Acórdão nº 1024381-77.2020.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 14-04-2021

Data de Julgamento14 Abril 2021
Case OutcomeNão-Provimento
Classe processualCriminal - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Número do processo1024381-77.2020.8.11.0000
AssuntoHomicídio

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1024381-77.2020.8.11.0000
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)
Assunto: [Crime Tentado, Homicídio]
Relator: Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO


Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). PEDRO SAKAMOTO]

Parte(s):
[PAULO RODRIGUES (RECORRENTE), ESTADO DE MATO GROSSO - PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (RECORRIDO)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO.

E M E N T A

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA – ART. 121, § 2º, INC. II, C/C ART. 14, INC. II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL – RECURSO DA DEFESA – PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA LESÃO CORPORAL – IMPOSSIBILIDADE – CONTEXTO PROBATÓRIO QUE IMPÕE A NECESSIDADE DE CONHECIMENTO E ANÁLISE PELOS JURADOS – AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI QUE NÃO EMERGE DE MODO APTO PARA A FASE DE PRONÚNCIA – COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL – RECONHECIMENTO DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA – PROVA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO – SINAIS DE DESISTÊNCIA INVOLUNTÁRIA QUE CORRESPONDE AO CONATUS – AFERIÇÃO DO DOLO DO AGENTE – COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA – AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA – INVIABILIDADE – MANUTENÇÃO – INDÍCIOS EMERGIDOS DA PERSECUTIO CRIMINIS – ANÁLISE RESERVADA AO TRIBUNAL DO JÚRI – IMPOSIÇÃO EM FACE DA IMPOSSIBILIDADE DE CERTEZA DE SUA INOCORRÊNCIA PARA A FASE DE PRONÚNCIA QUANTO À IMPERTINÊNCIA DA QUALIFICADORA – RECURSO DESPROVIDO.

A desclassificação somente é possível se o magistrado, nesta fase, tiver a absoluta certeza de que o dolo do acusado não era de matar, mas apenas de lesionar a vítima, o que não se verifica, nesse plano.

Segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, o reconhecimento da desistência voluntária ou a desclassificação do delito de tentativa de homicídio para outro delito que não seja doloso contra a vida somente é possível quando restar cabalmente evidenciada a ausência de animus necandi na conduta do agente, o que não se vislumbra, de plano, na espécie. Assim, fica a cargo dos jurados a deliberação acerca da existência ou não de dolo na conduta do agente.

As qualificadoras só podem ser afastadas da decisão de pronúncia quando se revelarem manifestamente improcedentes, despropositadas ou desarrazoadas, sob pena de ser invadida a competência constitucional do Conselho de Sentença.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto nos autos da ação penal nº 0004377-54.2017.8.11.0028, cód. 140591, que tramitou pela Vara Única da Comarca de Poconé/MT, sendo Paulo Rodrigues pronunciado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, a fim de que seja submetido a julgamento perante o Colendo Tribunal do Júri daquela Comarca (Id. 67224471 e 67224472).

Inconformado com a r. decisão, o recorrente interpôs recurso em sentido estrito, pugnando a desclassificação do delito de tentativa de homicídio para lesão corporal, sob argumento de que o acusado não agiu com animus necandi, visto que nunca teve a intenção de matar a vítima, bem como existem elementos probatórios suficientes que evidenciam a desistência voluntária; subsidiariamente requer a exclusão da qualificadora do motivo fútil, por ser manifestamente improcedente. (Id. 67224474 e 67224475)

Em contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo improvimento do recurso interposto (Id. 67224477).

Nesta instância, a d. Procuradoria de Justiça em parecer subscrito pelo i. Procurador de Justiça Rosana Marra, manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto, sintetizando com a seguinte ementa: (Id. 74442976)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – Homicídio tentado – Réu pronunciado – Recurso defensivo – 1. Pleito de desclassificação para o delito de lesão corporal – Improcedência – Indícios suficientes de autoria – Impronúncia que só pode ser procedida por provas inequívocas – Análise que deverá ser submetida ao conselho de sentença – Princípio da Soberania dos Veredictos – 2. Pleito de afastamento da qualificadora de motivo fútil – Exclusão que só pode ser revista quando manifestamente improcedente – PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO

É o relatório.

V O T O R E L A T O R

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso manejado pela defesa.

Conforme relatado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Paulo Rodrigues, qualificado, contra a decisão proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Poconé/MT, pronunciado como incurso nas sanções art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, ambos do Código Penal.

Narra a denúncia: (Id. 67219490)

“(...) Consta do incluso inquérito policial que, no dia 21 de julho de 2017, por Volta das 14h17, em residência localizada Rua Marinho da Costa Rondon, sem número, Bairro Santa Tereza, nesta cidade e comarca de Poconé, Paulo Rodrigues, consciente e Voluntariamente, com nítida intenção homicida, agindo impelido por motivo fútil, tentou matar Gonçalo Adriano Delgado, deferindo-lhe golpe na cabeça com um machado, provocando-lhe o ferimento descrito no boletim de atendimento de fls. 04/04-Verso, não consumando o resultado morte por circunstancias alheias a vontade do denunciado.

Restou apurado que Paulo e Gonçalo moravam juntos. Na data dos fatos, estavam em casa bebendo. O denunciado pediu para a vítima ir comprar bebida, porém ela se recusou. Eles começaram a discutir e Gonçalo mandou Paulo para a “puta que pariu”.

Paulo se ofendeu, pegou uma faca e ficou ameaçando a vítima. Ela reclamou que ele estava perturbando. O denunciado, então, pegou um machado e golpeou a cabeça dela. Gonçalo caiu no chão e conseguiu correr para a ma. Foi socorrido por u1n primo e levado para o Pronto Atendimento deste município.

A polícia militar foi acionada e prendeu o indiciado em flagrante delito.

O homicídio apenas não se consumou porque a vítima correu e foi acudida por terceiro.

O delito foi praticado por motivo fútil, pois se deu em razão de xingamento dito pela Vítima.

Diante do exposto, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso denuncia Paulo Rodrigues como incurso nas sanções do artigo 121, § 2“, inciso II, combinado com artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

No presente caso, a materialidade restou comprovada através do auto de prisão em flagrante (Id. 67219492); boletim de ocorrência (Id. 67219493); boletim de atendimento (Id. 67219493); laudo pericial n.º 3.19.2018.42299-01 (Id. 67224450); laudo pericial n.º 48-1-04-2018 (Id. 67224452).

Quanto à autoria, o recorrente confessou a prática do delito, todavia relatou que não tinha a intenção de matar. Vejamos as provas colhidas, devidamente resumidas na sentença de pronúncia:

“No termo de qualificação e interrogatório às fls. 23/25, o acusado responde: “[...] Que na data de hoje estava em casa com seu irmão CÍCERO e seu primo GONÇALO bebendo e fazendo uso de entorpecentes desde cedo; QUE o interrogado fez almoço para os três e, após comerem, ofereceu agua para GONÇALO, que não aceitou e xingou o interrogado de “FILHO DA PUTA”; QUE o interrogado se sentiu ofendido pelo fato de GONÇALO estar fazendo referencia de “PUTA” a sua mãe e pediu para que GONÇALO parasse; QUE GONÇALO disse que não pararia e o chamou de “FILHO DA PUTA” por mais três vezes, mento em que entraram em luta corporal; QUE o interrogado estava sob efeito de entorpecentes e álcool, então diz ter perdido o controle totalmente; QUE o interrogado pegou um machado e desferiu um golpe na cabeça de GONÇALO; QUE diz que sua intenção era apenas de machuca-lo; QUE afirma ter passagem por furto qualificado e por tentativa de homicídio;[...]”

No depoimento em juízo à ref. 110, o acusado PAULO RODRIGUES afirma em síntese que a denuncia é verdadeira, que cometeu o delito de tentativa de homicídio; que GONÇALO xingou sua mãe; que discutiram; que haviam bebido bastante e usado drogas; que pegou o machado chegou perto de GONÇALO e disse “você vem na minha casa rapaz e vem xingar a minha mãe, então xinga de novo ai”, e que GONÇALO xingou sua mãe de novo, então pegou o machado e bateu nele na cabeça; que esta arrependido; que não queria matar o primo GONÇALO; que quando deu a machadada GONÇALO caiu, que poderia ter dado outra mas não deu, e depois saiu de perto; que estava fazendo a comida e mandou GONÇALO comprar uma pinga e este não quis ir, e tudo começou ali; que havia bebido muito; que depois que GONÇALO xingou sua mãe ainda disse para ele “que sua tia esta lá em Cuiabá cuidando da avó e você fica ai xingando, você esta aqui na minha casa e fica xingando a minha mãe” e GONÇALO disse que não interessava e o xingou de novo; que chegou perto de GONÇALO e este ameaçou lhe dar um murro, e então saiu de perto dele porque GONÇALO é mais forte; que foi lá e pegou o machado e então foi lá até GONÇALO tomar satisfação; que quando levantou o machado este escorregou de sua mão e pegou em GONÇALO; que quando viu saiu para o fundo e ficou desesperado; que GONÇALO estava morando junto em sua casa; que GONÇALO só apontou a mão para si, e então correu e pegou um machado; que GONÇALO não lhe fez nada e não tinha nada perto dele; que golpeou GONÇALO com o machado porque ele havia xingado a sua mãe; que o machado acertou de raspão; que não pediu ajuda pois estava bêbado e drogado; que GONÇALO é seu primo irmão; que GONÇALO convivia e respeitava sua mãe também como mãe; que cresceu junto com GONÇALO; que foi a primeira vez que GONÇALO ofendeu sua mãe; que no dia anterior aos fatos passaram a noite inteira bebendo e usando cocaína; que tinham o costume de consumir álcool e cocaína dentro de casa; que foi a primeira vez que ocorreu uma discussão com agressão entre os dois; que GONÇALO o provocou...

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