Acórdão nº 1007255-51.2021.8.11.0041 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara de Direito Privado, 07-06-2023

Data de Julgamento07 Junho 2023
Case OutcomeProvimento em Parte
Classe processualCível - APELAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Privado
Número do processo1007255-51.2021.8.11.0041
AssuntoRescisão / Resolução,Promessa de Compra e Venda

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO


Número Único: 1007255-51.2021.8.11.0041
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Rescisão / Resolução, Promessa de Compra e Venda, Cláusulas Abusivas]
Relator: Des(a).
MARILSEN ANDRADE ADDARIO


Turma Julgadora: [DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO, DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). SEBASTIAO DE MORAES FILHO]

Parte(s):
[SILNEIDE GONCALVES DE SOUZA CUNHA - CPF: 569.162.481-49 (APELADO), PITTER JOHNSON DA SILVA CAMPOS - CPF: 004.691.601-60 (ADVOGADO), PATRIMONIO INCORPORACOES E CONSTRUCOES LTDA - CNPJ: 17.878.475/0001-88 (APELANTE), VICTOR COUTINHO DA SILVA - CPF: 114.258.946-31 (ADVOGADO), FELIPE MERGH FORTUNA - CPF: 015.008.666-01 (ADVOGADO)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
SEBASTIAO DE MORAES FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME.

E M E N T A

EMENTA

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL – PROCEDENCIA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE HABITACIONAL AUTÔNOMA DO EDIFÍCIO IBIS CUIABA – (EMPREENDIMENTO HOTELEIRO) – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – REJEIÇÃO – MÉRITO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – APLICABILIDADE – INVESTIDOR – TEORIA FINALISTA MITIGADA – VULNERABILIDADE – CONSTATAÇÃO – PRECEDENTE DO STJ – DESISTÊNCIA DA AUTORA – RESCISÃO CONTRATUAL – CLÁUSULA DE IRRETRATABILIDADE E REVOGABILIDADE – NULIDADE – DESVANTAGEM EXAGERADA – RESCISÃO PERMITIDA – RESTITUIÇÃO DE VALORES – RETENÇÃO DE 25% DOS VALORES PAGOS – PRECEDENTES DO STJ – PRETENDIDA REVISÃO CONTRATUAL PELA REQUERIDA – ART. 479 DO CÓDIGO CIVIL – DESCABIMENTO – COMISSÃO DE CORRETAGEM – PREVISÃO CONTRATUAL EXPRESSA – LEGALIDADE DA COBRANÇA – TEMA 938 DO STJ – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Deve ser rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa, se intimadas as partes a especificarem as provas que pretendiam a produzir, a parte requerida se manteve inerte.

"o adquirente de unidade imobiliária, mesmo não sendo o destinatário final do bem e apenas possuindo o intuito de investir ou auferir lucro, poderá encontrar abrigo da legislação consumerista com base na teoria finalista mitigada se tiver agido de boa-fé e não detiver conhecimentos de mercado imobiliário nem expertise em incorporação, construção e venda de imóveis, sendo evidente a sua vulnerabilidade. Em outras palavras, o CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional (figura do consumidor investidor)" (REsp n. 1.785.802/SP, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/2/2019, DJe 6/3/2019).

No caso, a autora é empresária do ramo alimentício, e dessa forma não pode ser enquadrada como investidora do ramo imobiliário.

Induvidoso nos autos a culpa da autora/apelada pela rescisão antecipada do negócio, haja vista não ter mais condições de pagar as prestações perante a requerida/apelante.

É direito do comprador requerer a rescisão contratual, por livre motivação, como no caso em tela, pela impossibilidade de continuar suportando os encargos assumidos. Nesse sentido, a lei consumerista autoriza a resilição do compromisso de compra e venda por vontade do comprador (artigos 67, V, 51, II, 53 e 54).

A cláusula de irretratabilidade e irrevogabilidade põem o consumidor em situação de desvantagem exagerada, sendo nula de pleno direito, na forma do art. 51, II e IV do Código de Defesa do Consumidor.

Segundo precedentes do STJ, na rescisão de contrato de compra e venda de imóvel por desistência do comprador, mesmo anteriormente à Lei 13.786/2018, deve prevalecer o percentual de retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelo adquirente, por ser esse percentual adequado e suficiente para indenizar o construtor das despesas gerais e do rompimento unilateral do contrato.

Dessa forma, é justa a retenção de 25% dos valores pagos, além de estar de acordo com o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para ressarcir a requerida/apelante pelas despesas gerais e do rompimento unilateral do contrato.

Reconhecida a rescisão contratual por desistência do comprador, não há se falar em revisão contratual pretendida pela requerida/apelante, com base no art. 479 do Código Civil.

De acordo com a tese paradigma do Tema 938 do STJ julgado em recurso repetitivo, é plenamente admissível o ajuste entre os contratantes para o repasse, ao adquirente, da obrigação de arcar com as “despesas comerciais” – dentre as quais se insere a chamada comissão de corretagem – desde que haja previsão expressa, o que ocorreu no caso em tela.

Desse modo, reconhecida a legalidade da cobrança realizada a título de comissão de corretagem, imperiosa sua retenção.-

R E L A T Ó R I O

RELATÓRIO

EXMA. SRA. DESA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por PATRIMONIO INCORPORAÇÕES E CONSTRUÇÕES LTDA, contra a sentença que julgou procedente a Ação de Rescisão Contratual ajuizada por SILNEIDE GONÇALVES DE SOUZA CUNHA, para:

a) Declarar rescindido o contrato firmado entre as partes e discutido nos autos (Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda de Unidade Habitacional Autônoma do Edifício Ibis Cuiabá, unidade 305);

b) Condenar o requerido a restituir 75% dos valores pagos pelo imóvel, os quais deverão ser corrigidos pelo INPC a partir de cada pagamento e juros de mora a partir do trânsito em julgado desta sentença, em parcela única;

c) Condenar o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do artigo 85, §§ 1º e 2º, do CPC/15.

Em suas razões recursais, a requerida alega, preliminarmente, cerceamento de defesa, sob o argumento de decisão surpresa, haja vista que a recorrente manifestou expressamente o interesse na produção de prova oral requerida na contestação, contudo, foi prolatada a sentença sem a oitiva da recorrente.

No mérito, aduz que as partes celebraram compromisso particular de compra e venda de unidade hoteleira integrante do Edifício Hotel Ibis Cuiabá, já concluído e que essa relação não deve ser considerada como relação de consumo, principalmente porque a apelada não figura como destinatária e usuária final da unidade hotelaria adquirida.

Sustenta que a hipótese dos autos é de pura desistência contratual, sendo certo que a apelada não se dignou a alegar e tampouco a provar algum motivo justificável que lhe permitisse, em tese, desistir do contrato ou até mesmo ter o contrato rescindido e a legislação aplicável ao caso (Lei 4.591/64) não permite a desistência contratual.

Aduz que o instrumento particular foi assinado pelas partes em caráter irretratável e irrevogável, não havendo qualquer violação nesse sentido.

Afirma que o percentual de 25% de retenção não é suficiente para reparar os prejuízos experimentados pela recorrida em virtude da rescisão.

Relata que em respeito à eventualidade, na hipótese de não ser integralmente provido o recurso, invocando o art. 479 do CPC/15, requer a manutenção do contrato, reajustando as parcelas devidas pela recorrida para 55 (cinquenta e cinco) prestações de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), atualizadas pelo IGPM mais 1%, sem intermediárias, com a formalização da competente escritura com pacto adjeto de alienação fiduciária.

Expõe que se não for acolhido os argumentos acima e o pedido de revisão contratual, requer a reforma da decisão de origem a fim de permitir à INCORPORADORA a retenção do montante destinado à intermediação imobiliária, quantia essa não auferida pela recorrente, conforme disposto na cláusula 14 do contrato celebrado.

Ao final, requereu o acolhimento da preliminar arguida e como consequência, a anulação da sentença. No mérito, requereu o provimento do recurso e improcedência da ação. Em respeito à eventualidade, requereu a revisão do contrato, em atendimento ao art. 479 do Código Civil. Se mantida a extinção do contrato, requereu seja acrescido ao percentual da retenção da quantia proveniente da intermediação imobiliária, correspondente a 5% (cinco por cento) já que não auferida pela INCOPORADORA.

As contrarrazões foram aportadas no ID nº 166110293, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.-

V O T O R E L A T O R

VOTO - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA

EXMA. SRA. DESA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO

Egrégia Câmara:

Em suas razões de apelação a apelante argui o cerceamento do direito de defesa, em razão do julgamento do feito sem a necessária instrução processual.

Contudo, é cabível o julgamento antecipado da lide, quando não há necessidade de complementação probatória para formar o convencimento do julgador.

No caso, a prova documental revela-se suficiente ao deslinde da causa.

Dessa forma, considerado pelo juízo de origem que a dilação probatória é desnecessária para o julgamento da causa, agiu com acerto ao dispensar a produção de outras provas e ao proferir ao julgamento antecipado da lide.

Ademais,...

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