Acórdão nº 1004788-14.2021.8.11.0037 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara de Direito Privado, 08-08-2023

Data de Julgamento08 Agosto 2023
Case OutcomeProvimento
Classe processualCível - APELAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Privado
Número do processo1004788-14.2021.8.11.0037
AssuntoArrendamento Rural

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO


Número Único: 1004788-14.2021.8.11.0037
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Arrendamento Rural, Defeito, nulidade ou anulação, Nulidade]
Relator: Des(a).
NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO


Turma Julgadora: [DES(A). NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, DES(A). JOAO FERREIRA FILHO, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS]

Parte(s):
[RAFAEL SCARTON STROHSCHEIN - CPF: 837.090.701-63 (APELANTE), MARCELO BERTOLDO BARCHET - CPF: 632.601.311-91 (ADVOGADO), BRUNO CESAR FIGUEIREDO MAMUS - CPF: 029.453.081-93 (ADVOGADO), ANDRE LUIZ BOMFIM - CPF: 021.349.311-08 (ADVOGADO), GABRIELA BEZERRA SCHAIDHAUER - CPF: 023.712.851-96 (APELANTE), CELESTE BROCK - CPF: 131.187.069-53 (APELADO), BRUNO LUIS MARQUES HAPNER - CPF: 031.537.099-80 (ADVOGADO), JOAO CARLOS NARDI JUNIOR - CPF: 928.244.639-53 (ADVOGADO), PAULO ROBERTO MARQUES HAPNER - CPF: 019.849.209-01 (ADVOGADO), LUCIA MARIN - CPF: 880.484.119-20 (APELADO), ESPOLIO de CELESTE BROCK (APELADO), AMAURI MOREIRA DE ALMEIDA - CPF: 630.691.051-49 (ADVOGADO)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO.

E M E N T A

APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO. PACTUAÇÃO DE PAGAMENTO EM PRODUTO. CIÊNCIA DAS PARTES EVIDENTE. CONTRATO CUMPRIDO EM MAIS DA METADA. COSTUME DA REGIÃO E DAS PARTES. ATITUDE CONTRADITÓRIA DOS ARRENDATÁRIOS. PRESERVAÇÃO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. PACTA SUNT SERVANDA. TERRA IMPRODUTIVA. NÃO PERTINÊNCIA NO ACOLHIMENTO DO PLEITO. TESTEMUNHA E INFORMANTES QUE CONFIRMAM AUSÊNCIA DE CHUVA NO LOCAL. FATOR CLIMÁTICO. OBRIGAÇÃO DE CORREÇÃO DO SOLO DOS ARRENDATÁRIOS. ALEGAÇÃO DE RENEGOCIAÇÃO COM FILHO DOS ARRENDADORES. DEMONSTRAÇÃO. RECEBIMENTO DE ACORDO COM NOVO ACORDO. TERMOS CONTRATUAIS ALTERADOS. CONTRATO ORIGINAL QUE SE TORNA INEXEQUÍVEL. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO POR AUSÊNCIA DE TÍTULO CERTO, LÍQUIDO E EXIGÍVEL. INAPLICABILIDADE DO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO PROVIDO.

1- Entender pela inviabilidade do prosseguimento da execução equivaleria a premiar o comportamento contraditório do recorrente, que, durante mais de metade do período de vigência do contrato, adimpliu sua obrigação nos moldes como acordado (entrega de produto), tendo invocado a nulidade da cláusula tão somente quando em curso o processo executivo que objetivava a satisfação das parcelas não pagas, em clara ofensa à legítima confiança depositada no negócio jurídico pela recorrida. 8. A proibição de comportamentos contraditórios constitui legítima expressão do interesse público, que se consubstancia tanto na tutela da confiança quanto na intolerância à pratica de condutas maliciosas, torpes ou ardis. 9. O fato de o contrato que aparelha a presente execução ter previsto a remuneração do arrendamento em quantidade fixa de sacas de soja não lhe retira, por si só, os atributos que o caracterizam como título executivo - certeza, exigibilidade e liquidez” (REsp 1692763/MT, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 19/12/2018).

2- As partes contratantes não demonstraram dolo, erro, coação, ou qualquer outro meio imaginável de ‘imposição’ da contratação. O contrato foi fielmente assinado por ambos, sem qualquer sinal de força por qualquer dos lados, que são plenamente capazes de agir e estão com consciência dos seus atos da vida civil.

3- A ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons costumes e a boa-fé.

4- O dito por informantes e testemunhas deixa claro que o problema de produtividade da área não era atribuído apenas à qualidade do solo, mas também ao fator climático, já que aquela região seria de pouca chuva. Inclusive, o então gerente disse que, se chovesse, o problema poderia ter passado despercebido, e que pôde começar o plantio futuramente, quando choveu.

5- Elementos que evidenciam a ocorrência de novo pacto entre as partes, alterando os termos do título executivo, com demonstração de que filho dos embargados/apelados intermediou a alteração da área de plantio e da quantidade de sacas de soja.

6- Reconhecido que o novo pacto deve prevalecer, este que não é um título executivo, pois não contém a assinatura das partes, testemunhas e cláusulas expressas, sendo apenas minuta a caneta que ambas as partes aderiram, de maneira que não é documento a amparar uma ação de execução. Quem sabe uma ação de cobrança, mas não um feito executivo.

7- Alterados os termos do contrato com nova tratativa, o título original, que embasou a execução, torna-se inexigível, o que afasta, em contrapartida, a aplicação do art. 940 do CC, aplicável em caso de execução de dívida paga ou em que se pede mais que o devido.

8- Provimento do apelo para extinguir a execução por ausência de título exequível.

R E L A T Ó R I O

PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL (198) 1004788-14.2021.8.11.0037

APELANTES: RAFAEL SCARTON STROHSCHEIN e outros

APELADOS: LUCIA MARIN e outros

RELATÓRIO

DESA. NILZA MARIA PÔSSAS DE CARVALHO (RELATORA)

Egrégia Câmara:

Recurso de Apelação interposto por RAFAEL SCARTON STROHSCHEIN e outros, em face de sentença proferida em Embargos do Devedor nº 1004788-14.2021.8.11.0037 - 3ª Vara de Primavera do Leste/MT, movida contra LUCIA MARIN e outros, em que se julgou improcedentes os pedidos.

Os apelantes afirmam que “a primeira controvérsia posta nos autos diz respeito, justamente, à validade da estipulação contratual prevista na cláusula terceira do instrumento que fundamenta a Execução, onde, contrariando expressamente o que determina o Decreto Regulamentador, não se fixou o valor do arrendo anual em dinheiro e tampouco se permite que o pagamento do preço do arrendamento rural ocorra em dinheiro, mas sim, estipula que a única forma de pagamento da renda anual é a entrega física e direta de produtos (soja em grãos), conforme parágrafo segundo da cláusula terceira do Contrato de Arrendamento. Referida cláusula contratual afronta de forma direta e expressa o que determina o art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566/66, que regulamentou o art. 95, XI, a, da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) e, portanto, é NULA! Isto porque, mencionados dispositivos legais determinam expressamente que o preço do arrendamento rural apenas pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, proibindo sua estipulação em quantidade certa de produtos ou no seu equivalente em pecúnia.”

Declaram que “o único argumento defendido pelos Apelados para justificar a suposta validade da cláusula terceira do Contrato de Arrendamento é, justamente, os usos e costumes, conforme se infere da impugnação apresentada (ID 65043758), na qual os Apelados argumentam que ‘as partes levaram em conta o costume da região, que é de prever o pagamento do aluguel/arrendamento anualmente, e em sacas de soja [sic]’, o qual, como visto, não deve prosperar, posto que os usos e costumes não têm o condão de alterar a lei, nem sequer afastar as regras irrenunciáveis estampadas no Decreto n. 59.566/1966, que como visto é a legislação especial a reger todos os contratos agrários sem exceção.”

Expõem que, “considerando que a cláusula relativa ao preço não pode ser exigida nos termos em que pactuada, mas que subsiste a obrigação do arrendatário de pagar o justo preço pela exploração econômica da terra arrendada, a conclusão lógica que se extrai é a de que é necessária uma intervenção judicial para quantificar o valor da dívida. E isso, evidentemente, não será possível na estreita via do processo executivo pretendido pelos Apelados, sendo necessário que antes do ingresso do processo executivo se aguardasse o deslinde final do processo de conhecimento (trânsito em julgado) promovido pelos Apelantes para essa finalidade.”

Aduzem que, “em relação à Safra 2020/2021, que é objeto da execução ora embargada, onde se plantou soja, deve-se soja, e onde se plantou milho, milho é devido! CONTUDO, a execução busca receber sacas de soja sobre toda a área, mesmo tendo sido plantado milho em parte da área na safra principal, conforme confirmado pela testemunha dos próprios Embargados, ora Apelados, Sr. Otoniel.”

Destacam que “A quaestio que retira a liquidez do título extrajudicial decorre justamente da controvérsia estabelecida entre as partes onde se discute se houve repactuação da área de plantio, se houve plantio de área menor de soja safra, se houve plantio de milho safra, se houve plantio de milho safrinha e, especialmente, qual foi a área de cultivo das referidas culturas, uma vez que esta última informação é conditio da formação do preço do arrendamento, conforme expressa previsão contratual. Por corolário lógico, se houve redução da área de plantio de cultura de soja, deve ser também reduzido o quantum debeatur das sacas da respectiva cultura. Se houve, em substituição do cultivo de soja, a produção da correspondente área de milho, tanto lhe será devido o quantum debeatur do arrendamento em sacas da respectiva cultura de milho manejada! Isso retirou, de forma inequívoca, a liquidez do contrato originário, sendo este inservível ao aparelhamento de uma ação de execução.”

Sustentam que “inexiste liquidez no contrato embasada no teor da própria repactuação firmada entre as partes, em que restaram estabelecidas novas condições do arrendamento, como já fora amplamente abordado nas ações ordinárias revisionais propostas pelos Apelantes, e no bojo dos Embargos do Devedor já manejados em face da primeira execução proposta pelos Apelados.”

Dizem que “os Embargados omitem ardilosamente a imprescindível informação de que referido contrato de arrendamento sofreu repactuação verbal entre as partes, tendo sido ajustadas novas condições de i) cultura praticada e...

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