Acórdão nº 1000764-54.2021.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Órgão Especial, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Case OutcomeProcedência
ÓrgãoÓrgão Especial
Data de publicação13 Fevereiro 2023,15 Fevereiro 2023
Classe processualCível - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL
Número do processo1000764-54.2021.8.11.0000
AssuntoEfeitos da Declaração de Inconstitucionalidade

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

ÓRGÃO ESPECIAL


Número Único: 1000764-54.2021.8.11.0000
Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95)
Assunto: [Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade]
Relator: Des(a).
MARIA EROTIDES KNEIP


Turma Julgadora: [DES(A). MARIA APARECIDA RIBEIRO, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). GUIOMAR TEODORO BORGES, DES(A). JOAO FERREIRA FILHO, DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO DA CUNHA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO]

Parte(s):
[MUNICIPIO DE COCALINHO - CNPJ: 00.965.145/0001-27 (TERCEIRO INTERESSADO), MARCIO CONCEICAO NUNES DE AGUIAR - CPF: 014.711.181-18 (AUTOR), VANDERLEI MARTINS DE OLIVEIRA JUNIOR - CPF: 993.856.431-34 (ADVOGADO), CAMARA MUNICIPAL DE COCALINHO - CNPJ: 01.373.182/0001-09 (REU), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), PREFEITO MUNICIPAL DE COCALINHO (AUTOR), MUNICIPIO DE COCALINHO-MT (TERCEIRO INTERESSADO), AURELIANO JOSE RODRIGUES LOBO FILHO - CPF: 037.347.531-47 (ADVOGADO), EDMILSON VASCONCELOS DE MORAES - CPF: 690.343.541-72 (ADVOGADO)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE JULGOU PROCEDENTE A AÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA.


E M E N T A

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - DECRETO LEGISLATIVO DA CÂMARA MUNICIPAL DE COCALINHO – POSSIBILIDADE DE EDIÇÃO DESTA ESPÉCIE NORMATIVA PELA CÂMARA MUNICIPAL POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA – ATO QUE SUSTA DECRETO MUNICIPAL QUE CANCELA CONCURSO PÚBLICO – INVIABILIDADE – USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL PARA PREENCHER CARGOS E ORGANIZAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OFENSA AOS ARTS. 39, PARÁGRAFO ÚNICO, II, 66, V E 195, PARÁGRAFO ÚNICO, II E III, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.

1. Ainda que ausente previsão legal específica, é possível à Câmara Municipal, por força do princípio da simetria, editar decretos legislativos para sustar atos normativos do Executivo que desbordem do poder regulamentar.

2. O decreto legislativo que susta ato normativo do Poder Executivo Municipal que, durante a pandemia de Covid-19, cancela concurso público considerado contrário à Lei Complementar n° 173/2021 e à Lei de Responsabilidade Fiscal é inconstitucional, por usurpar a competência do Prefeito para organizar e preencher os cargos da administração pública.

3. Hipótese em que se julga procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo n° 001/2021, oriundo da Câmara Municipal de Cocalinho, por violar o art. 39, parágrafo único, II, o art. 66, V e o art. 195, parágrafo único, II e III, todos da Constituição do Estado de Mato Grosso, bem assim o princípio da separação dos poderes.


R E L A T Ó R I O

O Prefeito do Município de Cocalinho ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, tendo por objeto o Decreto Legislativo nº 01, de 12 de janeiro de 2021, promulgado pela Câmara Municipal de Cocalinho, que “susta os efeitos do Decreto Municipal nº 1926, de 07 de janeiro de 2021, do Senhor Prefeito Municipal, e de todos os atos normativos secundários dele decorrentes”, por malferir os arts. 39, parágrafo único, II, 66, V e 195, parágrafo único, II e III, da Constituição Estadual, bem como o princípio da separação dos poderes.

Na inicial, o autor afirmou, em síntese, que o ato normativo impugnado sustou o Decreto Municipal nº 1926/2021, que cancelou o concurso público aberto pelo Edital nº 001/2020, por ferir a Lei Complementar nº 173/2020 (Pacto Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus) e a Lei de Responsabilidade Fiscal, revestindo-se, assim, de inconstitucionalidade formal, pois a Mesa Diretora não possui legitimidade para colocar em pauta decreto legislativo visando a sustar ou anular os atos do governo municipal, por falta de previsão nos arts. 33, I e 175, §1º, do Regimento Interno da Câmara Municipal.

Sustentou, outrossim, que referido ato normativo também é inconstitucional por usurpar o poder regulamentar do Prefeito Municipal, ferindo de morte os arts. 39, parágrafo único, II, 66, V e 195, parágrafo único, III, da Constituição Estadual, que fixa a iniciativa privativa do Chefe do Executivo Municipal para a criação de cargos, funções e empregos e para a organização e funcionamento da administração pública municipal.

Ao final, após citar julgados que entende aplicáveis ao caso concreto, requereu a concessão de medida cautelar suspendendo-se o Decreto Legislativo nº 001/2021, e, no mérito, a procedência da ação direta de inconstitucionalidade, com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nº 001/2021, “por ofensa ao contido nos artigos 39, 66, inciso V e especialmente 195, parágrafo único, inciso III, ambos da Constituição do Estado de Mato Grosso e artigo 39 da lei orgânica do Município de Cocalinho e vicio de forma contrariando o artigo 33 e 175, §1º do regimento interno da Câmara Municipal de Cocalinho”. (Id 73182549).

Ao receber os autos, determinei a intimação do requerente para emendar a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, diante da ausência de assinatura do Prefeito Municipal, o que foi atendido no Id 74256468.

Em manifestação, a Câmara Municipal de Cocalinho, representada pelo seu Presidente, Vereador Edivam Dornel de Sousa, defendeu a constitucionalidade do ato normativo impugnado, arguindo, em síntese, que o Prefeito Municipal não poderia cancelar, unilateralmente, por meio do Decreto Municipal nº 1926/2021, o concurso aberto pelo Edital nº 001/2020, visto que destinado também ao provimento de cargos do Poder Legislativo, de sorte que, ao fazê-lo, incorreu em afronta à autonomia e independência dos poderes.

Alegou, também, que apesar de o cancelamento ter se amparado na Lei Complementar federal nº 173/2020, esta norma proíbe apenas a realização de concurso público até 31/12/2021, excetuando as situações de vacância, de modo que “ante a necessidade de preenchimento dos cargos municipais vagos, bem como as reiteradas exigências dos Tribunal de Contas dos Municípios, o prudente seria, no máximo, SUSPENDER o referido concurso, e não cancelá-lo”.

Afirmou, em continuação, que o Decreto Legislativo nº 001/2021 não possui erro de forma, pois amparado na competência atribuída pelo Regimento Interno da Câmara Municipal de Cocalinho, pela Lei Orgânica Municipal e pelas Constituições Estadual e Federal, bem como não incorre em usurpação do poder de regulamentar sobre matéria de prerrogativa exclusiva do Poder Executivo, visto que o concurso público cancelado foi aberto conjuntamente com o Poder Legislativo, destinando-se ao provimento também de seus cargos.

Ao final, requereu a improcedência da ação direta de inconstitucionalidade (Id 78712988).

A medida cautelar pleiteada foi deferida, por maioria, na sessão do Órgão Especial de 11/11/2021, para suspender o Decreto Legislativo nº 001/2021, nos termos do voto do eminente Desembargador José Zuquim Nogueira (Id 109227473).

Notificada a Câmara Municipal de Cocalinho, para ciência do acórdão e para prestar as informações necessárias, sobreveio a petição acostada ao Id 115618955 noticiando já ter se manifestado quanto ao mérito no Id 78712988.

Citado na forma do art. 125, §2º, da Constituição Estadual, o Procurador Municipal de Cocalinho quedou-se inerte, conforme certidão inserta no Id 131259684.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Deosdete Cruz Junior, manifestou-se pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade, “vez que o Poder Legislativo exercitou legitimamente o seu poder fiscalizatório e sustou ato do Poder Executivo que denotava excesso de Poder Regulamentar ou uso indevido do Poder de Autotutela”. (Id 133739189)

É o relatório.

V O T O R E L A T O R

Em 07 de janeiro de 2021, o Prefeito do Município de Cocalinho editou o Decreto n° 1.926, cancelando o concurso público autorizado pela Lei municipal n° 882, de 20 de dezembro de 2019, e aberto pelo Edital n° 001/2020, ao fundamento de que a realização do certame afrontaria a Lei Complementar n° 173/2020, que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-Cov-2 (Covid-19), e a Lei de Responsabilidade Fiscal, nos seguintes moldes, verbis:

O PREFEITO MUNICIPAL DE COCALINHO, usando das atribuições que lhe confere os art. 1º, 3º, 5º, e 64, da Lei Orgânica Municipal,

CONSIDERANDO a criação de diversos cargos em desacordo com o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19);

CONSIDERANDO que de algumas vagas previstas no edital não são decorrentes de reposição de vacância;

CONSIDERANDO as demais disposições trazidas pela Lei Complementar nº. 173, de 27 de maio de 2020 a qual trata do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19)

CONSIDERANDO o limite prudencial, no que tange ao percentual de gastos com pessoal em consonância com a Lei de Responsabilidade.

CONSIDERANDO a autotutela administrativa, na qual...

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