Acórdão nº 1003794-30.2017.8.11.0003 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, 01-08-2023

Data de Julgamento01 Agosto 2023
Case OutcomeProvimento em Parte
Classe processualCível - APELAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Número do processo1003794-30.2017.8.11.0003
AssuntoViolação aos Princípios Administrativos

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO


Número Único: 1003794-30.2017.8.11.0003
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Violação aos Princípios Administrativos]
Relator: Des(a).
MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO


Turma Julgadora: [DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, DES(A). LUIZ CARLOS DA COSTA, DES(A). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), GISLENE CABRAL DE SOUZA - CPF: 885.044.761-20 (APELADO), CAMILA RAMOS COELHO - CPF: 023.008.411-77 (ADVOGADO), FELIPE TEIXEIRA VIEIRA - CPF: 020.144.391-09 (ADVOGADO), LEOSONIO BEZERRA ARAUJO - CPF: 568.999.121-04 (APELADO), KALYNCA SILVA INEZ DE ALMEIDA - CPF: 982.088.101-34 (ADVOGADO), CARLOS FREDERICK DA SILVA INEZ - CPF: 603.893.541-04 (ADVOGADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (CUSTOS LEGIS), CASA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0007-30 (REPRESENTANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]


A C Ó R D Ã O


Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: "A UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO." (Participaram do julgamento: Des. Luiz Carlos da Costa, Des. Mario Roberto Kono de Oliveira, Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago.)


EMENTA:


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ALTERAÇÕES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA LEI N.° 14.230/21 – PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE E INCONVENCIONALIDADE – REJEITADA – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DECLARADA – NÃO OCORRÊNCIA – REPERCUSSÃO GERAL DO TEMA N.° 1.199, DO STF – INVIABILIDADE DE CONTINUIDADE DO PROCESSO – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – REVOGAÇÃO DO ARTIGO 11, INCISO I, DA LEI N.° 8.429/92ABOLITIO IMPROBITATIS RECONHECIDA – RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA – SISTEMA ADMINISTRATIVO SANCIONADOR – IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS – ARTIGO 17, § 11, DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei n.° 14.230/21, por violação ao princípio da proporcionalidade, proibição de proteção insuficiente e violação à vedação de retrocesso, porquanto, ainda que a persecução da improbidade administrativa possua aspiração moral e real da coletividade, tal não se equipara a direito fundamental de qualquer ordem ou grandeza.

2. A reforma promovida pela lei mencionada não gerou a revogação do combate à improbidade administrativa, mas, tão somente, fixou novos parâmetros para a sua concretização e persecução judicial, ainda que mediante regras garantistas que possam tornar mais dificultosa a apuração de ilícito desta natureza.

3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema nº 1.199, com repercussão geral reconhecida, decidiu pela não retroatividade da prescrição intercorrente instituída pela Lei nº 14.230/21, que alterou a Lei nº 8.429/92, aos processos em curso.

4. O inciso I, do artigo 11, da Lei n.° 8.429/92 foi revogado pela Lei n.° 14.230/21, operando-se a abolição do tipo administrativo imputado aos apelados.

5. Afastada a possibilidade de condenação, diante da atipicidade da conduta, o artigo 17, § 11, da Lei n.° 8.429/92, autoriza, em qualquer momento do processo, que se julgue a improcedência do pedido inicial.

RELATÓRIO:

Egrégia Câmara:


Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO contra a sentença proferida pelo Excelentíssimo Juiz de Direito, Dr. Márcio Rogério Martins, nos autos de n.° 1003794-30.2017.811.0003, em trâmite perante a 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Rondonópolis, MT, que reconheceu a prescrição intercorrente e julgou extinto o processo, nos seguintes termos (ID. 156251416):

SENTENÇA

Vistos etc.

Cuida-se de Ação Civil de Responsabilidade por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face de GISLENE CABRAL DE SOUZA e LEOSONIO BEZERRA ARAUJO.

Fora proferido despacho intimando as partes para que se manifestem sobre as alterações na lei de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), introduzidas pela Lei n. 14.230/2021.

Devidamente intimado, o parquet pugnou pela não aplicação retroativa da prescrição intercorrente (Id. 75396262).

Já os requeridos pugnaram pelo acolhimento da prescrição intercorrente.

Vieram-me conclusos.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Analisando os autos, verifica-se a necessidade de extinção do feito pelo reconhecimento da prescrição intercorrente, em razão das novas alterações legislativas introduzidas pela Lei n. 14.230/2021, vejamos:

Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. (...)

§4º O prazo da prescrição referido no caput deste artigo interrompe-se:

I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa; (...)

§5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.

§6º A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que concorreram para a prática do ato de improbidade. (...)

§8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo.

Necessário ressaltar a assunção da Lei 14.230/2021, a qual alterou substancialmente a Lei 8429/92 (LIA), entrando em vigor na data de sua publicação, conforme descrito em seu art. 5º.

A novel legislação entrou em vigor na data de sua publicação, conforme disposto em seu artigo 24, revogando as disposições em contrário (artigo 25 da referida lei).

Ressalta-se que, nos termos do art. 1º, §4º da Lei de Improbidade Administrativa, aplica-se o regime jurídico do Direito Administrativo Sancionador ao sistema da improbidade administrativa.

Inicialmente esclareço que a matéria de prescrição constitui instituto de direito material, conforme já posicionado pelo Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que “A extinção da punibilidade motivada pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado prejudica o exame do mérito da causa penal, pois a prescrição – que constitui instituto de direito material – qualifica-se como questão preliminar de mérito.” (STF – AgR AI 859704 PR – Paraná, Rel. Min. Celso de Mello, Publicação 15/10/2014, Julgamento 07/10/2014).

Assim, é de suma relevância ressaltar que quanto às normas de direito material, tenho que devem observar a retroação da lei mais benéfica em favor dos acusados.

Isso, porque, tanto o Direito Penal quanto o Direito Administrativo sancionador constituem expressões do poder punitivo estatal, decorrendo de tal característica a identidade entre seus princípios fundamentais garantidores, constantes da Constituição Federal, segundo o qual, as normas materiais devem retroagir às ações em curso, sempre que mais favoráveis ao réu.

Vejamos a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso:

(...) DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR –RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (...) . 1. Nos termos do §4º do art. 1º da Lei n. 8.429/92 com a redação dada pela Lei 14.230/2021, ao sistema da improbidade administrativa aplica-se o regime jurídico do Direito Administrativo Sancionador, segundo o qual, as normas materiais que regem a improbidade administrativa devem retroagir às ações em curso, sempre que mais favoráveis ao réu. (...) (TJMT – N.U 1003589-68.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 07/03/2022, Publicado no DJE 08/04/2022) – Destaquei

Tendo em perspectiva os rigores do direito administrativo sancionador, cujas consequências não raro se impõe com agudeza ao Juízo penal, o Superior Tribunal de Justiça antes mesmo da alteração legislativa já compreendia que a ação de improbidade administrativa, “(...) por integrar iniciativa de natureza sancionatória, tem o seu procedimento referenciado pelo rol de exigências que são próprias do Processo Penal Contemporâneo, aplicável em todas as ações de Direito Sancionador” (AgInt no AREsp 863.486/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 01/12/2020, DJe 09/12/2020).

Apesar de possuírem regimes jurídicos distintos, o Direito Administrativo sancionador e o Direito Penal são submetidos às mesmas garantias fundamentais constitucionais, quais sejam: devido processo legal, contraditório, ampla defesa, legalidade, tipicidade, culpabilidade, pessoalidade das penas, individualização das penas, razoabilidade, proporcionalidade e, como não poderia deixar de ser, da retroatividade da lei mais benéfica (artigo 5º, incisos II, XXXIX, XLV, XLVI, XL, LIV, LV e artigo 37, caput, todos da Constituição Federal).

Se a sociedade brasileira, cuja vontade foi expressa pelos seus governantes, decidiu que determinadas condutas deveriam ter tratamento mais brando, fere a proporcionalidade, a igualdade e a isonomia restringir as consequências mais benéficas apenas àqueles sobre os quais recairá a punição em momento posterior a edição norma. Nesse sentido, estabelece o artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal:

Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à...

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