Acórdão nº 1004923-85.2019.8.11.0040 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Vice-Presidência, 23-06-2021

Data de Julgamento23 Junho 2021
Case OutcomeProvimento
Classe processualCível - APELAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO
ÓrgãoVice-Presidência
Número do processo1004923-85.2019.8.11.0040
AssuntoObrigação de Entregar

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO


Número Único: 1004923-85.2019.8.11.0040
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos à Execução, Obrigação de Entregar]
Relator: Des(a).
SERLY MARCONDES ALVES


Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). GUIOMAR TEODORO BORGES, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO]

Parte(s):
[JOAO LUCIANO COELHO - CPF: 661.874.270-68 (APELANTE), CLAYTON OUVERNEI - CPF: 700.441.551-15 (ADVOGADO), FLAVIO DE PINHO MASIERO - CPF: 010.284.951-02 (ADVOGADO), PBAGRO LOGISTICA E INSUMOS LTDA - CNPJ: 14.696.385/0001-88 (APELADO), PATRICIA TIEPPO ROSSI - CPF: 827.414.761-87 (ADVOGADO), LETICIA NISHIMOTO BRAGA CANTONI - CPF: 023.510.119-29 (ADVOGADO), MESSIAS E KAYSER LTDA (TERCEIRO INTERESSADO)]


A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROVIDO. UNÂNIME.


E M E N T A

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE PRODUTO RURAL – EMISSÃO PARA FINANCIAMENTO DE SAFRA – COMPROVAÇÃO – DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI – POSSIBILIDADE – TÍTULO QUE NÃO CIRCULOU – ENTREGA DOS INSUMOS AGRÍCOLA PELA CREDORA – NÃO DEMONSTRAÇÃO - REQUISITOS PARA EXECUTIVIDADE – NÃO PREENCHIDOS – RECURSO PROVIDO.

1. Em regra, a CPR é um título de crédito líquido e certo, de modo que admite o endosso, e ao circular por este meio, desvincula-se do negócio que lhe deu causa, por se tratar de cambial.

2. Por outro lado, embora não tenha sido a intenção do legislador, é cediço que a CPR geralmente é firmada visando à captação, pelo cooperado, de recursos financeiros necessários à produção da safra, sendo emitida pelos produtores rurais para garantia de produtos agrícolas, principalmente de insumos adquiridos, encerrando uma promessa de entrega, em quitação, do produto agropecuário.

3. Logo, em que pese a Cédula de Produto Rural seja, em regra, dotada de literalidade, autonomia e abstração, tais características não são absolutas, de maneira que, excepcionalmente, e não havendo circulação do título, é possível discutir a sua causa debendi.

4. Aliás, o próprio artigo 476 do Código Civil é explícito ao dispor que somente poderá ser cobrada a dívida em contratos bilaterais, quando a parte interessada cumprir a sua obrigação, viabilizando, caso contrário, a discussão da causa debendi.

5. O pagamento antecipado não é requisito essencial à validade das cédulas de produto rural apenas quando formalizadas a título de garantia do preço da commodity (isto é, quando seu emissor deseja somente se proteger dos riscos de flutuação do valor do produto no mercado futuro).

6. Assim, certo é que, se negada pelo emissor a causa subjacente da CPR, é ônus do credor a demonstração da referida causa, no caso, a entrega dos insumos agrícolas ao embargante/apelado.

7. Na hipótese, o embargante/apelante demonstrou não só que a CPR está vinculada ao negócio que lhe deu origem, como também a ausência dos atributos direcionados ao título em questão por força da Lei nº. 8.929/1994, qual seja, liquidez, certeza e exigibilidade, desincumbindo-se do ônus que lhe competia, a teor do que dispõe o art. 373, inciso I, do CPC.

8. Logo, havendo de se aferir se houve a efetiva entrega dos insumos agrícolas pela embargada/apelada, e que tais produtos correspondem ao valor consignado na Cédula de Produto Rural executada, tem-se que o título não se encontra revestido dos requisitos essenciais à sua exigibilidade, razão pela qual a nulidade da execução é manifesta.


R E L A T Ó R I O

Eminentes Pares:

Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto por João Luciano Coelho, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo 1ª Vara Cível da Comarca de Sorriso que, nos autos dos Embargos à Execução nº. 1004923-85.2019.8.11.0040, opostos em face de PBAgro Logística e Insumos Ltda., homologou o reconhecimento da procedência do pedido inicial no que pertine ao excesso de execução em quantia de 318.923,80 Kg de soja em grãos, equivalente a 5.135,43 sacas de soja, o qual deve ser deduzido do débito exequendo, com fundamento no art. 487, inciso III, “a” do CPC. Relativamente aos demais pedidos julgou-os improcedentes, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC. Por consequência, entendeu pela sucumbência recíproca, condenando os litigantes ao pagamento das custas e despesas processuais no percentual de 50% cada; e ao pagamento do percentual de 10% sobre o valor da causa, na forma do art. 85, §§ 2º e 14º, do CPC (ID 84921637).

Irresignado, o apelante aduz, preliminarmente, que a sentença é nula, por ser ela citra petita, uma vez que não houve a análise acerca do pedido incidental de exibição de documentos, tendo em vista que o feito demanda dilação probatória; da excessividade da multa astreintes; e, da limitação da referida multa.

Afirma que a decisão recorrida deixou de apreciar argumento importante da defesa, o que deverá levar ao reconhecimento da negativa de prestação jurisdicional (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).

Argumenta que a apelada não cumpriu com suas obrigações, pois não entregou a totalidade dos insumos agrícolas para o plantio da safra, assim como, deixou de realizar o financiamento do plantio da safra 2015/2016 que seria cultivada pelo apelante.

Defende que a apelada não comprovou nos autos o pagamento da soja perseguida, seja em espécie ou mediante a entrega de defensivos agrícolas, ou seja, inexiste qualquer extrato de adiantamento/insumos, comprovantes de transferência, notas fiscais ou comprovantes de entrega.

Menciona que, não obstante a Cédula de Produto Rural – CPR seja um título de crédito, não se pode negar que estamos diante de um contrato bilateral, ou seja, um contrato em que ambas as partes têm obrigações recíprocas, e que o cumprimento da obrigação de um dos contratantes depende do adimplemento obrigacional do outro, de modo que ambos são ao mesmo tempo credores e devedores.

Alega que fica devidamente demonstrado que fora a apelada quem deixou de cumprir com as suas obrigações contratuais, estando justificada a suspensão dos pagamentos por parte do apelante, de maneira que a dívida oriunda da Cédula de Produto Rural – CPR não possui exigibilidade, devendo ser a ação de execução declarada nula.

Enfatiza que a exequente/apelada acresceu uma quantidade de 36.480kg (trinta e seis mil, quatrocentos e oitenta quilos) de soja em razão da aplicação de juros de mora 1% (um por cento) ao mês, o que é inviável, uma vez que é cediço que na segunda fase da Ação de Execução para Entrega de Coisa, ou seja, quando da conversão para quantia certa é que incidirão os juros e correção monetária, o que inviabiliza a incidência dos juros quando a obrigação se trata de “entrega de coisa”, sob pena de gerar um bis in idem.

Destaca que a manutenção de uma multa no valor equivalente a 10% (dez por cento) sobre o valor inadimplido é abusivo e excessivo, pois, como ficou reconhecido pela sentenciante, da quantidade total de produto previsto na CPR houve o pagamento parcial da quantidade de 235.533kg (duzentos e trinta e cinco mil quinhentos e trinta e três quilos) de soja.

Salienta que, havendo a cobrança a maior, faz-se necessária a repetição dos valores cobrados indevidamente, nos termos do artigo 940 do Código Civil.

Argui que o valor da multa astreintes dever ser reduzido em atenção ao princípio de...

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