Acórdão nº 1020104-18.2020.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Órgão Especial, 11-03-2021

Data de Julgamento11 Março 2021
Case OutcomeProcedência
Classe processualCível - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL - ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL
ÓrgãoÓrgão Especial
Número do processo1020104-18.2020.8.11.0000
AssuntoEfeitos da Declaração de Inconstitucionalidade

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


ÓRGÃO ESPECIAL


Número Único: 1020104-18.2020.8.11.0000
Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95)
Assunto: [Inconstitucionalidade Material, Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade]
Relator: Des(a).
MARCOS MACHADO


Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). MARIA APARECIDA RIBEIRO, DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO DA CUNHA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE MORAES FILHO]

Parte(s):
[PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO (AUTOR), MUNICIPIO DE SINOP (REU), MUNICIPIO DE SINOP - CNPJ: 15.024.003/0001-32 (REU), ESTADO DE MATO GROSSO - PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA (CUSTOS LEGIS), THIAGO REBELLATO ZORZETO - CPF: 335.007.318-21 (ADVOGADO), AELOS - ASSOCIACAO DAS EMPRESAS LOTEADORAS DE SINOP - CNPJ: 13.289.876/0001-41 (TERCEIRO INTERESSADO), UNIAO DAS CAMARAS MUNICIPAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO - UCMMAT - CNPJ: 33.003.757/0001-98 (TERCEIRO INTERESSADO), JULIO CESAR MOREIRA SILVA JUNIOR - CPF: 855.394.301-15 (ADVOGADO)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, JULGOU PROCEDENTE A AÇÃO E, POR MAIORIA ABSOLUTA, MODULOU COM EFEITOS EX NUNC, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

E M E N T A

EMENTA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR Nº 177/2019 [“PROMOVE ALTERAÇÕES NA LEI COMPLEMENTAR Nº 029/2006, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2006, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”] E DA LEI COMPLEMENTAR Nº 178/2019 [DISPÕE SOBRE O PARCELAMENTO DO SOLO DE IMÓVEIS LOCALIZADOS NA ZONA URBANA ESPECÍFICA PARA REGULARIZAÇÃO DE CHÁCARAS DE RECREIO - ZUECR E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”], AMBAS DO MUNICÍPIO DE SINOP/MT – PROJETOS DE CHÁCARAS DE RECREIO – NATUREZA DE IMÓVEL URBANO – ALTERAÇÃO NO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO – AUDIÊNCIA PÚBLICA NÃO REALIZADA - AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR – LIÇÕES DOUTRINÁRIAS – JULGADOS DO TJMT – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – FALTA DE ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – AUDIÊNCIA DO INCRA – REQUISITOS PREVISTOS EM LEIS FEDERAIS – EXACERBAÇÃO DO PODER SUPLEMENTAR DE LEGISLAÇÃO – ÔNUS PELA INFRAESTRUTURA - RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO E LOTEADORES – VÍCIO MATERIAL – PERÍODO DE VIGÊNCIA DA LEI – SEGURANÇA JURÍDICA E INTERESSE SOCIAL – MODULAÇÃO - EFEITOS EX NUNC A PARTIR DA DATA DE JULGAMENTO – PROCEDÊNCIA.

A formação dos núcleos residenciais de recreio “depende de planejamento urbanístico que se traduza em planos integrados” (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 371/372), pois se tratam de imóveis urbanos, inclusive sujeitos a cobrança de IPTU (STJ, AgInt no AREsp 1197346/SP; AgRg no REsp 783.794/SP), ainda que situados em área rural.

A legislação sobre matérias urbanísticas deve ser precedida de realização da audiência pública, com ampla participação popular, inserindo entidades comunitárias nos processos para a construção de espaços democráticos, nos termos dos arts. 174, VI, 301 e 307, § 3º da CE. (TJMT, ADI N.U 1003094-63.2017.8.11.0000 e ADI N.U 0020031-05.2016.8.11.0000)

A planificação municipal, instrumentalizada através do Plano Diretor, expressamente previsto no Estatuto da Cidade, mostra-se imprescindível para “direcionar a atuação estatal e as atividades dos munícipes na consecução do desenvolvimento sustentável das cidades, garantindo, por consequência, uma vida digna a todos, a teor do disposto no art. 225, da Constituição Federal. Por esse motivo, a participação popular deve corresponder a uma atuação efetiva e consciente da sociedade, “que deve se apresentar bem informada e crítica em relação aos [...] elementos que lhes serão passados, atentos, portanto, às expectativas socioambientais de toda a população” (REIS, Émilien Vilas Boas. Venâncio, Stephanie Rodrigues. O Direito à Cidade e a Participação Popular no Planejamento Urbano Municipal. Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 1205-1230).

“É possível concluir que a gestão democrática das cidades deve ser considerada uma decisão coletiva, compartilhada entre a administração pública e a sociedade, resultando em um pacto social, em que os vários interesses envolvidos sejam ponderados de maneira a ordenar o território de forma sustentável, assegurando basicamente à população espaços adequados ao lazer, transporte, habitação e trabalho.” (MENCIO, Mariana. As consequências jurídicas advindas da falta de participação popular durante o processo de elaboração e aprovação do plano diretor. Revista MPMG Jurídico. Ano I, n. 4. Belo Horizonte, 2006)

A criação de loteamentos, que implementem obras e atividades que possam degradar o meio ambiente, pressupõe estudo prévio de impacto ambiental, garantida a participação popular, visando a preservação ambiental, nos termos do art. 263 caput e parágrafo único, IV e XV do CE.

Os atos normativos que pretendem alterar o uso do solo rural para fins urbanos, tais como as normas atacadas (regulamentar chácaras recreativas – finalidade urbana – em área rural), impõe a prévia audiência do INCRA (Lei nº 6.766/1979, art. 53). O Município de Sinop/MT, ao preterir requisitos essenciais exigidos pela legislação federal, exacerbou o poder suplementar do município, disposto no inciso II do art. 30 da CF (norma de reprodução obrigatória), simetricamente previsto no art. 193 da CE.

A implantação de zonas urbanas sem o respectivo estudo técnico ambiental, apto a prever e antecipar impactos socioambientais, afigura-se inconstitucional (TJMT, ADI N.U 0052187-46.2016.8.11.0000).

Se as leis isentam o Poder Público do ônus de implantar infraestrutura nas chácaras existentes, transferindo-o exclusivamente ao empreendedor e desobrigando os loteadores (art. 33 da Lei Complementar nº 178/2019), afronta ao art. 272, I, da CE.

Se as leis questionadas dispensam o Poder Público Municipal da obrigação de promover infraestrutura básica [“conservação e manutenção do sistema viário, do sistema de drenagem de águas pluviais, do sistema de iluminação pública, do sistema de telecomunicação, da coleta até a disposição final do lixo domiciliar e dos resíduos oriundos da limpeza do sistema viário”] na região das chácaras existentes, transferindo-o exclusivamente ao empreendedor e desobrigando os loteadores, reconhece-se a afronta ao art. 272, I, da CE.

Afigura-se necessária a modulação dos efeitos, a partir da data de julgamento da ADI, se as normas impugnadas estão em vigor há aproximadamente 1 (um) ano e geraram presunção de validade aos munícipes [empreendedores, moradores e interessados], à luz da segurança jurídica e excepcional interesse social (Lei nº 9.868/1999, art. 27).

R E L A T Ó R I O

ÓRGÃO ESPECIAL

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1020104-18.2020.8.11.0000

REQUERENTE(S): PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO

REQUERIDOS: MUNICÍPIO DE SINOP

RELATÓRIO

Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, proposta pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO [Dr. José Antônio Borges Pereira] em face da Lei Complementar nº 177/2019 e da Lei Complementar nº 178/2019, ambas do Município de Sinop/MT– (ID 58408010).

O requerente argumenta que “as Leis Complementares Municipais nº 177/2019 e 178/2019, de Sinop/MT, implementaram graves mudanças no meio ambiente urbano, de forma arbitrária e aleatória, sem a realização de estudo técnico, sem a participação popular, colidindo frontalmente com o que dispõe o artigo 174, inciso IV, o artigo 263 caput e parágrafo único, incisos IV e XV, artigo 272, inciso I, artigo 301, inciso I, alíneas “a”, “c” e “d” e inciso V e artigo 307, parágrafo terceiro, todos da Constituição do Estado de Mato Grosso”.

Pede a procedência para declarar a inconstitucionalidade das Leis Complementares nºs 177/2019 e 178/2019 do Município de Sinop (ID 58408010), com documentos (ID 58408011/58408018).

O Munícipio de Sinop sustenta que “as leis impugnadas observaram, antes e durante elaboração e aprovação, o devido processo legal, não havendo a existência de qualquer vício formal ou material” e pugna pela improcedência desta ADI (ID 64543990).

A i. Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídico e Institucional opina pela procedência, com modulação de efeitos, por se tratarem de “normas promovendo alteração no plano diretor desacompanhada de participação popular, constrangendo, nesses termos, o § 3º do art. 307 da Constituição do Estado de Mato Grosso, e ainda, por ser o caso de normas que excedem o poder suplementar do Município, em afronta ao disposto no inciso II do art. 30 da Constituição Federal e art. 193 da Constituição do Estado de Mato Grosso” (Deosdete Cruz Junior, Subprocurador-Geral de Justiça Jurídico e Institucional - ID 69114994).

É o relatório.

V O T O R E L A T O R

VOTO (MÉRITO)

EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR)

Egrégio Plenário:

Extrai-se da inicial que a área urbana do Município de Sinop/MT está sendo expandida por meio de empreendimentos denominados “chácaras recreativas”, consistentes em loteamentos comercializados para fins de moradia permanente, sem infraestrutura básica, tais como pavimentação, drenagem de águas pluviais, energia elétrica, saneamento básico, espaços de áreas verdes ou oferta de serviços públicos.

Em 1º.11.2019, a Câmara Municipal de Sinop aprovou e a então Prefeita Municipal sancionou a Lei Complementar nº 177/2019 [“Promove alterações na Lei Complementar nº 029/2006, de 18 de dezembro de 2006, e dá outras providências”], que alterou o Plano Diretor do Município de Sinop e criou a Zona Urbana Específica para Regularização de Chácaras de Recreio – ZUERC...

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