Acórdão nº 1022853-08.2020.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Vice-Presidência, 17-03-2021

Data de Julgamento17 Março 2021
Case OutcomeProvimento
ÓrgãoVice-Presidência
Data de publicação19 Março 2021
Classe processualCriminal - AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
Número do processo1022853-08.2020.8.11.0000
AssuntoPena Privativa de Liberdade

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1022853-08.2020.8.11.0000
Classe: AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413)
Assunto: [Pena Privativa de Liberdade]
Relator: Des(a).
GILBERTO GIRALDELLI


Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). RONDON BASSIL DOWER FILHO]

Parte(s):
[JOSE APARECIDO ASSUNÇAO (AGRAVANTE), MINISTERIO PUBLICO (AGRAVADO), MINISTERIO PUBLICO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA, DEU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, VENCIDO O 2º VOGAL.

E M E N T A

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO DE REGIME – DECISÃO DO JUÍZO A QUO QUE MANTEVE O PATAMAR DE 60% DE PENA CUMPRIDA COMO O REQUISITO OBJETIVO PARA A TRANSFERÊNCIA DO AGRAVANTE AO MODO PRISIONAL MAIS BRANDO – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – PRETENDIDA A APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE 50% – PROCEDÊNCIA – ADVENTO DA LEI N.º 13.964/2019 – NOVA REDAÇÃO DO ART. 112 DA LEI N.º 7.210/84 – CRITÉRIO TEMPORAL MAIS GRAVOSO PARA A PROGRESSÃO QUE DORAVANTE EXIGE REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA EM INFRAÇÕES HEDIONDAS OU EQUIPARADAS – OMISSÃO LEGISLATIVA QUANTO AO CONDENADO POR CRIME HEDIONDO, MAS CUJA REINCIDÊNCIA SE DÁ POR FORÇA DE CONDENAÇÃO PRETÉRITA DERIVADA DA PRÁTICA DE DELITO COMUM – INTEGRAÇÃO DA LACUNA LEGAL COM BASE NO PRINCÍPIO DO FAVOR REI – EXEGESE MAIS FAVORÁVEL AO REEDUCANDO – PREQUESTIONAMENTO – AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. Ante a revogação do §2.º do artigo 2.º da Lei n.º 8.072/1990 e da nova redação dada pela Lei n.º 13.964/2019 ao art. 112 da Lei n.º 7.210/1984, devem ser aplicados aos condenados por crime hediondo ou equiparado e não reincidentes em infrações penais dessa específica natureza, ainda que já possuam condenações pretéritas por delitos comuns, os índices de 40% e de 50% de pena cumprida para o cômputo da progressão de regime, a depender da ocorrência ou não do resultado morte, nos termos do art. 112, incisos V e VI, alínea a, da Lei de Execução Penal.

2. A título de prequestionamento, restam integrados à fundamentação deste aresto os dispositivos legais relacionados às matérias ora debatidas.

3. Recurso conhecido e provido.

R E L A T Ó R I O

AGRAVANTE:

JOSÉ APARECIDO ASSUNÇÃO

AGRAVADO:

MINISTÉRIO PÚBLICO

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de agravo em execução penal interposto por JOSÉ APARECIDO ASSUNÇÃO contra a r. decisão proferida pelo d. Juízo da Quarta Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis/MT nos autos do processo executivo de pena n.º 3347-75.2014.811.0064, que indeferiu o pedido de aplicação do índice de 50% (cinquenta por cento) de pena cumprida como requisito objetivo para a progressão de regime, referente à condenação prolatada na ação penal n.º 852-18.2013.8.11.0024, na qual o reeducando foi sancionado pela prática dos crimes do art. 121, §2.º, inc. II e IV e art. 121, §2º, inc. II e IV c/c art. 14, inc. II, todos do Código Penal.

Nas razões recursais disponíveis no ID 65170963, o agravante alega se tratar de reincidente simples ou genérico, isto é, condenado por delito hediondo ou equiparado, mas cuja reincidência se dá por força de condenação anterior derivada da prática de crime comum, bem como sustenta que a Lei n.º 13.964/2019, ao revogar o §2.º do art. 2.º da Lei n.º 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) e dar nova redação ao art. 112 da Lei n.º 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), deixou de prever o lapso temporal de pena cumprida que tornaria satisfeito o requisito objetivo para a progressão regimental dos ditos reincidentes genéricos.

Com base nesses argumentos, aduz que a omissão legislativa deve ser integrada mediante interpretação em seu favor, invoca o princípio da retroatividade da lex mitior e o uso de analogia in bonam partem, bem como conjura as regras de hermenêutica pro homine da Lei Penal, tudo a fim de pleitear a incidência do patamar de 50% (cinquenta por cento) de pena cumprida como a condição objetiva para a sua transferência ao regime mais brando no que toca à condenação pelo crime de homicídio qualificado, conforme previsto, respectivamente, no art. 112, incisos I e VI, alínea a, da L.E.P. Por fim, prequestiona a matéria ora debatida.

Em contrarrazões vistas no ID 65170961, o Ministério Público rechaça as teses defensivas e requer seja negado provimento ao agravo.

Ao exercer o juízo de retratação, o d. magistrado singular manteve o decisum impugnado, consoante se vê no ID 65170960.

Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer encartado no ID 66683994, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Não estando o feito submetido à Revisão, inclua-se-o em pauta para julgamento e, da respectiva data, intime-se a Defensoria Pública Estadual, nos termos do art. 128, inciso I, da Lei Complementar n.º 80/1994.

V O T O R E L A T O R

V O T O

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Inicialmente, cumpre reconhecer que o recurso em apreço é tempestivo (ID 65170959), foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo e o meio de impugnação empregado afigura-se necessário e adequado para se atingir a finalidade colimada, motivos por que, estando presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a sua admissibilidade, CONHEÇO do agravo em execução penal manejado pela i. defesa.

1. Da incidência do índice de 50% (cinquenta por cento) de pena cumprida como requisito objetivo para a progressão de regime:

Na hipótese dos autos, ao analisar as guias de execução da pena que instruem os autos eletrônicos (ID 65170965 - Págs. 3 e 27), bem como o atestado de pena juntado no ID 65170965 - Pág. 289, verifico que, na data do cometimento do delito de homicídio qualificado apurado na ação penal n.º 852-18.2013.8.11.0024, isto é, em 31/03/2013, o recorrente ostentava em seu desfavor apenas a condenação pelo crime de furto qualificado, proferida na ação penal n.º 1451-59.2010.811.0024, com trânsito em julgado no dia 10/01/2013.

Por conseguinte, embora condenado por crime de natureza hedionda, a reincidência do agravante decorre da condenação anterior por crime comum.

Assim, depois de estudo minucioso das decisões proferidas no âmbito deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça, mantenho o entendimento que mais beneficia o reeducando.

É bem verdade que o art. 2º, §2º, da Lei n.º 8.072/1990, com redação dada pela Lei nº. 11.464/2007 estipulava as frações de penas cumpridas necessárias para o preenchimento do requisito objetivo para a progressão de regime nos casos de condenação pelos chamados “crimes hediondos” e, sem discriminar entre a reincidência genérica e específica, previa que “a progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”. - Sublinhei

Ocorre, todavia, que o referido comando legal sofreu alterações significativas com o advento da Lei n. 13.964/2019, trazendo o legislador novas nuances ao tema, pois ao revogar o art. 2º, §2º, da Lei nº. 8.072/1990, dispositivo o qual não fazia diferenciação entre reincidência específica ou genérica para progressão de regime, estabeleceu novos lapsos para progressão de regime, modificando também o art. 112 da Lei n.º 7.210/84 (Lei de Execução Penal), o qual, a partir de 23/01/2020, passou a ter a seguinte redação, no que interessa:

“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) [...]”.

“V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[...];

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”.

Como se vê, a entrada em vigor da Lei n.º 13.964/2019 não só alterou a forma de computar o período de pena cumprida condicionante da progressão de regime, adotando critérios percentuais em detrimento dos antigos critérios fracionários, mas também, dentre outras providências, passou a restringir a aplicação do percentual de 60% (sessenta por cento) – equivalentes a 3/5 (três quintos) – ao apenado “reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado”.

Assim sendo, mesmo que se argua que a redação do art. 112, inc. VII, da L.E.P. sequer consigna explicitamente o termo “reincidente específico” em crimes hediondos ou equiparados – e que, portanto, não excluiria do alcance da norma os reincidentes genéricos –, é certo que tanto a interpretação literal quanto a exegese gramatical da dicção legal levam a concluir que a incidência do índice mais gravoso para a progressão, doravante, condiciona-se à existência de reincidência qualificada ou específica em delitos desta natureza.

Mesmo porque, não se descuida de outros exemplos na Lei Penal em que o legislador se remete à reincidência específica (desta vez em crimes dolosos), sem, contudo, utilizar-se da expressão “reincidente específico” (ex vi do art. 44, inc. II, ou do art. 77, inc. I, ambos do Código Penal).

Sobre o tema, discorrem Pedro Tenório Soares Vieira Tavares e Estácio Luiz Gama Lima Netto:

Antes do PAC, o tratamento mais gravoso ao condenado reincidente que cometeu crime hediondo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT