Acórdão nº 1026791-11.2020.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 23-06-2021

Data de Julgamento23 Junho 2021
Case OutcomeNão-Provimento
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Data de publicação26 Junho 2021
Classe processualCriminal - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
Número do processo1026791-11.2020.8.11.0000
AssuntoCrime Tentado

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1026791-11.2020.8.11.0000
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)
Assunto: [Homicídio Qualificado, Crimes do Sistema Nacional de Armas, Crime Tentado]
Relator: Des(a).
LUIZ FERREIRA DA SILVA


Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). PAULO DA CUNHA, DES(A). PEDRO SAKAMOTO]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), THIAGO DE AQUINO BASTOS (RECORRENTE), MAYCON ROGERIO DA SILVA - CPF: 041.273.241-63 (RECORRENTE), JOAO FELIPE QUEIROZ DE MELO - CPF: 035.281.341-51 (VÍTIMA), VALDIVINO FERRAZ FILHO (VÍTIMA), ADILSON BISOGNIN SANT (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]


A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO.


E M E N T A

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO FUNCIONAL E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – 1. PRETENDIDA A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO CONTRA A VIDA PARA O CRIME DIVERSO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI – SUPOSTA AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE MATAR – INACOLHIMENTO DO PLEITO – TESE QUE NÃO RESTOU COMPROVADA DE FORMA INDENE DE DÚVIDA – 2. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO DOS RECORRENTES EM RELAÇÃO AO DELITO DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA JULGAR OS DELITOS DOLOSOS CONTRA A VIDA E OS QUE LHE SÃO CONEXOS – 3. RECURSO DESPROVIDO.

1. A desclassificação do crime de tentativa de homicídio em sede de sentença de pronúncia somente é autorizada quando emergirem, dos autos, elementos incontestáveis de que a conduta perpetrada pelos acusados não figura entre os crimes dolosos contra a vida, sendo certo que a ausência de comprovação, de forma segura e inconcussa, sobre a ausência de animus necandi na conduta de ambos impõe a manutenção da sentença de pronúncia que determinou a submissão deles a julgamento perante o Tribunal do Júri, em virtude do aforismo in dubio pro societate.

2. Consoante a orientação do Superior Tribunal de Justiça, uma vez reconhecida a competência do Tribunal do Júri para o julgamento do crime doloso contra a vida, incumbirá àquele tribunal o julgamento do delito conexo, em razão de sua vis atrativa, impondo-se, como consequência, a submissão dos recorrentes a julgamento pela prática de ambos os delitos descritos na denúncia.

3. Recurso desprovido.

R E L A T Ó R I O

Ilustres membros da Segunda Câmara Criminal:

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Thiago de Aquino Bastos e Maycon Rogerio da Silva, contra a sentença de pronúncia prolatada nos autos da Ação Penal n. 0008410-13.2016.811.0064, pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis-MT, que os pronunciou pela suposta prática dos crimes de tentativa de homicídio funcional (praticado contra autoridade ou agente de segurança pública), por duas vezes, e porte ilegal de arma de fogo, previstos no art. 121, § 2º, VII c/c art. 14, II, do Código Penal e art. 14, caput, da Lei n. 10.826/2003, determinando a submissão de ambos a julgamento perante o Tribunal do Júri.

Os recorrentes, forte nas razões recursais encartadas nos IDs 71108980 e 71108981, postulam a desclassificação do delito de tentativa de homicídio funcional para o de disparo de arma de fogo, previsto no art. 15 da Lei n. 10.826/2003, alegando que agiram sem vontade de ceifar a vida dos policiais militares, os quais, aliás, não foram atingidos. E, em relação ao crime de porte ilegal de arma de fogo, asseveram que deve ser aplicado o princípio da consunção, uma vez que consistiu no meio necessário para execução do crime contra a vida.

O Ministério Público, com base nas contrarrazões juntadas nos IDs 71108982 e 71108983, colima o desprovimento deste recurso. E, em juízo de retratação, exteriorizado no ID 71108984, o magistrado manteve a decisão objurgada pelos seus próprios fundamentos.

Nesta instância revisora, a Procuradoria-Geral de Justiça, pelo parecer acostado no ID 77731488, seguiu a mesma linha intelectiva exposta nas contrarrazões.

É o relatório.

Inclua-se o presente processo em pauta mediante publicação, intimando-se a Defensoria Pública de todos os seus atos, nos termos do art. 128, inciso I, da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994.

V O T O R E L A T O R

A peça acusatória, encartada no ID 71092872, narra os fatos desta forma:

[...] 1. DOS FATOS (QUAESTIO FACTI)

1.1. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO

Constados inclusos autos de procedimento policial investigatório que, no dia

22 de julho de 2.016, por volta das 04h00m, pelas vias públicas desta Cidade e Comarca de Rondonópolis/MT, os denunciados THIAGO DE AQUINO BASTOS e MAYCON ROGERIO DA SILVA, atuando em concurso de pessoas – caracterizado pela conjunção de esforços e unidade de desígnios visando objetivo comum – portaram arma de fogo de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Apurou-se que, nas circunstancias de tempo e local encimadas, os denunciados, de maneira compartilhada, levaram consigo 01 (um) revolver marca Rossi, calibre 38, com número de série E215432, municiado, conforme Termo de Exibição e Apreensão e Laudo Pericial Criminal (Exame de Eficácia e Constatação de Arma de Fogo) constantes do expediente que instrui a presente ação penal, qual, inclusive, utilizaram para a pratica do crime contra a vida (item 1.2), sem possuírem, contudo, autorização para o porte. 1.2. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO

Constados inclusos autos de procedimento policial investigatório que, no dia

22 de julho de 2.016, por volta das 04h00m, na Alameda das Papoulas, Jardim Adriana, próximo ao Clube da PM, nesta Cidade e Comarca de Rondonópolis/MT, os denunciados THIAGO DE AQUINO BASTOS e MAYCON ROGERIO DA SILVA, atuando em concurso de pessoas – caracterizado pela conjunção de esforços e unidade de desígnios visando objetivo comum –, agindo com desejo de matar (‘animus necandi’), contra autoridade descrita no artigo 144 (inciso V) da Constituição Federal, tentaram matar Valdivino Ferraz Filho, João Felipe Queiroz de Melo e Adilson Bisognin Sant.

Apurou-se que, nas circunstâncias de tempo e local encimadas, os denunciados, ocupando veículo automotor marca/modelo Fiat Pálio, cor preta, placa NJV-0731, em atitudes suspeitas, ao serem abordados pela Guarnição da Policia Militar, empreenderam fuga, vindo, em seguida, armados com revolver (item 1.1), a efetuarem disparos contra os Policiais Militares Valdivino, João Felipe e Adilson, integrantes da Guarnição, não consumando, porém, o intento homicida por circunstancias alheias as suas vontades, consistente em erro de pontaria.Ato contínuo, procedendo a perseguição policial, os acusados foram contidos e presos em flagrante delito. [...] Negritos no original

A despeito de não se revestir de complexidade, a matéria devolvida a este Tribunal de Justiça por intermédio deste recurso exige, para sua escorreita cognição, que se tenha em mente as peculiaridades do rito processual relativo aos crimes dolosos contra a vida.

Nesse sentido, é necessário salientar que nos processos de competência do Tribunal do Júri existem duas fases distintas: o judicium accusationis e o judicium causae. A primeira inicia-se com o recebimento da denúncia ou queixa subsidiária e termina com a prolação da sentença de pronúncia, começando, a partir de então, a segunda, que tem a sua culminância com o trânsito em julgado da decisão do juiz presidente na sessão de julgamento realizada pelo Conselho de Sentença.

Por sua vez, o judicium accusationis, ou instrução preliminar, constitui um verdadeiro filtro voltado a firmar um juízo de admissibilidade da acusação, mais robusto que o empreendido para o recebimento da denúncia ou da queixa subsidiária, todavia, menos contundente que aquele utilizado para a condenação, uma vez que a competência, para tanto, é exclusiva do Júri Popular.

Em outras palavras, no que tange à autoria delitiva, ao prolator da sentença de pronúncia é dado tão somente demonstrar que estão presentes nos autos elementos que indiquem que o pronunciado possa ser o autor do crime a ser submetido ao crivo dos julgadores leigos.

Ademais disso, não se pode perder de vista, que a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri, consoante exige e garante a Constituição da República, razão pela qual “não se pede na pronúncia (nem se poderia), o convencimento absoluto do juiz da instrução, quanto à materialidade e à autoria. Não é essa a tarefa que lhe reserva a lei. O que se espera dele é o exame do material probatório ali produzido, especialmente para a comprovação da inexistência de quaisquer das possibilidades legais de afastamento da competência do Tribunal do Júri”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 575).

Não obstante o Código de Processo Penal preveja, em seu art. 414, que o juiz, não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, poderá impronunciar o acusado, ou, ainda, estabeleça no art. 415 do mesmo diploma que o juiz, poderá absolvê-lo sumariamente quando: a) estiver comprovada a inexistência do delito; b) estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato; c) o fato não constituir infração penal; e, por fim, d) estiver demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, com exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança, quaisquer dessas hipóteses devem exsurgir...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT