Acórdão nº 1003931-79.2021.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara Criminal, 18-05-2021

Data de Julgamento18 Maio 2021
Case OutcomeProvimento
Classe processualCriminal - AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Número do processo1003931-79.2021.8.11.0000
AssuntoPena Privativa de Liberdade

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1003931-79.2021.8.11.0000
Classe: AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413)
Assunto: [Pena Privativa de Liberdade]
Relator: Des(a).
ORLANDO DE ALMEIDA PERRI


Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). PAULO DA CUNHA]

Parte(s):
[ESTADO DE MATO GROSSO - PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA (AGRAVANTE), IVAN PEREIRA DE NOVAIS - CPF: 568.219.051-34 (AGRAVADO), ESTADO DE MATO GROSSO - PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA (CUSTOS LEGIS), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (AGRAVANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 1003931-79.2021.8.11.0000


AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

AGRAVADO: IVAN PEREIRA DE NOVAIS

EMENTA

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL – INCONSTITUCIONALIDADE, COM REDUÇÃO DE TEXTO, DO § 1º DO ART. 110 DO CÓDIGO PENAL DECLARADA NA ORIGEM – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA – IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PROCEDÊNCIA – ENTENDIMENTO QUE CONTRARIA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CRIME POSTERIOR À LEI N. 12.234, DE 5 DE MAIO DE 2010 – IMPOSSIBILIDADE DE COMPUTAR O PRAZO PRESCRICIONAL CONSIDERANDO A DATA DOS FATOS – CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NÃO CARACTERIZADA – DECISÃO CASSADA – RECURSO PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DA PGJ.

“É constitucional, portanto, o art. 110, § 1º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.234/10 (STF, HC 122694).

“O reconhecimento da prescrição entre a data do fato e o recebimento da denúncia, baseando-se na pena em concreto, somente é possível quanto a fatos ocorridos antes de 5/5/2010, pois a nova redação dada pela Lei n. 12.234 ao § 1º do art. 110 do CP veda expressamente o reconhecimento da prescrição que tem por marco inicial a data anterior à da denúncia ou queixa” (STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 735.815/SP).


ESTADO DE MATO GROSSO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 1003931-79.2021.8.11.0000


AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

AGRAVADO: IVAN PEREIRA DE NOVAIS



RELATÓRIO

EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI

Egrégia Câmara:


Cuida-se de Agravo de Execução Penal interposto pelo Ministério Público, contra decisão prolatada pelo Juízo da 4ª Vara Criminal de Rondonópolis, no executivo de pena n. 2000359-37.2020.8.11.0064, que declarou a inconstitucional o art. 110, § 1º, do Código Penal, com redução de texto, e reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, do crime tipificado no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

Em suas razões, assevera que: 1) a decisão combatida contraria o entendimento dos tribunais superiores que, em diversas oportunidades, declararam a constitucionalidade do art. 110, § 1º, do Código Penal; 2) o período ocorrido entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia não pode ser considerado, pois o crime ocorreu após a edição da Lei n. 12.234/2010 (Id. 79080495 - pág. 1-4).

Contrarrazões pela manutenção do decisum (Id. 79080492 - pág. 1-6).

Em sede de retratação, a decisão hostilizada foi mantida por seus próprios fundamentos (Id 79080491 - pág. 1).

A Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo provimento do agravo (Id. 83307988 - pág. 1-11).

É o relatório.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 1003931-79.2021.8.11.0000


VOTO

EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Consta nos autos que o agravado foi condenado à pena de 6 (seis) meses de detenção, em regime aberto, por ter cometido o crime de embriaguez ao volante (CTB, art. 306), ocorrido em 13-11-2011.

Em 31-8-2020, o juiz da execução penal declarou a inconstitucionalidade, com redução de texto, do art. 110, § 1º, do Código Penal e, em seguida, reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, nos termos transcritos:

O Juízo está a pronunciar a inconstitucionalidade, com redução de texto, do art. 110, §1º do CPB, não olvidando o entendimento levado a efeito no HC/STF 122694.

[...]

O art. 110, §1º do CPB ao preceituar que a prescrição ‘não pode, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa’ fere claramente comandos postulados constitucionalmente, a exemplo, da efetividade do acesso, razoabilidade, da isonomia e, principalmente, da duração razoável do processo e da eficiência, conforme estabelecem os arts. e 37 da Constituição Federal.

Em verdade, o legislador criou por vias transversas hipótese de imprescritibilidade não prevista no texto constitucional (art. 5º, incisos, XLII e XLIV da CRFB/88) e, por isso, sem esforço hermenêutico, constata-se que a citada regra é flagrantemente inconstitucional.

Com efeito, a especialidade dos nossos legisladores é trazer ao mundo jurídico normas que representam genuínos despautérios, talvez fruto do açodamento na elaboração de lei ou, ainda, na tentativa de buscar dar resposta à sociedade.

Ora, com a atual regra do §1º do art. 110 do CPB, apenas para ilustrar, se o inquérito policial permanecer na Delegacia de Polícia por mais de 20 (vinte) anos, ou seja, o maior prazo de prescrição estabelecido na Legislação Brasileira e, mesmo assim, for oferecida denúncia ou queixa, a punibilidade não estará extinta, o que se revela genuíno absurdo.

Para além de criar hipótese de imprescritibilidade não prevista no Magno Texto, o Estado acaba por subscrever a própria ideia de que não reúne mecanismos para apurar/combater infrações penais e respectivos autores, criando mecanismos que representam verdadeira excrecência como é o caso do §1º do art. 110 do CPB.

Acerca do tema, calha o seguinte entendimento doutrinário:

(…)

Ademais, o comando normativo vai de encontro ao postulado da razoabilidade (CRFB/88, LIV e LV) eis que demonstrada a ilegitimidade material do ato praticado pelo Poder Público por olvidar as máximas parciais do citado princípio.

A normatização não é adequada porque ausentes os seus pressupostos; não é necessária porque revela a própria inoperância estatal e, num juízo de ponderação, como anotado, não há justificativa para o citado comando legal.

Vale deixar vincado que a razoabilidade é uma derivação do devido processo legal substantivo que é um núcleo material comum de todas as garantias relacionadas à efetividade e à justiça, não apenas dos processos judiciais, mas também dos administrativos, com observância de regras procedimentais e a exigência do fair trial – litigar conduzido pela boa fé.

Ademais, na linha da CRFB/88, 5º, XXXV, o ingresso em Juízo deve ser efetivo e tempestivo, não podendo o próprio Estado criar mecanismos que tergiversem garantias constitucionais.

Por conseguinte, em uma quadra onde a duração razoável do processo, inclusive na seara administrativa (CRFB/88, 5º, LXXVIII), tal se qualifica como garantia constitucional eis que ‘de nada valeria declarar o direito, se a ele não correspondesse o dever estatal de julgar, dever que se transmuta em garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário, garantia individual a se operacionalizar pela imposição de dupla e imbricada interdição: a) ao Poder Legislativo, no sentido de não poder afastar da apreciação judiciária todo tipo de lesão ou ameaça a direito e b) aos próprios órgãos do Poder Judiciário, na acepção de que nenhum deles pode optar pelo não-exercício do poder de decidir sobre tais reclamos de lesão ou ameaça a direito, haja vista a obrigação de solver ou liquidar as matérias formalmente submetidas à sua apreciação.

Ao mais, frisa-se, cuida-se de comando que também visou obviar o dever de eficiência como impõe o comando inserto no caput do art. 37 da CRFB/88.

Assim, o reconhecimento da força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática póspositivista de interpretação constitucional alojam a CRFB/88 para o centro do sistema jurídico fazendo com que ela passasse a ter um papel imprescindível na interpretação de todos os demais ramos do direito, dando origem ao fenômeno da filtragem constitucional ou constitucionalização do direito.

Tal modelo consiste em uma leitura da ordem jurídica sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados, fazendo-se, inclusive, uma releitura à luz do Texto Maior.

Ademais, não há como criar mecanismos de verdadeira burla ao sistema de punir estatal em detrimento da liberdade individual que ficaria infinitamente comprometida com base...

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