Acórdão nº 1026845-74.2020.8.11.0000 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara Criminal, 04-05-2021

Data de Julgamento04 Maio 2021
Case OutcomeProvimento em Parte
Classe processualCriminal - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Número do processo1026845-74.2020.8.11.0000
AssuntoViolência Doméstica Contra a Mulher

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1026845-74.2020.8.11.0000
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)
Assunto: [Violência Doméstica Contra a Mulher, Feminicídio]
Relator: Des(a).
ORLANDO DE ALMEIDA PERRI


Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). PAULO DA CUNHA]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), SONIA RAMOS SILVA DE ARAUJO - CPF: 312.941.848-22 (RECORRIDO), MOAB DE LIMA SILVA - CPF: 039.472.281-71 (RECORRIDO), GILDA DE LIMA SILVA (RECORRIDO), CELIA RAMOS DA SILVA - CPF: 182.831.338-61 (RECORRIDO), ADRIANA LUIZ DE SOUZA - CPF: 014.980.871-24 (RECORRIDO), RODRIGO AMORIM SOUSA (RECORRIDO), CARLOS VITORIANO DA SILVA - CPF: 289.067.818-06 (RECORRENTE), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (REPRESENTANTE), MARCOS RODRIGUES (ASSISTENTE), ALTAIR BENEDITO (ASSISTENTE), SONIA RAMOS SILVA DE ARAUJO - CPF: 312.941.848-22 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO.

E M E N T A

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 1026845-74.2020.8.11.0000


RECORRENTE: CARLOS VITORIANO DA SILVA

RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO FÚTIL, EMPREGO DE ASFIXIA E FEMINICÍDIO] – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – PRELIMINAR DE “RETIFICAÇÃO” DO ADITAMENTO DA DENÚNCIA – INVIABILIDADE – MATÉRIA NÃO SUSCITADA EM NENHUMA OPORTUNIDADE DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL – PRECLUSÃO – PRELIMINAR REJEITADA – DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O CRIME DE LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DEMONSTRADOS – AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE MATAR NÃO COMPROVADA – INDICATIVOS DE DESÍGNIO HOMICIDA – SOBERANIA DOS VEREDICTOS NOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA – PRONÚNCIA MANTIDA – PEDIDO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS – INVIABILIDADE DE ANÁLISE PELO TRIBUNAL – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA ACERCA DA EXISTÊNCIA DAS QUALIFICADORAS – NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA DECLARAR, EM PARTE, A NULIDADE DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA, TÃO SOMENTE ACERCA DA INCIDÊNCIA DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL, EMPREGO DE ASFIXIA E FEMINICÍDIO, EM DISSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.

“Opera-se a preclusão da via impugnativa ao ato quando a Defesa não se insurge sobre o aditamento da denúncia em sede de alegações finais.” (TJMT, N.U 1009938-29.2017.8.11.0000)

“A desclassificação do crime de Homicídio para o de Lesão Corporal seguida de Morte (art. 129, § 3º, do CP), só é admitida nas hipóteses em que os elementos de convicção constantes nos autos demonstrarem, de forma cabal, a inexistência animus necandi na conduta delituosa. Eventual dúvida quanto ao elemento subjetivo norteador da conduta do Recorrente (dolo de matar ou de lesionar) devem ser relegadas a julgamento pelo juiz natural, dos crimes dolosos contra a vida, sob pena, de usurpação da competência expressa no art. 5º, XXXVIII, alínea d, da CF.” (TJMT, N.U 1013463-82.2018.8.11.0000)

A pretensão do recorrente para que o Tribunal exclua as qualificadoras não pode ser acolhida quando o juiz da causa não as fundamentam em elementos concretos, sob pena de violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, por supressão de instância.

A presença das qualificadoras deve estar expressa na sentença de pronúncia, de modo que a ausência de substrato empírico, ou seja, a inexistência de fundamentação concreta, resulta na nulidade parcial da decisão.


ESTADO DE MATO GROSSO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 1026845-74.2020.8.11.0000


RECORRENTE: CARLOS VITORIANO DA SILVA

RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO



RELATÓRIO

EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI

Egrégia Câmara:


Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por CARLOS VITORIANO DA SILVA, contra decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo Verde (autos nº 1001139-33.2020.8.11.0051), que o pronunciou pela suposta prática do crime de homicídio qualificado [motivo fútil, emprego de asfixia e feminicídio], sujeitando-o a julgamento pelo Tribunal do Júri – art. 121, §2°, inc. II, III e VI, c/c. o §2°-A, inc. I e II, todos do Código Penal.

A Defensoria Pública suscita, preliminarmente, que o aditamento da denúncia deve ser retificado, impondo-se a substituição da “afirmativa ‘durante os fatos’ por ‘durante ou após os fatos’, já que não há como precisar o exato momento em que teria havido o vômito e a broncoaspiração”. No mérito, assevera que: 1) não restou evidenciado o animus necandi, haja vista que a vítima “veio a óbito em razão de ter broncoaspirado o próprio vômito e não em razão direta da conduta do agente, que não assumiu o risco do resultado mais gravoso”, razão pela qual deve “responder por delito de lesão corporal seguida de morte”; 2) “o ciúme não configura o motivo fútil, pois se trata de estado emocional sentimento patológico que não pode simplesmente ser considerado insignificante”, motivo pelo qual a qualificadora inserta no art. 121, §2°, inc. II, do CP deve ser excluída; 3) não há como afirmar que a asfixia tenha decorrido de algum método violento empregado diretamente pelo acusado”, o que justifica o afastamento da qualificadora prevista no art. 121, § 2°, inc. III, do CP.

Em contrarrazões, o MINISTÉRIO PÚBLICO pugna pela conservação da sentença.

A decisão foi mantida pelo magistrado singular, em juízo de retratação.

A Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.



VOTO

EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR)

Egrégia Câmara:

VOTO (PRELIMINAR – ERRO MATERIAL NO ADITAMENTO DA DENÚNCIA)

Como relatado, a Defesa sustenta que o aditamento da denúncia deve ser “retificado”, impondo-se a substituição da “afirmativa ‘durante os fatos’ por ‘durante ou após os fatos’, já que não há como precisar o exato momento em que teria havido o vômito e a broncoaspiração” pela vítima.

A denúncia acusatória foi oferecida nestes termos:

“Segundo restou apurado, à época do fato, o denunciado e a ofendida conviviam maritalmente na residência situada na Rua Travessa do Comércio, n.º 481 B, Bairro Jupiara, neste Município e Comarca de Campo Verde/MT.

Apurou-se, ainda, que aproximadamente no início do mês de abril de 2020, o denunciado passou a manifestar ciúmes em relação à ofendida, por julgar que ela estava mantendo caso extraconjugal por meio de mensagens telefônicas.

Na data do fato, no período noturno, após o casal ter ingerido bebida alcoólica, o denunciado voltou a manifestar ciúmes, pois, ficou incomodado com o fato de a ofendida receber mensagens no seu aparelho de telefone celular, de modo que exigiu que a ofendida lhe revelasse a identidade do remetente, dando início a um desentendimento entre ambos.

Ato contínuo, o denunciado agrediu a ofendida e aplicou-lhe uma esganadura (mata leão), causando-lhe lesões no rosto, sangramento nasal e sua morte por insuficiência respiratória aguda/asfixia, conforme consta da certidão de óbito acostada à fl. 36-IP.

Na sequência, o denunciado pegou o celular da ofendida e desligou-o, bem como desligou o seu próprio celular, e em seguida se evadiu rumou ao Município de Rondonópolis/MT, onde foi localizado no dia seguinte, tendo sido conduzido para a Delegacia de Polícia Judiciária Civil, e ao ser interrogado, confessou a autoria delitiva.

Tem-se que o crime foi praticado por motivo fútil, já que o denunciado agiu motivado por ciúmes, de forma extremamente desproporcional à situação, por não se conformar com o fato de que a ofendida poderia estar mantendo contato “com outro homem”, utilizando-se de meio cruel para subjugá-la, ao asfixiá-la, demonstrando nítida vontade de lhe causar extremo sofrimento.

Ademais, vê-se dos autos que a atitude do denunciado envolveu situação de violência doméstica e familiar, e, ainda, de menosprezo à condição de mulher, revelando que ele nutria um sentimento de posse em relação à ofendida.

Ante o exposto, denuncio CARLOS VITORIANO DA SILVA como incurso no artigo 121, § 2º, incisos II (motivo fútil), III (asfixia) e VI (feminicídio), c.c. o § 2-A, incisos I (violência doméstica familiar) e II (menosprezo ou discriminação à condição de mulher), do Código Penal, com incidência da Lei n.º 11.340/06.”

Após a juntada do Laudo Pericial n° 210.1.01.2020 – Necrópsia –, apontando que “a vítima broncoaspirou seu próprio vomito, gerando asfixia por insuficiência respiratória aguda, causa direta do óbito”, o Ministério Público requereu o aditamento da denúncia, para constar a seguinte narração dos fatos [em negrito], in verbis:

“Segundo restou apurado, à época do fato, o denunciado e a ofendida conviviam maritalmente na residência situada na Rua Travessa do Comércio, n.º 481 B, Bairro Jupiara, neste Município e Comarca de Campo Verde/MT. Apurou-se, ainda, que aproximadamente no início do mês de abril de 2020, o denunciado passou a manifestar ciúmes em relação à ofendida, por julgar que ela estava mantendo caso extraconjugal por meio de mensagens telefônicas. Na data do fato, no período noturno, após o casal ter ingerido bebida alcoólica, o denunciado voltou a manifestar ciúmes, pois, ficou incomodado com o fato de a ofendida receber mensagens no seu aparelho de telefone celular, de modo que exigiu que a ofendida lhe revelasse a identidade do remetente, dando início a um...

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