Acórdão nº 1021981-90.2020.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 17-02-2021

Data de Julgamento17 Fevereiro 2021
Case Outcome212 Denegação / Habeas corpus
Classe processualCriminal - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Número do processo1021981-90.2020.8.11.0000
AssuntoCrime Tentado

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1021981-90.2020.8.11.0000
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)
Assunto: [Crime Tentado, Homicidio qualificado]
Relator: Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO


Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). PEDRO SAKAMOTO]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (RECORRIDO), ELIZON LOPES DE MACEDO FILHO - CPF: 058.447.981-63 (VÍTIMA), REFERSON BATISTA DA SILVA - CPF: 706.671.991-36 (RECORRENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO.

E M E N T A

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA – ART. 121, § 2º, I E IV C/C ART. 14, II DO CP E ART. 14 DA LEI 10.826/2003 –PRETENSÃO RECURSAL – DESPRONÚNCIA – AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES DE AUTORIA – IMPROCEDÊNCIA – INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PRESENTES – ALEGADA NULIDADE DO RECONHECIMENTO NA FASE EXTRAJUDICIAL – INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DA LEI PROCESSUAL PENAL – IMPERTINÊNCIA – TESE NÃO ACOLHIDA DE PLANO NA DECISÃO DE PRONÚNCIA – PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA LESÃO CORPORAL – ALEGADA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI – INTELIGÊNCIA DO ART. 413, § 1º DO CPP – ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – ALEGADA OCORRÊNCIA DE CONSUNÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO SUBJETIVO ENTRE OS DELITOS DE HOMICÍDIO TENTADO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – MATÉRIA AFETA AO TRIBUNAL DO JÚRI – NATUREZA PROVISIONAL DA DECISÃO QUE ALBERGA JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE – INVIABILIDADE DE APROFUNDADO EXAME FÁTICO-PROBATÓRIO – TEMA A SER EQUACIONADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI – RECURSO DESPROVIDO.

Cabe à sociedade julgar os crimes dolosos contra a vida, e somente assim não ocorrerá quando for manifestamente improcedente a imputação.

Existindo nos autos demonstração da materialidade e indícios de autoria, torna-se inviabilizada a pretensão de se impronunciar o recorrente em razão da alegada ausência de provas de autoria.

Achando-se nos autos elementos de provas a apontar, em princípio, para a autoria do pronunciado, a tese levantada pela defesa há que ser dirimida pelo conselho de sentença, juiz natural e soberano da causa.

Estando devidamente fundamentado o não acolhimento da tese de nulidade aventada pela defesa, com relação ao reconhecimento do recorrente pelo ofendido, mantém-se a pronúncia, pois, como cediço, a fundamentação na decisão de pronúncia não deve ser aprofundada, sob pena de imiscuir-se o juízo na atribuição do Tribunal Soberano do Júri (art. 413, § 1º, CPP).

Havendo dúvidas sobre a dinâmica dos fatos, contudo presentes provas da materialidade, indícios suficientes da autoria e estando o animus necandi, em princípio, suficientemente demonstrado pelas provas obtidas nas duas fases da persecução criminal, deve o recorrente ser submetido à decisão do Tribunal do Júri, não havendo que se falar, nesta fase do processo, em absolvição sumária ou desclassificação para o delito de lesão corporal.

Quando constatado que os crimes de porte ilegal de armas e de tentativa de homicídio qualificado se afiguram absolutamente autônomos, inexistindo qualquer relação de subordinação entre as condutas, resta inviabilizada a aplicação do princípio da consunção, devendo o réu responder por ambas as condutas.

O concurso material entre o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e o crime contra a vida é matéria atinente ao Tribunal Popular do Júri, em razão da soberania prevista no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Referson Batista da Silva, contra decisão proferida pelo Juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis/MT, nos autos da ação penal nº 6028-76.2018.811.0064 (código 673972), que o pronunciou pela prática dos delitos descritos no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal e artigo 14 da Lei nº 10.826/03 (pronúncia – Ids. 63120980 a 63120982).

Inconformada com os termos da decisão, a Defensoria Pública interpôs recurso em sentido estrito (Id. 63120984). Em suas razões, requer a despronúncia do acusado, em razão da ausência de provas da autoria, sustentando que o reconhecimento feito pela vítima é nulo, por não ter obedecido ao disposto no artigo 226 e seguintes do Código de Processo Penal, além de haver contradições nos depoimentos do ofendido. Sucessivamente, requer a desclassificação do crime de homicídio qualificado, na modalidade tentada pelo de lesão corporal, em razão de ausência de animus necandi e absolvição quanto ao crime de porte ilegal de arma de fogo, alegando que houve a ocorrência de consunção com o crime contra a vida (Ids. 63120986 a 63120990).

Em contrarrazões, o Parquet refuta as teses da defesa, requerendo o improvimento do recurso em sentido estrito e a manutenção incólume da decisão de pronúncia (Ids. 63120993 a 63120996).

Em sede de juízo de retratação, a decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (Id. 63120997).

Nesta instância, a Procuradoria Geral de Justiça, através do Procurador de Justiça Siger Tutiya, manifestou-se pelo improvimento do recurso (Id. 65892969), sintetizando o entendimento com a seguinte ementa:

Sumário: Artigo 121, §2º, incisos I e IV, c/c artigo 14, II, na forma do artigo 69, todos do Código Penal c/c art. 14, da Lei 10.826/2003– Pleito de despronúncia – Impossibilidade – Hábeis provas carreadas aos autos que demonstram a materialidade do crime em análise e a existência de suficiente indícios de autoria – palavra da vítima coerente e em consonância com as demais provas existentes nos autos, mostra-se idônea para fundamentar a decisão de pronúncia – Pedido de desclassificação para lesão corporal culposa – impossibilidade – “Para que o juiz possa acolher a desclassificação do crime de tentativa de homicídio, para o de lesão corporal, mister se faz prova cabal e irretorquível de que o acusado não tenha agido com o propósito homicida”. – Pleito de absolvição sumária do delito de porte de arma de fogo – impossibilidade – “Há nos autos elementos suficientes para remeter o exame do fato ao Tribunal do Júri como crime autônomo e conexo ao crime doloso contra a vida.” Pelo improvimento do recurso.” (Sic.)

É o relatório.

V O T O R E L A T O R

Conforme relatado, nos autos da ação penal nº 6028-76.2018.811.0064, que tramitou perante o Juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis/MT, Referson Batista da Silva foi pronunciado pela prática dos delitos descritos no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal em concurso material com o artigo 14 da Lei nº 10.826/03, contra a vítima Elizon Lopes de Macedo Filho.

O recorrente busca a despronúncia, alegando ausência de indícios suficientes de autoria do crime, sustentando que não há provas imputando-lhe a prática da conduta imputada, em razão da nulidade no reconhecimento feito pela vítima, pois não observou os requisitos previstos no artigo 226 e seguintes do Código de Ritos Penais, bem como nas diversas contradições apresentadas nos depoimentos do ofendido.

Sucessivamente, pugna a defesa pela desclassificação do crime de homicídio qualificado, na modalidade tentada para o delito de lesão corporal, sob o argumento de ausência de animus necandi, bem como a absolvição do crime de porte ilegal de arma de fogo, afirmando que ocorreu consunção com o crime contra a vida.

Assim narra a exordial acusatória:

“[...] DO CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO QUALIFICADO

1) Que no dia 13/05/2017, em torno das 10h00, no endereço sito a rua 5, Vila Rica, nesta cidade de Rondonópolis/MT, a vítima Elizon Lopes de Macedo Filho foi alvo de múltiplos disparos de arma de fogo, sofrendo as lesões descritas a fls. 7/8.

2) Que o autor dos referidos múltiplos disparos de arma de fogo foi o denunciado REFERSON BATISTA DA SILVA.

3) Que ao efetuar múltiplos disparos de arma de fogo contra a vítima Elizon Lopes de Macedo Filho, REFERSON BATISTA DA SILVA deu início a um crime de homicídio, que somente não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, a saber erro de pontaria e pelo fato de ter sido a vítima atingida em região não vital.

4) Que REFERSON BATISTA DA SILVA cometeu o crime por motivo torpe, qual seja justiçamento esponte própria. Deveras, segundo se apurou, ao tempo em que REFERSON esteve preso na Mata Grande, sua casa foi alvo de larápios, que subtraíram uma TV 32” e um botijão de gás. REFERSON, por sua conta e por razões desconhecidas, chegou à conclusão de que o autor da subtração foi Elizon Lopes, pelo que, após sair da unidade prisional, passou a comentar em público que mataria Elizon. Sabendo desses comentários, Elizon foi até a residência de REFERSON para explicar-se com ele. Após a conversa, REFERSON mandou Elizon embora e quando este saía do imóvel foi alvo dos disparos perpetrados por REFERSON, tendo sido atingido na região glútea.

5) Que o crime foi cometido mediante dissimulação, porquanto o denunciado ludibriou a vítima quanto ao seu intento criminoso, de vez que, após conversar com Elizon, disse-lhe “Tá de boa” e em seguida mandou o embora, sendo que, quando este deixava a residência, já na rua, passou a efetuar seguidos disparos em direção à vítima.

DO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO

1. Que no dia 13/05/2017 o denunciado REFERSON BATISTA DA SILVA portou arma de fogo de uso permitido pelas ruas desta cidade de Rondonópolis/MT, sobretudo no bairro Vila Rica, onde ocorreu o fato narrado no tópico anterior.

Com efeito, nos termos da investigação policial, inicialmente o denunciado dispunha de arma de fogo guardada dentro de sua residência. Contudo, após a vítima ter saído de sua casa, o denunciado saiu ao...

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