Acórdão nº 1025484-22.2020.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara de Direito Privado, 29-06-2021

Data de Julgamento29 Junho 2021
Case OutcomeNão-Provimento
Classe processualCível - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Privado
Número do processo1025484-22.2020.8.11.0000
AssuntoAdministração judicial

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO


Número Único: 1025484-22.2020.8.11.0000
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
Assunto: [Administração judicial]
Relator: Des(a).
JOAO FERREIRA FILHO


Turma Julgadora: [DES(A). JOAO FERREIRA FILHO, DES(A). NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS]

Parte(s):
[RICARDO MARTINS AMORIM - CPF: 274.708.288-18 (ADVOGADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (AGRAVANTE), AFG BRASIL S/A - CNPJ: 03.209.087/0001-08 (AGRAVADO), AMANDA GABRIELA GEHLEN - CPF: 068.807.949-04 (ADVOGADO), DAVID GARON CARVALHO - CPF: 030.310.151-26 (ADVOGADO), BERNARDO DA ALBUQUERQUE MARANHAO CARNEIRO - CPF: 079.491.997-92 (ADVOGADO), ITAU UNIBANCO S.A. - CNPJ: 60.701.190/4816-09 (AGRAVANTE), MINISTERIO PUBLICO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
JOAO FERREIRA FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO.

E M E N T A

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL –INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO – DISCUSSÃO QUANTO AO LOCAL DO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO DA RECUPERANDA – QUESTÃO NÃO SUBMETIDA À ANÁLISE DO JUÍZO DE ORIGEM – INOVAÇÃO RECURSAL E SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – INADMISSIBILIDADE – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS NECESSÁRIOS À ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO RECUPERACIONAL – CONSTATAÇÃO PRÉVIA – ESTUDO ELABORADO POR PROFISSIONAL TÉCNICO ACERCA DA SITUAÇÃO DA EMPRESA E DA CONFORMIDADE DA DOCUMENTAÇAO APRESENTADA – DEMONSTRAÇÃO SUMÁRIA DE SITUAÇÃO DE CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA – GARANTIA DE ACESSO AOS CREDORES À RELAÇÃO DE BENS DOS SÓCIOS DA RECUPERANDA – LEI Nº 11.101/2005, ART. 51, VI – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É defeso à instância revisora analisar per saltum questões ainda não decidas na origem, mesmo que envolvam matéria de ordem pública, sob pena de inaceitável supressão de instância. 2. A Lei nº 11.101/2005 exige, para o deferimento do pedido recuperacional, que o requerente detenha a qualidade de empresário ou de sociedade empresária (art. 1º), exerça regularmente atividade empresarial há mais de dois anos (art. 48, caput) e que atenda alguns critérios pessoais enumerados (art. 48, I ao IV), e, como requisito específico de procedibilidade da ação, que instrua o processo com fundamentos (demonstração retórica) e documentos (prova formal) confirmatórios do estado de crise financeira e, ainda, da regularidade da atividade (no mínimo, dos últimos dois anos), de acordo com a documentação listada pela lei (art. 51), e, uma vez constado que estão em termos a documentação exigida pela lei, cumpre ao juiz deferir o processamento da recuperação judicial (art. 52, caput). 3. A presença de crise econômico-financeira com aptidão para comprometer, atual e efetivamente, e não futura e hipoteticamente, a subsistência da atividade empresarial constitui requisito essencial à admissão do pedido de recuperação judicial, porém, não cabe ao Juízo efetuar análise exauriente do conteúdo material da viabilidade econômica operacional da recuperanda, bastando, em cognição sumária, para o deferimento do pedido recuperacional, o exame do conteúdo dos documentos com o fito de averiguar a consistência da documentação e a sua correspondência com a realidade fática da empresa, inclusive com o apoio de estudo prévio realizado por profissional técnico.

R E L A T Ó R I O

O Exmº. Sr. Des. JOÃO FERREIRA FILHO (Relator)

Egrégia Câmara:

Recurso de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto pelo ITAÚ UNIBANCO S.A. contra a decisão proferida pela MMª. Juíza de Direito da 1ª Vara Especializada de Falência, Recuperação Judicial e Cartas Precatórias da Comarca de Cuiabá/MT, que nos autos do pedido de Recuperação Judicial (Proc. nº 1048110-09.2020.8.11.0041), apresentado pela AFG BRASIL S.A. em face de seus credores, entre eles o agravante, recebeu e deferiu pedido de processamento da recuperação judicial, e, entre outras providências, autorizou a atribuição da proteção por meio do mecanismo de “segredo de justiça à relação de bens dos sócios”, condicionando o acesso dos credores a prévio requerimento a “ser direcionado à administradora judicial que irá verificar, em cada caso, o cabimento da disponibilização das informações, sempre observando as cautelas de praxe” (cf. Id. nº 68375984).

O agravante afirma a incompetência do Juízo de origem para processar e julgar a recuperação judicial, pois, segundo diz, é evidente que o principal estabelecimento da recuperanda se encontra na cidade de Assis/SP, e não em Cuiabá/MT, sendo lá, e não aqui, onde são tomadas as principais decisões atinentes à empresa, ou seja, o local onde, de fato, a empresa é administrada; alega, nesse sentido, que o próprio Estatuto Social comprova que administração é feita na cidade de Assis/SP, já que é a cidade onde os atos societários são assinados por seus acionistas, ou seja, Assis é o local onde são decididos os rumos do grupo, também é a localidade em que a presidente da empresa e seus diretores e ex-diretores declaram residir, além disso, 45 dos 63 trabalhadores listados na relação de empregados residem na cidade de Assis/SP, entre os quais estão os empregados com os maiores salários e com cargos de gerências – diretores e gerentes, e, somado a tudo isso, vê-se que a própria empresa afirma em seu vídeo institucional no Youtube que toda a operação comercial é realizada em Assis/SP.

Sustenta, em outra frente, o não preenchimento dos requisitos legais necessários ao deferimento do pedido recuperacional, diante da ausência de demonstração das efetivas razões da alegada crise experimentada pela agravada, uma vez que esta apresentou de maneira extremamente genérica as causas responsáveis pela alegada crise econômico-financeira que vivenciaria, em desacordo com o artigo 51, inciso I, da Lei nº 11.101/05, não constando dos autos qualquer documento comprobatório ou informação concreta que permita atestar a alegada crise econômico-financeira, sendo que a agravada sequer se deu o trabalho de juntar qualquer contrato que suporte a alegação de que a variação cambial teria lhe ocasionado as supostas perdas, até porque empresas com este porte, em regra, detém contratos de hedge de forma a pré-fixar a taxa cambial.

Diz que a perícia prévia não adentrou nesse quesito, limitando-se a replicar o texto contido nas razões da crise estampadas na petição inicial, enquanto a decisão agravada entendeu por deferir o pedido de processamento da recuperação sob o genérico fundamento de que estariam ‘presentes os requisitos legais’, furtando-se de realizar a abordagem casuística e a fundamentação necessárias e que se espera de uma decisão que defere o processamento de um pedido de recuperação judicial, com evidentes efeitos deletérios à coletividade de credores e a toda sociedade, em evidente violação ao artigo 11 do CPC.

Impugna, ainda, a admissão do pedido de sigilo da relação de bens dos sócios da recuperada, aduzindo ser imprescindível garantir o acesso às partes interessadas aos dados da recuperanda e de seus respectivos sócios, em especial considerando o comando do art. 51 da LRJF, eis que a transparência quanto à efetiva situação patrimonial da sociedade permite melhor análise da própria viabilidade empresarial, sendo assim, ao negar acesso aos credores dos documentos previstos no inciso V do art. 51 da Lei 11.101/2005, a decisão viola o princípio da transparência que deve nortear toda recuperação judicial, até porque interessa aos credores o conhecimento do patrimônio pessoal dos empresários que conduziram a recuperanda até esse estado de crise, a fim de propiciar o melhor ambiente negocial na RJ, daí porque deve ser garantido a todos os credores o livre acesso à relação de bens dos sócios, devendo o sigilo ficar restrito aos terceiros estranhos à relação processual.

Finaliza criticando a ressalva feita na parte final da decisão quanto à vedação da prática de atos que importem em constrição de bens da devedora sem que, antes, seja submetido aquele d. Juízo a análise acerca da essencialidade destes, porque, a seu ver, o deferimento do processamento da recuperação judicial não enseja a submissão de medidas relacionadas a créditos extraconcursais ao juízo da recuperação judicial, como o da execução de avalistas, fiadores e aqueles com garantidas fiduciárias, por exemplo, dada a inexistência de juízo universal (vis attractiva).

Pede, pois, o provimento do recurso, para seja reconhecida e declarada a incompetência do Juízo de origem para processar a RJ da agravada, ou, alternativamente, seja liminarmente indeferido o pedido recuperacional à falta de comprovação idônea da situação de crise econômica, ou, ao menos, seja afasta a ordem de atribuição de segredo de justiça à relação de bens dos sócios e que condicionou a prática de todo e qualquer ato expropriatório de bens da recuperanda a prévia autorização do Juízo recuperacional (cf. Id. nº 67099973).

A decisão de Id. nº 69682495 admitiu o processamento do agravo de instrumento, mas indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo.

A agravada ofertou as contrarrazões de Id. nº 74576991, pugnando pelo desprovimento do recurso.

A credora Rações Bocchi Ltda requereu a sua admissão neste processo recursal na qualidade de terceira interessada, com o consequente cadastramento de seus procuradores no sistema eletrônico, com a finalidade de que recebam as futuras informações e intimações, sob pena de nulidade (cf. Id. nº 76660989).

A d. Procuradoria-Geral de Justiça editou parecer vinculado ao Id nº 78090477, opinando pelo parcial...

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