Acórdão nº 1001270-59.2023.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Órgão Especial, 18-05-2023

Data de Julgamento18 Maio 2023
Case OutcomeProcedência
Classe processualCível - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL
ÓrgãoÓrgão Especial
Número do processo1001270-59.2023.8.11.0000
AssuntoInconstitucionalidade Material

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

ÓRGÃO ESPECIAL


Número Único: 1001270-59.2023.8.11.0000
Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95)
Assunto: [Inconstitucionalidade Material, Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade]
Relator: Des(a).
ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES


Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). CLARICE

CLAUDINO DA SILVA, DES(A). GUIOMAR TEODORO BORGES, DES(A). JOAO FERREIRA FILHO, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA

SILVA, DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). MARIA EROTIDES KNEIP, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO DA

CUNHA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (AUTOR), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (REU), PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROS (AUTOR), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (REU), PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO (AUTOR)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, JULGOU PROCEDENTE A AÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA


E M E N T A

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PEDIDO LIMINAR DE MEDIDA CAUTELAR – CONSTITUCIONAL – DIREITO À EDUCAÇÃO – CRIANÇAS E JOVENS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA E NECESSIDADES ESPECIAIS – LEI ORDINÁRIA N° 11.689, DE 15 DE MARÇO DE 2022 – DIREITO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA – OFENSA À PROTEÇÃO DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA – DIREITO DE IGUALDADE DE CONDIÇÕES PARA ACESSO E PERMANÊNCIA EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO – DESRESPEITO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E DO JOVEM QUE VISAM AO ATENDIMENTO DO SEU MELHOR INTERESSE – PRESENTES A PROBABILIDADE DO DIREITO E PERICULUM IN MORA – LIMINAR DEFERIDA.

É dever do Estado prestar atendimento especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino, neste contexto inserta a premissa de respeito às diferenças, a qual se traduz no direito ao acesso à pessoa portadora de necessidades especiais à educação inclusiva, a fim de que possa desenvolver suas habilidades segundo suas características pessoais.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, recepcionada com status de Emenda à Constituição ao ordenamento pátrio, reforça o direito das pessoas com deficiência à educação livre de discriminação e com base na igualdade de oportunidades, determinando a obrigação dos Estados-partes de assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis.

A normativa estadual objeto da presente ADI é reprodução literal, com as devidas adaptações ao plano estadual, do Decreto Federal n° 10.502, de 30 de setembro de 2020, cuja eficácia havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal no referendo da medida cautelar proferida no bojo da ADI 6.590.

A criação de espaços específicos e exclusivos para o atendimento educacional aos educandos da educação especial, relativiza indevidamente o direito ao acesso de portador de necessidades especiais à educação inclusiva, essencial ao livre e saudável desenvolvimento e crescimento da criança, do adolescente e do jovem especiais, cuja proteção é impositiva.

A Política de Educação Especial positivada na Lei questionada, possui índole segregacionista ao prever preferência para espaços específicos de educação de crianças e jovens especiais, contrariando o paradigma da educação inclusiva, por claramente retirar a ênfase da matrícula no ensino regular, passando a apresentar esse último como mera alternativa dentro do sistema de educação especial.

Numa análise prefacial, a Lei impugnada representa vulneração, a um só tempo, da garantia de educação, da proteção das pessoas portadoras de deficiência e das garantias de igualdade de condições para acesso e permanência em instituições de ensino, bem como dos direitos fundamentais da criança, adolescente e do jovem que visam ao atendimento do seu melhor interesse, todos consagrados expressa e implicitamente pela Constituição Federal e pela Constituição do Estado de Mato Grosso (art. 206, I e III, e art. 208, III, V e § 1°, ambos da Constituição Federal e arts. 3°, II e III, 10, I e III, 13, caput, e 230, I e VII, da Constituição do Estado de Mato Grosso).

Periculum in mora também se faz presente na medida em que, conforme assinalado na peça exordial, com a vigência do Diploma impugnado há risco iminente de “aplicação de regramento flagrantemente inconstitucional que contradiz o Plano Nacional de Educação e que traz fundados prejuízos à universalização e atenção à diversidade na educação brasileira, transmutando-se em verdadeiro obstáculo ao adimplemento, no Estado de Mato Grosso da obrigatoriedade da garantia de matrícula para os alunos com necessidades educacionais especiais”.

Presentes os requisitos. Concedida medida cautelar para suspender liminarmente a eficácia da Lei Ordinária nº 11.689, de 15 de março de 2022, do Estado de Mato Grosso, até ulterior decisão definitiva desta ADI.


ÓRGÃO ESPECIAL

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) Nº 1001270-59.2023.8.11.0000 (PJE)

REQUERENTE: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO

REQUERIDA: ESTADO DE MATO GROSSO

RELATÓRIO

EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA)

Egrégio Órgão:

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO, em face da Lei Ordinária n° 11.689, de 15 de março de 2022, do Estado de Mato Grosso.

Argumenta a parte requerente que:

“(...)

A Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso aprovou e o Governador do Estado de Mato Grosso sancionou a Lei Ordinária nº 11.689, de 15 de março de 2022, que Institui a Política Estadual de Educação Especial, Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida no âmbito do Estado de Mato Grosso e dá outras providências e que tem a seguinte redação:

(...)

Ocorre que a referida Lei Estadual, de autoria do Deputado Estadual Thiago Silva, ao prever a criação de escolas especializadas, no âmbito do Estado de Mato Grosso, que seriam instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial, escolas bilíngues, classes especializadas e escolas regulares inclusivas, que poderiam ser adotadas em detrimento da inclusão em classes da rede regular de ensino, viola dispositivos da Constituição Federal e da Constituição do Estado de Mato Grosso.

Outrossim, a normativa estadual é reprodução ipisis literis do Decreto Federal n° 10.502, de 30 de setembro de 2020, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, cuja eficácia havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal no referendo da medida cautelar proferida no bojo da ADI 6.590, como se verá a seguir.

(...)

Cabe deixar anotado, desde já, que inexiste controvérsia acerca das garantias constitucionais ao tratamento diferenciado e especial que é conferido a determinados segmentos de nossa sociedade, como as crianças, os idosos e as pessoas que, por suas condições particulares, não podem prescindir de algum tipo de atenção especializada ou apenas preferencial.

Logo, todos os cidadãos que possuem necessidades especiais têm o direito de tratamento diferenciado visando conferir condições materiais de igualdade.

É justamente com base nesse parâmetro jurídico que decorre a necessidade de se materializar no plano fático a garantia de inclusão de todos os segmentos sociais que careçam de atenções diferenciadas e ou específicas.

Nessa toada, a Constituição Federal estabelece que é dever do Estado prestar atendimento especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino (art. 208, III, V e §1º, da CF).

Isso porque o respeito às diferenças que caracteriza o constitucionalismo, inaugurado em 1988, tem na educação esse dispositivo que o reforça (art. 206, I, da CF), o qual se traduz no direito ao acesso de portador de necessidades especiais à educação inclusiva, a fim de que possa desenvolver suas habilidades segundo suas características pessoais.

O citado direito é a concretização dos princípios da dignidade da pessoa humana, no âmbito da infância e da juventude, e do melhor interesse da criança e do adolescente, sintetizando, assim, a doutrina da proteção integral que perpassa a todos os mandamentos da Constituição Federal de 1988 relacionados à essa temática.

Tal doutrina sustenta que a criança e o adolescente têm direitos específicos a serem protegidos, cujo dever de proteção não se limita ao Estado, mas se estende à família e à sociedade, constituindo-se em um dever social1. Sua condição prioritária deve-se ao fato de serem pessoas em desenvolvimento, cuja personalidade deve ser promovida, mediante a garantia do exercício de direitos fundamentais.

Certamente, cada aluno vai requerer diferentes estratégias pedagógicas, que lhes possibilitem o acesso à herança cultural, ao conhecimento socialmente construído e à vida produtiva, condições essenciais para a inclusão social e o pleno exercício da cidadania. Porém, devemos conceber essas estratégias não como medidas compensatórias e pontuais, e sim como parte de um projeto educativo e social de caráter emancipatório e global.

Como parte integrante desse processo, a política educacional desenvolvida pela Secretaria de Educação deste Estado deve estar, fundamentalmente, alicerçada na elaboração de projeto pedagógico para a construção de uma escola inclusiva, que acolha todos os alunos, consoante consagrado pelos arts. 205, 206, inciso I, 208, incisos I, III, V e §1º, e art. 227, §1º, II, da CF c/c arts. 3º, II e III, 10, I e III, 13, caput, e 230, I e VII, da CEMT:

(...)

Da...

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