razões recursais que estão no ID 165712682, postula sua absolvição, por inexistência de provas suficientes para a condenação, conforme preconiza o art. 386, VII, do Código de Processo Penal, asseverando que “o laudo pericial não comprovara que o aparelho telefônico e número de telefone eram de propriedade” dele ou “que estavam sendo utilizados” por ele. E, subsidiariamente, em caso de manutenção da condenação, que sejam consideradas favoráveis todas as circunstâncias judiciais da primeira fase da dosimetria e a fixação, em relação aos dois delitos, das penas basilares no mínimo legal; bem como a aplicação do regime aberto para o cumprimento da pena.

O Ministério Público, nas contrarrazões que se encontram no ID 165712685, colima o desprovimento do presente recurso.

Nesta instância revisora, a Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do parecer que está no ID 171401654, manifesta-se pelo parcial provimento deste recurso, para que as penas iniciais dos delitos dispostos no art. 241-B, caput e no art. 241-D, caput, da Lei n. 8.069/90 seja diminuída para 1 (um) ano, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão.

É o relatório. À revisão.


V O T O R E L A T O R


A denúncia, constante no ID 165711716, narra os fatos desta forma:

“[...] porque entre os meses de dezembro de 2017 a julho de 2018, em Guiratinga/MT, com consciência e vontade, por mensagens eletrônicas encaminhadas via aplicativo Whatsapp, aliciou e instigou, a vítima L. M. D., de 11 (onze) anos de idade, com o fim de com ela praticar ato libidinoso, e, com consciência e vontade, por mensagens eletrônicas encaminhadas via aplicativo Whatsapp, adquiriu fotografias de cena de sexo explícito envolvendo a criança L.M.D. de onze anos de idade, conforme B.O n° 2018.231159 PJC/MT de fls. 04, Anexo Fotográfico das mensagens de fls. 5/24, Laudo Pericial de fls. 54/64, declarações vitimárias de fls. 31 e testemunhais de fls. 32.

Consta dos autos que, nos meses de dezembro de 2017 a julho de 2018, o denunciado conversou com a criança L. M. D., a qual contava, na época dos fatos, com onze anos de idade (D.N 5/9/2006), pelo aplicativo Whatsapp.

No período citado, o denunciado encaminhou inúmeras mensagens eletrônicas para a vítima, cujo conteúdo das conversas era totalmente de cunho sexual.

O denunciado perguntou a idade da vítima e ela respondeu que possuía onze anos de idade. O denunciado disse a vítima que era casado e revelou sua idade, trinta e oito anos.

O denunciado pediu para a vítima mandar fotos dela despida para ele. O denunciado recebeu fotos da vítima mostrando os seios e outras partes íntimas e enviou para ela uma foto do seu órgão genital ereto. O denunciado disse, após receber a foto da vítima mostrando os seios, que queria chupá-la e que ela era gostosa.

O denunciado encaminhou mensagens para a vítima pedindo para se encontrar com ela para que mantivessem relação sexual.

A genitora da vítima percebeu alterações no comportamento da filha e decidiu olhar o aparelho celular da vítima quando percebeu que a criança conversava com um homem adulto e ao ler as mensagens procurou imediatamente a delegacia de polícia para registrar o boletim de ocorrência.

Interrogado, o denunciado exerceu o seu direito constitucional e permaneceu em silêncio.

O Ministério Público denuncia Onei Paulo Kunert como incurso nas penas do art. 69 do CP, arts. 241-D, caput, e 241-B da Lei n° 8069/90 (ECA). [...]” Destaques no original

Como acima relatado, o apelante postula sua absolvição, por inexistência de provas suficientes para a condenação, conforme preconiza o art. 386, VII, do Código de Processo Penal, asseverando que “o laudo pericial não comprovara que o aparelho telefônico e número de telefone eram de propriedade” dele ou “que estavam sendo utilizados” por ele.

Para melhor intelecção dos fatos em apuração, impõe-se a reprodução do texto dos dispositivos legais utilizados pelo sentenciante para condenar o apelante:

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Acerca do assunto, Guilherme de Souza Nucci faz um estudo detalhado do tipo penal – art. 241-D do ECA –, não deixando qualquer dúvida ao asseverar que:

“[...] Análise do núcleo do tipo: aliciar (seduzir, atrair), assediar (perseguir, importunar), instigar (incentivar, fomentar) e constranger (incomodar, obrigar pela força) são as condutas componentes de tipo misto alternativo, cujo objeto é a criança. A finalidade do cerco empreendido pelo agente é a prática de ato libidinoso (envolvimento lascivo, apto a gerar prazer sexual). O tipo incriminador é inédito e corretamente inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei 11.829/2008. Volta-se, primordialmente, ao agente que sê comunica, via Internet (embora a lei mencione qualquer meio de comunicação), por intermédio de salas de bate-papo, sites, mensagens eletrônicas, dentre outros instrumentos, com crianças, buscando atraí-las para a mantença de relacionamento sexual. Lembremos que outros atos, cuidando do mero registro de imagens pornográficas, provocara configuração de delitos diversos. No caso da figura do art. 241-D, preocupou-se o legislador com o sujeito que percorre diversificados meios de comunicação, mas basicamente a Internet, para encontrar crianças disponíveis ao sexo. E, atualmente, as crianças já possuem acesso facilitado à rede mundial de computadores. São os agentes denominados pedófilos. Note-se que não se exige o efetivo envolvimento sexual, pois, se tal ocorrer, configura-se estupro de vulnerável (art. 217-A, CP). Vale destacar que o tipo penal é essencialmente preventivo: punindo-se o pedófilo em atividade de captação do menor, evita-se o mal maior, que é, justamente, a ocorrência da...

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