Acórdão nº 12082162 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 21-11-2022

Data de Julgamento21 Novembro 2022
Número do processo0043849-50.2008.8.14.0301
Data de publicação06 Dezembro 2022
Número Acordão12082162
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL
Órgão1ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0043849-50.2008.8.14.0301

APELANTE: COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARA, ESTADO DO PARÁ

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

RELATOR(A): Desembargadora ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA

EMENTA

REEXAME NECESSÁRIO. RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA. DETERMINAÇÃO PARA PROVIDÊNCIAS NO SERVIÇO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM ALGUMAS COMUNIDADES DO BAIRRO DE GUAMÁ E CANUDOS. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA ULTRA PETITA. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III, DA CF/88). VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STF. RESERVA DO POSSÍVEL E LIMITES ORÇAMENTÁRIOS. INAPLICABILIDADE QUANDO A OMISSÃO ATENTAR CONTRA OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NÃO BASTA A MERA ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RECURSOS PARA AFASTAR A INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INEXISTÊNCIA ORÇAMENTÁRIA PARA AFASTAR A RESPONSABILIDADE ESTADUAL. PRECEDENTES STF. EXISTÊNCIA DE PROVA PERICIAL NOS AUTOS QUE COMPROVAM A NORMALIZAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO PELA COSANPA. PRESSÃO DA ÁGUA QUE ATENDE AS NORMAS LEGAIS PREVISTAS PELA ABNT. POSSIBILIDADE DO RETORNO DA COBRANÇA DA TARIFA DE ÁGUA. EXCLUSÃO DA MULTA APLICADA. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA.

1.Cinge-se a controvérsia recursal analisar sobre o acerto ou não da sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas de Belém que, nos autos da Ação Civil Pública, julgou a demanda parcialmente procedente.

2. Compulsando os autos, constata-se que a sentença é ultra petita, pois impediu que a Cosanpa realizasse a cobrança relativa ao serviço de abastecimento de água nos bairros de Guamá e Canudos, ao passo que a petição inicial aponta que o problema existe em algumas comunidades dos mencionados bairros, portando foi além do postulado na inicial, afrontando o princípio da congruência, em desacordo, portanto, com o que preceitua o artigo 492, do NCPC.

3. O direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana, se qualifica como direitos subjetivos inalienáveis, assegurados a todos pela própria Constituição Federal, sendo de responsabilidade do poder público a promoção de tais direitos, nos termos dos artigos 1º, inciso III, e 196, da CF/88, impondo ao Poder Público a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço;

4. Cabe ao Poder Judiciário, na precípua missão de proteger o núcleo duro e inegociável do direito fundamental à saúde e a dignidade da pessoa humana, intervir e determinar que sejam adotadas as medidas necessárias a fim de proteger os interesses da população local;

5. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes do STJ e STF;

4. A inspeção judicial constante nos autos atesta que os problemas relatados na ocasião do ajuizamento da ação foram solucionados, pois ficou constatada mudanças efetivas na pressão da água em MCA (metros de coluna de água), e que ainda em vários casos, as variações de pressão superaram 10 MCA em comparação ao ano de 2020, o que atende satisfatoriamente às necessidades de pressão, assim como encontra-se dentro das exigências legais previstas pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.

5. Verificando que os problemas relatados na presente ação estarem comprovadamente resolvidos, entendo que a decisão deve ser reformada, no tocante ao retorno da cobrança de tarifa de água dos usuários dos serviços cujas unidades consumidoras estejam localizadas nos bairros de Canudos e Guamá, em virtude do fornecimento estar atualmente dentro da normalidade.

6. Em virtude da comprovação de regularidade do serviço de abastecimento de água, entendo que a multa estabelecida na sentença para o caso de não cumprimento da obrigação de fazer não deve mais persistir.

7. Recursos conhecidos e parcialmente providos, nos termos da fundamentação.

8. Em sede de Reexame Necessário sentença parcialmente modificada.

Vistos, etc.,

Acordam, os Excelentíssimos Desembargadores, integrantes da 1ª Turma de Direito Público, à unanimidade, em conhecer dos recursos de apelação cível, e no mérito dar-lhes parcial provimento, nos termos do voto da Relatora. Exma. Sra. Desa. Rosileide Maria da Costa Cunha.

1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, na 4ª Sessão do seu Plenário Virtual, no período de 21/11/2022 a 28/11/2022.

ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA

Desembargadora Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA (RELATORA):

Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO e recursos de APELAÇÃO CÍVEL interpostos pela COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ E ESTADO DO PARÁ contra sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas da Comarca de Belém, nos autos da Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Tutela de Urgência, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO, que julgou parcialmente procedente os pedidos da inicial.

Consta nos autos que o Parquet ajuizou a referida ação visando compelir o Estado do Pará a assegurar, aos moradores de duas comunidades dos bairros de Canudos e Guamá, o abastecimento de água.

Em sua inicial o Órgão Ministerial aduz que Na primeira comunidade prejudicada estão os moradores do bairro de canudos das ruas: Trav. Francisco Monteiro em toda sua extensão, Av. Ceará, Av. Cipriano Santos, Trav. 2ª da Queluz, Trav. Roso Danim e Trav. Américo Santa Rosa. Na segunda comunidade prejudicada estão os moradores do bairro do Guamá das ruas: Barão de lgarapé Miri entre 25 de junho e Rua Augusto Corrêa, Pass. Monte Sinai, Vila Elma, Pass. Sururina, Rua Três de Outubro, Pass. Betânia, e outros logradouros nas redondezas.”

Alega que “Há mais de 10 (dez) anos os moradores dessas comunidades acima mencionadas estão sofrendo com a precariedade do abastecimento de água por parte dos requeridos. O motivo: a Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA), mesmo cobrando "religiosamente" pelo serviço de distribuição de água, não faz chegar o líquido às residências das ruas acima mencionadas, o que tem causado indignação e prejuízo à população de mais de 10 (dez) mil habitantes.”

Ao final, requer como antecipação de tutela e obrigação de fazer que os requeridos, solucionem o problema de abastecimento de água das comunidades prejudicadas com a falta/ineficiência de água no prazo de 40 dias, em caráter de urgência, tendo como opção para a solução do problema a construção de um eficiente microssistema de abastecimento de água (caixas d'águas grandes o suficiente) nos bairros acima mencionados, para atender as comunidades prejudicadas, podendo as caixas d' águas serem construídas em uma das transversais, mas ou avenidas prejudicadas com a falta de abastecimento de água nos bairros, ou solucionem o problema de outra maneira eficiente e responsável, no prazo acima, sob pena de multa diária sugerida no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)”;

Requer como antecipação de tutela de urgência e obrigação de não fazer que a Cosanpa se abstenha de cobrar tarifas atrasadas e não pagas pelos consumidores durante o período em que não receberam o fornecimento de água adequado, eficiente, pois é injusto comprometer o orçamento doméstico dos consumidores com cobranças abusivas, já que a maioria das pessoas são muito pobres, sob pena de multa sugerida no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por consumidor prejudicado.

Requer como antecipação de tutela de urgência, e obrigação de não fazer que a Cosanpa se abstenha de cobrar tarifas vindouras de contas de água dos consumidores prejudicados com a precariedade/falta de abastecimento enquanto não for restabelecida a normalidade e eficiência do abastecimento e se abstenha de suspender o serviço de fornecimento de água em definitivo, sob pena de multa sugerida no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por consumidor prejudicado;

Requer, como obrigação de fazer, que os requeridos devolvam em dobro as quantias cobradas indevidamente dos moradores dos bairros prejudicados, conforme acima referidos, uma vez que o serviço não foi prestado com regularidade, e quando prestado o foi com ineficiência. É inquestionável que essa cobrança é ilícita, pois os consumidores não estão tendo acesso integral ao serviço, logo não devem pagar pelo que não consomem e/ou consomem precariamente. A devolução é prevista no Código de Defesa do Consumidor, como uma medida pedagógica, de modo que não se utilize de expedientes complexos e obscuros que induzam o consumidor a pagar o que não existe, o que não é devido, ou deveria ser pago a menor, sob pena de multa sugerida no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por consumidor prejudicado”;

Requer, como obrigação de não fazer, que a requerida se abstenha de incluir o nome do consumidor inadimplente no Serviço de Proteção ao Crédito ou outro similar, sugerindo a multa de R$-5.000,00 (cinco mil reais) em caso de descumprimento por consumidor prejudicado”;

Requer como medida cautelar a caução pecuniária de R$-20.000.000,00 (vinte milhões de reais), dos cofres do Estado para resguardar e garantir o objeto do pedido, sem com isso ferir os preceitos dos arts. 100 da CF e 475 do CPC”;

“Requer a indenização por danos morais à coletividade no valor de R$-2.000.000,00 (dois milhões de reais), esses valores devem ser revertidos em partes iguais ao Fundo de Direitos Difusos (Banco Banpará, agência 011, conta 182248-9) e ao Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público Estadual (Banco Banpará, código 037, agência 026, conta 180170-8)”;

O feito seguiu regular processamento, e o Juízo a...

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