Acórdão nº 1012450-72.2023.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara Criminal, 01-08-2023

Data de Julgamento01 Agosto 2023
Case Outcome210 Concessão / Habeas corpus
Classe processualCriminal - HABEAS CORPUS CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Número do processo1012450-72.2023.8.11.0000
AssuntoEstelionato

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

NÚMERO ÚNICO: 1012450-72.2023.8.11.0000

CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307)

ASSUNTO: [ESTELIONATO, PROVA ILÍCITA]

RELATOR: DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI

Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). PAULO DA CUNHA]

Parte(s):
[RENAN FERNANDO SERRA ROCHA SANTOS - CPF: 036.738.271-70 (ADVOGADO), JOAO CLAUDIO FRANZONI BARBOSA - CPF: 625.111.496-72 (INTERESSADO), ULISSES RABANEDA DOS SANTOS - CPF: 961.230.011-91 (IMPETRANTE), 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CUIABA (IMPETRADO), PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS), RENAN FERNANDO SERRA ROCHA SANTOS - CPF: 036.738.271-70 (IMPETRANTE), JOAO CLAUDIO FRANZONI BARBOSA - CPF: 625.111.496-72 (PACIENTE), ULISSES RABANEDA DOS SANTOS - CPF: 961.230.011-91 (ADVOGADO), JUÍZO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CUIABÁ (IMPETRADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), MARCUS VINICIUS ARAUJO FRANCA - CPF: 996.249.151-72 (TERCEIRO INTERESSADO), CRIATIVA COMERCIO DE UTENSILIOS DO LAR LTDA - CNPJ: 03.456.249/0001-02 (VÍTIMA)]

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARCOS MACHADO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONCEDEU A ORDEM.

E M E N T A

HABEAS CORPUS – ESTELIONATO [ART. 171, CAPUT, C/C ART. 29, AMBOS DO CP] – JUNTADA DE REGISTROS AUDIOVISUAIS DA AUDIÊNCIA DE TENTATIVA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL, QUE FOI INFRUTÍFERA – CONFIDENCIALIDADE DAS DECLARAÇÕES – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ – PROVA ILEGAL QUE DEVE SER DESENTRANHADA DOS AUTOS. ALEGADA NULIDADE DA DENÚNCIA, EMBASADA EM OUTROS ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS AO LONGO DA FASE INQUISITIVA – DESCABIMENTO – NULIDADE DA DENÚNCIA – ORDEM CONCEDIDA, EM DISSONÂNCIA COM O PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

Viola os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da confidencialidade, aplicáveis ao acordo de não persecução penal, a juntada, pelo Promotor de Justiça, dos registros audiovisuais da audiência extrajudicial realizada especificamente para tal finalidade, devendo ser considerada como prova ilegal e desentranhada da ação penal.

Contaminada a denúncia pela prova ilegal, deve ser declarada a nulidade dela, ressalvada a possibilidade de nova persecução penal ser intentada com base em elementos lícitos.


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 1012450-72.2023.8.11.0000


IMPETRANTE: ULISSES RABANEDA DOS SANTOS, RENAN FERNANDO SERRA ROCHA SANTOS
PACIENTE: JOAO CLAUDIO FRANZONI BARBOSA
IMPETRADO: JUÍZO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CUIABÁ

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR):

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de JOÃO CLÁUDIO FRANZONI BARBOSA, apontando como autoridade coatora o Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá.

Narra que o Ministério Público ofereceu denúncia contra o paciente, imputando-lhe a prática do crime de estelionato [art. 171, caput, c/c art. 29, ambos do CP] e que, para subsidiar a tese acusatória, serviu-se de “prova manifestamente ilícita”, qual seja, as declarações prestadas em audiência extrajudicial, especificamente designada para negociar acordo de não persecução penal, que restou infrutífera.

Aduz que, ao apresentar resposta à acusação, deduziu, dentre outras teses, a ilicitude da prova em questão e, por conseguinte, a nulidade da denúncia que dela se valeu, o que foi rechaçado pela autoridade coatora, que afirmou a legalidade dela e recebeu a denúncia, dando prosseguimento à ação penal.

Traça um paralelo entre a seara negocial no acordo de não persecução penal com a Justiça Restaurativa, regulada pela Resolução n. 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça, com o Código de Processo Civil e com o acordo de colaboração premiada para concluir que a confidencialidade e a boa-fé foram quebradas pelo órgão acusatório.

Almeja o reconhecimento do caráter ilícito da prova impugnada para que seja determinado o seu desentranhamento e, via de consequência, a declaração da nulidade da denúncia “em razão desta fazer menção e transcrever referidos elementos”.

A liminar, que pleiteava a suspensão da ação penal até o julgamento do writ, foi indeferida pelo Desembargador Paulo da Cunha.

Nas informações que prestou, o juízo singular noticiou que afastou o pleito de nulidade da denúncia por entender que a peça inaugural “não fica prejudicada pela simples juntada, uma vez que o Ministério Público baseou a acusação nos demais elementos produzidos no Inquérito Policial, além de descrever a suposta ocorrência de crime e de qualificar os supostos acusados”.

A Procuradoria de Justiça opinou pela denegação da ordem, por entender que “a juntada do Termo de Acordo de não persecução penal, em nada auxiliou a formação do opinio delicti, tanto é que, restou infrutífera, e, caso houvesse confissão pelo paciente na seara extrajudicial, o Ministério Público ao designar audiência para propor o acordo, ao se valer da confissão espontânea e voluntária do agente infrator, não poderia negar a celebração do acordo para posteriormente se valer da confissão para propor a ação penal”.

É o relatório.

P A R E C E R (ORAL)

O EXMO. SR. DR. JOSÉ NORBERTO DE MEDEIROS JUNIOR (PROCURADOR DE JUSTIÇA):

Ratifico o parecer escrito pela denegação da ordem.

EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR):

Senhor Presidente,

Permita-me fazer um breve resumo do meu voto, talvez a minha conclusão satisfaça o eminente jurista e advogado, Ulisses Rabaneda.

V O T O

EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR):

Em 08/01/2015 foi instaurado o Inquérito Policial nº 016/2015/DEPOLCARUMBÉ para apurar a suposta prática do crime de estelionato contra a vítima CRIATIVA COMÉRCIO DE UTENSÍLIOS DO LAR LTDA.

O requerimento escrito, subscrito pelo representante legal da referida empresa e seu advogado, narra, em síntese, que em junho/2012 foi procurada pelo advogado MARCOS VINÍCIUS FRANCA, que se apresentou como Diretor de Operações no escritório AMARAL E BARBOSA ADVOGADOS, com atuação nacional e larga experiência no Direito Tributário, o qual lhe apresentou proposta de serviços jurídico-contábeis a serem executados na esfera administrativa, com a finalidade de recuperação de créditos fiscais.

Nas tratativas, MARCOS VÍNICIUS teria entregado à CRIATIVA um ofício/parecer, acompanhado de um “Relatório SINCOR”, no qual, resumidamente, apresentava um “crédito líquido e certo” de mais de seiscentos mil reais à época, exigíveis contra a União, razão pela qual, induzida por tal informação, firmou contrato de prestação de serviços em 18/07/2012.

Acrescentou que o indigitado contrato tinha como objeto “a realização de levantamentos contábeis para identificação de créditos fiscais contra a União”, mas que o referido levantamento já teria sido feito antes da contratação, questionando, inclusive, a eventual quebra de sigilo fiscal, pois os dados já haviam sido obtidos ao tempo da outorga da procuração com tal finalidade.

Em contrapartida, pagou R$ 232.614,30 [duzentos e trinta e dois mil, seiscentos e quatorze reais, trinta centavos] a título de honorários pela execução do serviço entabulado.

Informou que, no período compreendido entre 24/08/2012 a 25/01/2013, “realizou, mediante orientações dos advogados, diversos procedimentos administrativos de compensação de débitos tributários com os créditos registrados no Extrato recebido, compensando o valor total de R$ 700.698,29 (setecentos mil, seiscentos e noventa e oito reais, vinte nove centavos)” e, logo em seguida, em fevereiro/2013, foi notificada pela Receita Federal que sua declaração de compensação foi indeferida em face da inexistência de crédito.

Após socorrer-se de uma auditoria contábil, a CRIATIVA concluiu que “havia sido ludibriada pelos denunciados”, uma vez que “o anunciado crédito fiscal não existia e não tinha origem contábil”, o que lhe obrigou a retificar sua documentação contábil e recolher os tributos devidos, no total de R$ 683.860,75 [seiscentos e oitenta e três mil, oitocentos e sessenta reais, setenta e cinco centavos].

Feita essa breve síntese sobre os fatos que deram azo à instauração do inquérito policial, anoto que, após vários anos de tramitação do caderno investigativo, com a realização das diligências necessárias para apuração da materialidade do crime e da autoria dele, o Ministério Público designou para 04/03/2022 “Audiência Extrajudicial de Acordo de Não Persecução Penal”.

O Termo de Audiência, que contou com a presença do paciente, está encartado na ação penal e nele consta o seguinte, ipsis litteris:

“Inquérito Policial nº 015660-001/2014

Data e horário: 04/03/2022, às 14h04min.

TERMO DE AUDIÊNCIA DE TENTATIVA DE ANPP

Aos quatro dias do mês de março do ano de dois mil e vinte e dois, às 14h04min, foi realizada, via aplicativo Microsoft Teams, em sala criada pela 10ª Promotoria de Justiça Criminal, Audiência de Acordo de Não Persecução Penal, que contou com a presença do indiciado JOÃO CLÁUDIO FRANZONI BARBOSA, RG nº M7293190 SSP/MG, CPF nº 625.111.496-72, nascido em 06/07/1973, filho de Maria do Carmo Franzoni Barbosa, residente à Avenida Barão do Rio Branco, nº 4477, bairro Bom Pastor, em Juiz de Fora/MG, telefone (32) 2101-2101 e e-mail jclaudio@amaralebarbosa.com.br.

Na ocasião, o Ministério Público ofereceu ao indiciado JOÃO CLÁUDIO proposta de Acordo de Não Persecução Penal - ANPP, contudo, restou infrutífera, uma vez que foi recusado por JOÃO CLÁUDIO FRANZONI BARBOSA, por não ter interesse em confessar o crime, requisito previsto em lei para o oferecimento da ANPP.

A audiência foi encerrada às 14h30min.

Determinei a lavratura da presente ata, dispensando-se a assinatura dos presentes, já que a audiência foi documentada mediante gravação audiovisual que ficará arquivada na rede interna do...

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