Acórdão nº 1013328-02.2022.8.11.0042 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara Criminal, 09-05-2023

Data de Julgamento09 Maio 2023
Case OutcomeNão-Provimento
Classe processualCriminal - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Número do processo1013328-02.2022.8.11.0042
AssuntoCrime Tentado

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1013328-02.2022.8.11.0042
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)
Assunto: [Crime Tentado, Violência Doméstica Contra a Mulher, Feminicídio]
Relator: Des(a).
ORLANDO DE ALMEIDA PERRI


Turma Julgadora: [DES(A). PAULO DA CUNHA, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). MARCOS MACHADO]

Parte(s):
[ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRIDO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (REPRESENTANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), JACKSON CRYSTIAN RAMOS GONCALVES - CPF: 055.838.641-50 (RECORRENTE), ANA GERMANA DE MORAES - CPF: 818.942.871-34 (ADVOGADO), ESTECLIDES BARBOSA JUNIOR - CPF: 856.476.831-34 (ADVOGADO), ADEMIR ROSA GOMES - CPF: 797.096.481-87 (ADVOGADO), LAURA KAMYLA APARECIDA DA SILVA - CPF: 079.959.951-48 (VÍTIMA), IUNI UNIC EDUCACIONAL LTDA - CNPJ: 33.005.265/0005-65 (REPRESENTANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
MARCOS MACHADO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO.

E M E N T A

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 1013328-02.2022.8.11.0042


RECORRENTE: JACKSON CRYSTIAN RAMOS GONCALVES

RECORRIDO: ESTADO DE MATO GROSSO, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

REPRESENTANTE: ESTADO DE MATO GROSSO, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO (CP, ART. 121, § 2º, II, IV E VI, C/C ART. 14, II) – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – RECURSO DEFENSIVO – PRETENDIDA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LESÃO CORPORAL, POR AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI – IMPOSSIBILIDADE – INDÍCIOS DE ANIMUS NECANDI – DÚVIDA QUE IMPEDE A DESCLASSIFICAÇÃO – AUSÊNCIA DE VERSÃO UNÂNIME E CRISTALINA – MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA – PRETENDIDO O DECOTE DAS QUALIFICADORAS – INVIABILIDADE – PRESENÇA DE PROVAS MÍNIMAS – APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI – – RECURSO NÃO PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.

A desclassificação do delito de competência do Tribunal do Júri durante a fase de judicium accusationis exige prova unânime, cabal e cristalina, apontando para uma única solução.

Havendo indícios da presença de animus necandi, não há falar em desclassificação para delito de competência diversa do Tribunal do Júri.

Durante a fase de pronúncia somente seria possível o afastamento de qualificadora quando inexistir qualquer elemento probatório para ampará-la, bem assim manifestamente improcedente.

O ciúme pode qualificar o crime de homicídio, cabendo a sua análise do Conselho de Sentença.

Havendo indicativos de que a questão de gênero se fez presente, cumpre aos jurados avaliar se configurada a qualificadora do feminicídio.

Presentes elementos que o réu agiu de modo surpreender a vítima e mitigar as chances de defesa, a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima deve ser posta para avaliação do Tribunal do Júri.

R E L A T Ó R I O

ESTADO DE MATO GROSSO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 1013328-02.2022.8.11.0042


RECORRENTE: JACKSON CRYSTIAN RAMOS GONCALVES

RECORRIDO: ESTADO DE MATO GROSSO, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

REPRESENTANTE: ESTADO DE MATO GROSSO, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. PAULO DA CUNHA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pela defesa de Jackson Crystian Ramos Gonçalves contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Cuiabá, que o pronunciou pela prática, em tese, dos crimes de homicídio qualificado tentado, previsto no art. 121, § 2º, incisos II (motivo fútil), IV (dificuldade de defesa) e VI (feminicídio) c/c § 2º-A, inciso I, c/c artigo 14, inciso II, ameaça, inscrito no art. 147, caput, c/c art. 61, inciso II, alínea “f”, e violação de domicílio, previsto no art. 150, caput, todos do Código Penal (id. 158516540).

Inconformado, a defesa sustenta a desclassificação do delito de homicídio para o crime de lesão corporal, diante da ausência de animus necandi. Alternativamente, requer a exclusão das qualificadoras do motivo fútil, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio. Ao final, postula a revogação da prisão preventiva imposta (id. 158516545).

Apresentadas as contrarrazões (id. 158516554), a decisão recorrida foi mantida (id. 158516555).

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso defensivo (id. 163130667).

É o relatório.


V O T O R E L A T O R

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 1013328-02.2022.8.11.0042


V O T O

EXMO. SR. DES. PAULO DA CUNHA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

O recurso é cabível (CPP, art. 581, IV), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica a hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107).

Da desclassificação:

A defesa insiste seja operada a desclassificação do crime de homicídio qualificado tentado para a conduta descrita no art. 129 do Código Penal.

A denúncia descreve o seguinte:

[...] Consta do presente inquérito policial que o denunciado JACKSON CRYSTIAN RAMOS GONÇALVES e a vítima Laura Kamyla Aparecida da Silva namoraram por cerca de 08 (oito) meses, porém estavam separados há cerca de 01 (um) mês, da data dos fatos, e não tiveram filhos em comum.

O relacionamento do casal sempre foi conturbado, em razão do comportamento ciumento e possessivo de JACKSON. No mês de janeiro de 2022, tiveram uma discussão e o denunciado tentou agredir a vítima. Após este fato, Laura decidiu romper o relacionamento, porém o denunciado não aceitou o término e passou e ameaçá-la, dizendo "SE VOCÊ NÃO VOLTAR COMIGO EU NÃO VOU DEIXAR BARATO, NÃO VOU TE PERDER TÃO FÁCIL; SEMPRE EU VOU ATRÁS DE VOCÊ", deixando-a temerosa.

No dia 21/02/2022, por volta das 05h00min, a vítima se deslocou até a residência de uma amiga, no bairro Tijucal, Cuiabá/MT, para buscar sua filha, quando um amigo, Sr. Diego Bruno, chegou no local e ofereceu carona até sua residência, tendo Laura aceitado.

Ato contínuo, por volta das 05h15min, ao chegarem na residência da ofendida, localizada na Rua dos Lírios, quadra 06, nº 04, Bairro Novo Milênio, Cuiabá/MT, a filha de Laura percebeu que JACKSON havia adentrado, clandestinamente, na casa e avisou sua genitora, pedindo para a criança ir para o quarto e trancar a porta.

Laura, então, pediu para JACKSON pegar seus pertences e ir embora, contudo, o denunciado, já bastante nervoso, queria que a vítima tirasse a roupa do corpo e a devolvesse, pois teria sido dada de presente, rasgando o vestido que Laura estava usando.

No mesmo instante, JACKSON puxou uma faca que estava em sua cintura e golpeou Laura no abdômen, porém, a vítima conseguiu tomar a faca do denunciado e gritou, momento em que o amigo Diego Bruno mobilizou JACKSON e o colocou para fora da residência trancando a porta.

Conforme laudo pericial nº 1.1.02.2022.004778-01 (em anexo) a vítima sofreu lesões gravíssimas, "(…) houve lesão do fígado, com necessidade de intervenção cirúrgica. A presença de lesão/perfuração hepática com necessidade de intervenção cirúrgica caracteriza perigo à vida (...)", que somente não causaram a sua morte por ter conseguido se defender e ter sido socorrida pelo amigo.

O crime foi cometido sem que existisse qualquer motivação relevante para tal, meio a uma discussão banal provocada pelo denunciado, agindo, portanto, impelido por motivo fútil.

O denunciado, ainda, agrediu a vítima repentina e inesperadamente, dificultando esboçar qualquer gesto eficiente de defesa.

JACKSON praticou o crime num contexto de violência doméstica por ele alimentada, prevalecendo-se de sua superioridade física, em flagrante menosprezo à condição de mulher da vítima (eram ex-namorados), e, portanto, por razões da condição do sexo feminino da vítima, pois com ela manteve um relacionamento amoroso. [...] (sic do id. 158516468).

Com efeito, a eventual desclassificação do crime de homicídio para delito que não pertence à competência do Tribunal Popular exige prova inconteste da não ocorrência de crime doloso contra a vida.

Nesse mesmo sentido é a remansosa jurisprudência do TJMT:

[...] A desclassificação para delito estranho à competência do Tribunal do Júri só é possível diante de provas que evidenciem de forma insofismável a ausência do animus necandi, dispensando uma análise aprofundada das circunstâncias fáticas ou subjetivas que permeiam o caso. Diferente disso, havendo elementos que indiquem a possível existência de dolo eventual na conduta [...], a dúvida quanto ao elemento psicológico do réu deve ser dirimida pelo juiz natural da causa, que é o Tribunal do Júri. [...] (TJMT, RESE n. 1009352-50.2021.8.11.0000, Relator Des. Marcos Machado, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 26/10/2021).

Assim, na atual fase do procedimento do Tribunal do Júri (judicium accusationis), para a desclassificação do delito, a prova dos autos deve ser unânime, cabal e cristalina, apontando para uma única solução, o que não ocorreu na espécie.

Não existem dúvidas quanto à materialidade do crime, demonstrada pelo boletim de ocorrência n. 2022.48022 (id. 158515295), pedido...

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