Acórdão nº 1035936-85.2020.8.11.0002 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 12-09-2023

Data de Julgamento12 Setembro 2023
Case OutcomeNão-Provimento
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Número do processo1035936-85.2020.8.11.0002
AssuntoTráfico de Drogas e Condutas Afins

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 1035936-85.2020.8.11.0002
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins]
Relator: Des(a).
LUIZ FERREIRA DA SILVA


Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). PEDRO SAKAMOTO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO]

Parte(s):
[ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (REPRESENTANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), LUENDER FERNANDES SOUZA DA LUZ - CPF: 072.277.551-26 (APELADO), TARCILA GRACIANI DE SOUZA - CPF: 716.747.481-91 (ADVOGADO), IUNI UNIC EDUCACIONAL LTDA - CNPJ: 33.005.265/0005-65 (REPRESENTANTE), COLETIVIDADE (VÍTIMA), PAULO CEZAR TABORDA DE ARAUJO - CPF: 012.677.851-52 (TERCEIRO INTERESSADO), JOCEIR RODRIGUES DE JESUS - CPF: 034.351.441-90 (TERCEIRO INTERESSADO), JOSIELSON ALVES MATIAS DA SILVA - CPF: 094.291.201-23 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), RAUL CLAUDIO BRANDAO - CPF: 446.913.191-15 (ADVOGADO), RAUL CLAUDIO BRANDAO - CPF: 446.913.191-15 (ADVOGADO)]


A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA, DESPROVEU O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO DOUTO RELATOR LUIZ FERREIRA DA SILVA , NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DOUTO DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO. O DOUTO DESEMBARGADOR PEDRO SAKAMOTO DIVERGIU.


E M E N T A

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. PEDIDO DE CONDENAÇÃO. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE CERTEZA NOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES. ELEMENTOS INDICATIVOS DE ABUSO NA ATIVIDADE POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA ABORDAGEM – ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 2. RECURSO DESPROVIDO

1. Não avultando elementos hábeis a vincular a propriedade do entorpecente apreendido em relação ao apelado, ainda mais porque os relatos policiais militares são falhos e provavelmente houve excessos na abordagem policial, não se mostra possível a sua condenação pelo delito de tráfico de drogas, porquanto a credibilidade dos relatos é mitigada e não houve ainda evidência de que a droga era destinada ao comércio ilícito.

2. Recurso de apelação desprovido.


R E L A T Ó R I O


EXMO. SR. DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA:


Ilustres membros da Segunda Câmara Criminal:

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo Ministério Público contra sentença prolatada nos autos da Ação Penal n. 1035936-85.2020.8.11.0002, pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande/MT, que absolveu Luender Fernandes Souza da Luz da prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06).

O Ministério Público, forte nas razões que se encontram no ID 162434541, requer a condenação de Luender Fernandes Souza da Luz pela prática do crime de tráfico de drogas, por entender que estão configurados, no caso, a materialidade e a autoria delitiva.

Nas contrarrazões encontradiças no ID 162434548, o apelado postula o desprovimento do recurso ministerial.

Nesta instância revisora, a Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer que se vê no ID 170639159, manifesta-se pelo desprovimento do recurso ministerial.

É o relatório. À revisão.


V O T O R E L A T O R


EXMO. SR. DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA:


Infere-se da exordial acusatória (ID 150687259) a narrativa dos seguintes fatos:

[...]1) Consta do caderno informativo em anexo (IP nº 1035936- 85.2020.8.11.0002, 3º Vara Criminal), que no dia 24 de novembro de 2020, por volta das 16h30min, na rua Jaime Campos, bairro Alameda, em Várzea Grande/MT, o denunciado LUENDER FERNANDES SOUZA DA LUZ trazia consigo drogas, para posterior venda a consumo, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, envolvendo o adolescente Josielson Alves Matias da Silva. 2) Consta dos autos, que policiais militares durante diligências para apurar suposta prática do crime de tráfico de drogas, procederam a abordagem do denunciado LUENDER FERNANDES SOUZA DA LUZ em companhia do adolescente, sendo que ao avistarem a guarnição ambos tentaram empreenderam fuga, correndo em direção a uma região de mata, porém sem sucesso. 3) Em busca pessoal em Josielson foram encontradas 05 (cinco) porções de maconha. Em entrevista informal, o denunciado LUENDER teria declarado que no local em que eles estavam antes do correr em direção a mata havia mais entorpecente, foi quando a guarnição retornou ao ponto inicial encontrando 32 (trinta e duas) porções de maconha e 01 (uma) balança de precisão. 4) É dos autos que, o denunciado e o adolescente também teriam afirmado que na Travessa Jaime Campos, no bairro Alameda, em Várzea Grande/MT, teria mais substância entorpecente. A guarnição deslocou-se ao endereço indicado e, ao no local, apreenderam mais 01 (um) pedaço grande de maconha. A MATERIALIDADE DO CRIME restou provada pelo Boletim de Ocorrência, pelo Auto de Apreensão, pelo Laudo Pericial de nº 3.14.2020.71322-01, os quais concluíram que a substância apreendida apresentou resultado POSITIVO para presença de “MACONHA” pesando, 98,1 g (noventa e oito gramas e um centigrama).[...]

O juízo de primeiro grau absolveu a apelado por entender que, a despeito de estar comprovada a materialidade delitiva, a autoria do crime de tráfico de drogas não ficou comprovada, uma vez que as provas produzidas são frágeis.

Além disso, o magistrado pontuou que “um dos elementos a revelar o tráfico, em tese, seria a suposta informação, possivelmente anônima, que detinha a guarnição e que motivou a abordagem, mas este elemento anônimo não pode ser aqui considerado, por expressa vedação constitucional.”; bem como que “não é aconselhável entender lícita a obtenção dos informes prestados pelo acusado, indicando esconderijos de drogas, quando é apresentado lesionado, já que pode haver nexo de causalidade entre as lesões e as informações obtidas.”

Com efeito, é forçoso reconhecer que o julgador agiu com acerto, porquanto da análise destes autos, ficaram sérias dúvidas acerca da legalidade da atuação policial; bem como quem seria o proprietário de toda droga apreendida, havendo, também, elementos de convicção indicadores da possível truculência na abordagem do apelado.

Aliás, extrai-se destes autos que toda ação policial se originou apenas de uma denúncia anônima, a qual não é idônea, nem justifica a abordagem, sobretudo quando ausente qualquer outro elemento que justifique a atuação dos agentes, conforme se infere de julgado recente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NULIDADE. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS SUSPEITAS PARA A ABORDAGEM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. "Não satisfazem a exigência legal [para se realizar a busca pessoal e/ou veicular], por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP" (RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe 25/4/2022.) 2. No caso em tela, a abordagem foi realizada em razão da atitude suspeita do paciente, que demonstrou nervosismo e empreendeu fuga ao visualizar a presença da polícia, o que, conforme decidido no Recurso em Habeas Corpus n. 158.580/BA, não é suficiente para justificar a busca pessoal, porquanto ausentes fundamentos concretos que indicassem que ele estaria em posse de drogas, de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 810.567/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12.6.2023 e publicado no DJe de 15/6/2023) Destacamos

Ademais, observa-se que a integridade física do apelado foi violada, consoante ressai das informações presentes no laudo que se vê no ID 150687228, p. 65/ 70, abaixo reproduzidas:

[...]IV – DESCRIÇÃO: Escoriações e região torácica direita, terço distal de antebraço direito, punho direito e esquerdo, cotovelos e região escapular direita. Equimoses avermelhadas em região torácica bilateralmente, mamária esquerda, terços superior/médio do braço esquerdo, mesogastrica, flanco esquerdo, mastoidiana esquerda, cervical, espodiliana, escapulares e deltoidiana esquerda. V – DISCUSSÃO OU COMENTÁRIOS: As lesões apresentadas são recentes e tem caráter contuso. VI – CONCLUSÃO: Lesão corporal causada por ação contundente. VII – RESPOSTAS AOS QUESITOS OFICIAIS: 01) - Sim. 02) – Instrumento Contundente[...]

Portanto, embora haja, em sede policial, a admissão parcial de culpa por parte do apelado, é inegável que a origem da prova é suspeita, diante de uma provável agressão sofrida por ele, motivo pelo qual não merece credibilidade, sobretudo porque é uma prova isolada.

A propósito acerca disso, o sentenciante consignou que “a utilização de possíveis expedientes espúrios pelos agentes do Estado no desdobramento da diligência acabou por minar a credibilidade de todo o trabalho realizado, já que restou altamente plausível a ocorrência de violência desnecessária, o que desnatura a presunção de legitimidade...

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