Acórdão nº 1014626-29.2022.8.11.0042 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
Case OutcomeProvimento em Parte
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Número do processo1014626-29.2022.8.11.0042
AssuntoTráfico de Drogas e Condutas Afins
Classe processualCriminal - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1014626-29.2022.8.11.0042
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins]
Relator: Des(a).
JOSE ZUQUIM NOGUEIRA


Turma Julgadora: [DES(A). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, DES(A). PEDRO SAKAMOTO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), VICTOR ALEXANDRE DOMINGUES SOARES LOPES - CPF: 076.381.569-19 (APELANTE), THEMYSTOCLES NEY DE AZEVEDO DE FIGUEIREDO - CPF: 004.981.261-02 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO DOUTO RELATOR. EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.


E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO ATIVA – NULIDADE DAS PROVAS – NÃO OCORRÊNCIA - FUNDADAS RAZÕES (JUSTA CAUSA) PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS EM DOMICÍLIO – LICITUDE VERIFICADA – DOSIMETRIA DA PENA - PENA-BASE – QUANTIDADE VULTOSA DE DROGA (ART. 42, DA LEI DE DROGAS) – ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – READEQUAÇÃO - CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA (ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343 /06) – NÃO CABIMENTO – DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA – IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL MENOS GRAVOSO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

A entrada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em fundadas razões que indiquem que em seu interior ocorre situação de flagrante delito.

Constatada a existência de indícios prévios da prática criminosa, o que autoriza o ingresso dos policiais no interior do imóvel do suspeito sem mandado judicial, não há falar em nulidade da busca e apreensão domiciliar assim como das provas dela decorrentes.

Tendo o acusado admitido à prática do crime de tráfico e o magistrado utilizado da confissão para fundamentar o decreto condenatório, impõe-se a aplicação da fração de 1/6 de redução pela atenuante de confissão espontânea.

Afasta-se o redutor descrito no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, quando demonstrado que o réu pertence a organização criminosa.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de apelação criminal tirado em face de decisão que condenou Victor Alexandre Domingues Soares Lopes, como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06 (tráfico de drogas) e artigo 333, do Código Penal, à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, além de 1010 (mil e dez) dias-multa.

A defesa sustenta a nulidade do flagrante no interior da residência, tendo em vista a não autorização para o seu ingresso, o que ficou evidenciado pela contradição apresentada no depoimento dos policiais ouvidos em juízo.

Salienta a necessidade de absolvição do crime de corrupção ativa porque não foi confirmado perante a autoridade judiciária. Invoca o princípio do in dubio pro reo.

Por fim, rechaça a pena aplicada ao crime de tráfico, tendo em vista a sua contradição com a fundamentação apresentada, a desconsideração da atenuante da confissão e a causa de diminuição da pena, prevista no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/06. Pede a alteração do regime inicial do cumprimento de pena para semi-aberto.

Manifestou em contrarrazões, o Ministério Público Estadual, pugnando pelo provimento parcial do recurso, a fim de ser reconhecida a atenuante de confissão (Id. 156317747).

Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer encartado no Id. 161323174, opinou pelo provimento parcial do recurso, para reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.

É o relatório.

Submeto o presente à Revisão.

V O T O R E L A T O R

EXMO. SR. DES. JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Como asseverado, a defesa pretende a reforma da sentença, para absolvição do crime de tráfico, ante a nulidade do flagrante delito e do crime de corrupção ativa, pela não confirmação das provas perante a autoridade judiciária. Rechaça a pena aplicada ao crime de tráfico, diante da fundamentação contraditória e desconsideração da atenuante de confissão e da causa de diminuição da pena. E, ainda, pede a adequação do regime inicial fixado para o cumprimento da pena.

O recurso merece parcial acolhimento.

De início, ao contrário do que afirma o apelante, não há falar em nulidade das provas obtidas por meio do ingresso em domicílio quando existentes elementos indicativos da ocorrência de crime e, evidenciada, já de antemão, hipótese em flagrante delito (HC 538.256/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 12/02/2020).

No caso, extrai-se da denúncia, que no dia 15 de setembro de 2022, às 16h, no Residencial Loft Prime, Rua Alfenas, nº 2780, Bairro Jardim Mariana, nesta cidade, o denunciado Victor Alexandre Domingues Soares Lopes tinha em depósito e transportava, para outros fins que não o consumo pessoal, 12.333 (doze mil, trezentos e trinta e três) comprimidos de MDMA (ecstasy), com massa total de 5,18 kg (cinco quilogramas e dezoito gramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (laudo pericial nº 759/2022 – SETEC/SR/PF/MT – ID nº 95263875 – p. 26 e laudo pericial nº 786/2022 – SETEC/SR/PF/MT).

Constou, ainda, da denúncia, que no dia 24 de julho de 2022, os investigadores da Polícia Federal receberam denúncia anônima informando que o denunciado seria o responsável pela produção de drogas sintéticas em um laboratório nas proximidades do distrito da Guia, em Cuiabá, o que deu ensejo à investigação da sua rotina e padrão de vida, até o momento em que uma guarnição militar foi acionada pela equipe de inteligência e realizou a abordagem do veículo Audi A3 utilizado por Victor, ocasião em que fora localizado 3 (três) potes plásticos contendo comprimidos de ecstasy e, diante da tentativa de empreender fuga foi captura, oportunidade que confirmou a existência de mais ilícitos em sua residência.

Em razão disso, os agentes adentraram no imóvel e lograram êxito na localização de mais 9 (nove) potes com a mesma substância apreendida no veículo, além de 1 (uma) balança de precisão e, relataram que o denunciado ofereceu um veículo novo para cada agente caso fosse liberado, além de certa quantia em dinheiro (Id. 156315716).

Pois bem.

AConstituição Federalexpressamente autoriza - art.5º,XI - a busca domiciliar sem mandado judicial em casos excepcionais, sendo uma destas hipóteses quando da ocorrência de flagrante delito: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado emdomicíliosem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJe 8/10/2010).

Nesse sentido, o ingresso emdomicílioalheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. Portanto, somente quando o contexto fático anterior àinvasãopermitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade dodomicílio.

Ressalta-se que o crime imputado ao recorrente tem natureza permanente, o que legitima a entrada de policiais emdomicílioa fim de cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva capazes de demonstrar a ocorrência de situação flagrancial.

Deve-se frisar, ainda, que a denúncia anônima, quando acompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, legitima o ingresso de policiais em domicílio, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR DESPROVIDA DE MANDADO JUDICIAL. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DELITIVA. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRÉVIAS E DE FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE. NULIDADE DA PROVA OBTIDA E DAQUELAS DELA DERIVADAS. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO PROVIDO. 1. Nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, ocorra situação de flagrante delito. 2. A denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos indicativos da ocorrência de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, inexistindo, nessas situações, justa causa para a medida. 3. A prova obtida com violação à norma constitucional é imprestável a legitimar os atos dela derivados. 4. Recurso especial provido para reconhecer a ilicitude das provas obtidas por meio de violação de domicílio e dela derivadas, por conseguinte, absolver o recorrente, com fulcro no art. 386, II, do CPP. (STJ - REsp: 1871856 SE 2020/0030697-7, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 23/06/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/06/2020) (des...

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