Acórdão nº 1000337-86.2019.8.11.0110 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Quarta Câmara de Direito Privado, 03-02-2021

Data de Julgamento03 Fevereiro 2021
Case OutcomeNão-Provimento
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Privado
Data de publicação08 Fevereiro 2021
Classe processualCível - APELAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO
Número do processo1000337-86.2019.8.11.0110
AssuntoIndenização por Dano Moral

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO


Número Único: 1000337-86.2019.8.11.0110
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral]
Relator: Des(a).
GUIOMAR TEODORO BORGES


Turma Julgadora: [DES(A). GUIOMAR TEODORO BORGES, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES]

Parte(s):
[BANCO BRADESCO S.A. - CNPJ: 60.746.948/0001-12 (APELANTE), NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - CPF: 668.018.009-06 (ADVOGADO), PESIPRU XAVANTE - CPF: 985.388.101-20 (APELADO), DOUGLAS CRISTIANO SAMPAIO PURETZ - CPF: 021.658.651-82 (ADVOGADO), DOUGLAS CRISTIANO SAMPAIO PURETZ - CPF: 021.658.651-82 (ADVOGADO), PESIPRU XAVANTE - CPF: 985.388.101-20 (APELANTE), BANCO BRADESCO S.A. - CNPJ: 60.746.948/0001-12 (APELADO), NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - CPF: 668.018.009-06 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO DA AUTORA PROVIDO E RECURSO DO BANCO NÃO PROVIDO. UNÂNIME.

E M E N T A

ESTADO DE MATO GROSSO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1000337-86.2019.8.11.0110


APELAÇÃO nº 1000337-86.2019.8.11.0110

Apelante: BANCO BRADESCO S.A.

Apelante: PESIPRU XAVANTE

Apelado: BANCO BRADESCO S.A.

Apelado: PESIPRU XAVANTE

Vara Única da Comarca de Campinápolis

EMENTA

APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO FIRMADO COM INDÍGENA, IDOSO E ANALFABETO - VALIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA – ART. 373, II, CPC - PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA - DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR – RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA – DANO MORAL CONFIGURADO – VALOR MAJORADO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO - ART. 85, § 11, CPC - RECURSO DO BANCO DESPROVIDO - RECURSO DA AUTORA PROVIDO.

Não comprovada pela instituição financeira a regularidade na contratação do empréstimo com a parte, indígena e idosa, torna-se indevido o débito efetivado no benefício da aposentadoria, condição que enseja a restituição em dobro.

Os negócios jurídicos inexistentes e os absolutamente nulos não produzem efeitos jurídicos, não são suscetíveis de confirmação, tampouco não convalescem com o decurso do tempo, de modo que a nulidade pode ser declarada a qualquer tempo, não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais (AgRg no AREsp 489.474/MA).

Demonstrados os requisitos da reparação civil, cabível a indenização a título de dano moral, máxime porque o desconto indevido se deu sobre verba de natureza alimentar.

O valor arbitrado a título de danos morais deve levar em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva.

R E L A T Ó R I O

APELAÇÃO nº 1000337-86.2019.8.11.0110

Apelante: BANCO BRADESCO S.A.

Apelante: PESIPRU XAVANTE

Apelado: BANCO BRADESCO S.A.

Apelado: PESIPRU XAVANTE

Vara Única da Comarca de Campinápolis

RELATÓRIO

Recursos de Apelação interpostos por PESIPRU XAVANTE e BANCO BRADESCO S.A.

Ação: Ação Declaratória de Nulidade de Negócio Jurídico c/c Repetição de Indébito c/c Indenização Por Danos Morais, proposta por PESIPRU XAVANTE em desfavor de BANCO BRADESCO S.A.

Sentença: julgou procedente a ação para declarar anulado o contrato de empréstimo consignado nº 0123284417295, objeto da lide e condenar o requerido à repetição do indébito, devendo ressarcir a parte autora, em dobro, a quantia de R$8.528,85 com a incidência de juros de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária pelo índice INPC, a partir de cada desconto realizado. Condenou, ainda, o réu ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$3.000,00, com correção monetária pelo INPC, a partir da sentença, e incidência de juros de 1% ao mês, a partir do início do contrato. Por fim, condenou o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários, os quais fixou em 10% do proveito econômico obtido pela parte autora.

Apelação do Réu (Id. 67450464): Sustenta, preliminarmente, a ocorrência de prescrição. No mérito, afirma que agiu em exercício regular do direito, uma vez que o empréstimo fora devidamente contratado entre as partes. Alega que a parte autora é cliente da instituição bancária há anos e nunca buscou questionar, junto ao Banco, a legalidade das cobranças realizadas a título de empréstimo, bem como não devolveu o valor disponibilizado. Defende que não se configura a ocorrência de danos morais e que o valor indenizatório fixado é excessivo. Sustenta a ausência de má-fé pela instituição financeira. Requer a incidência dos juros e correção monetária a partir do arbitramento.

Pugna pelo provimento do recurso, com a reforma da sentença para julgar improcedente a ação.

Apelação do Autor (Id. 67450468): busca, em síntese, a majoração da indenização por danos morais e dos honorários advocatícios.

Contrarrazões pelo desprovimento (Id. 70705491).

Em parecer a d. Procuradoria-Geral de Justiça manifesta-se pelo desprovimento dos recursos (Id. 69026475).

É o relatório.

V O T O R E L A T O R

APELAÇÃO nº 1000337-86.2019.8.11.0110

Apelante: BANCO BRADESCO S.A.

Apelante: PESIPRU XAVANTE

Apelado: BANCO BRADESCO S.A.

Apelado: PESIPRU XAVANTE

Vara Única da Comarca de Campinápolis

V O T O

Recursos de Apelação interpostos por PESIPRU XAVANTE e BANCO BRADESCO S.A.

Ação: Ação Declaratória de Nulidade de Negócio Jurídico c/c Repetição de Indébito c/c Indenização Por Danos Morais, proposta por PESIPRU XAVANTE em desfavor de BANCO BRADESCO S.A.

Sentença: julgou procedente a ação para declarar anulado o contrato de empréstimo consignado nº 0123284417295, objeto da lide e condenar o requerido à repetição do indébito, devendo ressarcir a parte autora, em dobro, a quantia de R$8.528,85 com a incidência de juros de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária pelo índice INPC, a partir de cada desconto realizado. Condenou, ainda, o réu ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$3.000,00, com correção monetária pelo INPC, a partir da sentença, e incidência de juros de 1% ao mês, a partir do início do contrato. Por fim, condenou o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários, os quais fixou em 10% do proveito econômico obtido pela parte autora.

A lide objetiva a declaração de nulidade de empréstimo consignado, não contratado, no montante de R$6.500,00, para ser pago em 72 parcelas de R$189,53, todas descontadas no benefício previdenciário da autora. A requerente postulou a repetição de indébito, em dobro, e indenização por dano moral.

A controvérsia está em saber se comporta reforma a r. sentença, a fim de julgar improcedente a ação ou, ainda, saber se é caso de redução ou majoração o valor indenizatório arbitrado (R$ 3.000,00).

Pois bem. Embora seja certo que o art. 232 da CF assegura aos índios, suas comunidades e organizações, legitimidade para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, não se pode, a partir daí, concluir que o silvícola deva ser tratado, nas relações que mantém com terceiros, não indígenas, em igualdade de tratamento no que tange a teoria dos atos jurídicos em geral. Enfim, a CF não tornou o indígena igual ao não índio para efeito de eficácia dos atos jurídicos que possa eventualmente praticar.

Assim sucede porque não se revela razoável admitir que a Constituição de 1988, que trouxe aberta proteção aos direitos difusos e coletivos, com forte proteção das minorias e valores culturais, tenha reduzido a proteção em relação aos silvícolas.

O conteúdo normativo posto no art. 232 da CF, diferente do que não raro se suscita, teve por objetivo, agora sim, ampliar o leque de proteção aos direitos e interesses dos índios e suas organizações, ao assegurar-lhes legitimidade para estar em juízo.

De sorte que, hoje, é dizer, a partir da CF de 1988 (art. 232), além do sistema institucional de proteção indígena, restou ampliada a defesa de seus direitos, se e quando ocorrer falha do Estado, por seus órgãos próprios, na proteção dessas minorias.

Importante refletir, a título de comparação, que o incapaz, o adolescente e até mesmo o nascituro, pode estar em juízo em defesa de seus direitos e nem por isso os atos que pratica sem observância dos regramentos próprios guarda a mesma higidez que aquele praticado por alguém maior e sui generis.

Dentro dessa linha de entendimento, que resulta da visão sistêmica do ordenamento jurídico (Bobbio), registra-se que nosso vigente código civil, editado na vigência da nova ordem constitucional, embora com visão estrutural diferente da legislação do início do século passado (1916), teve o cuidado de registrar no seu art. 4.º, parágrafo único, que a capacidade do silvícola seria tratada em legislação específica.

Nessa ordem de ideias, não se revela razoável aceitar o entendimento de que o contrato firmado pelo indígena tenha, assim, linearmente, a eficácia que se lhe quer emprestar, aliás, até mesmo, por respeitáveis nomes da doutrina e jurisprudência.

Nessa linha de pensamento, conclui-se que ao atribuir a titularidade da defesa de direitos e interesses aos próprios indígenas e respectivas organizações comunitárias, pretendeu-se, isto sim, ampliar o leque de proteção, naturalmente que por conta da deficiência dos órgãos estatais, até então encarregados quase com exclusividade desse mister, mas sem a perspectiva de sujeitos de direito.

Mas, não se pode, a partir daqui, imaginar-se que...

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