Acórdão nº 12107843 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 3ª Turma de Direito Penal, 29-11-2022

Data de Julgamento29 Novembro 2022
Número do processo0801045-10.2021.8.14.0097
Data de publicação13 Dezembro 2022
Número Acordão12107843
Classe processualCRIMINAL - APELAÇÃO CRIMINAL
Órgão3ª Turma de Direito Penal

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0801045-10.2021.8.14.0097

APELANTE: U. S. S. D. S.

APELADO: J. P.

RELATOR(A): Desembargador JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR

EMENTA

DIREITO PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO DE VULNERÁVEL - ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO – CRIME SEXUAL – RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA – DEPOIMENTO DE TESTEMUNHAS QUE GUARDA CONSONÂNCIA COM AS ALEGAÇÕES DA MENOR –AUTORIA E MATERIALIDADE - COMPROVAÇÃO - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DO RÉU – IMPOSSIBILIDADE – PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME IMPUTADO PARA O DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL – ART. 215-A DO CÓDIGO PENAL – ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - TEMA1121 – A PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO COM MENOR DE 14 ANOS CONFIGURA O CRIME DO ART. 217-A, DO CÓDIGO PENAL, INDEPENDENTEMENTE DA LIGEIREZA OU DA SUPERIFICIALIDADE DA CONDUTA – DESCLASSIFICAÇÃO AFASTADA – CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL MANTIDA – DOSIMETRIA DA PENA EM CONSONÂNCIA COM OS DISPOSITIVOS LEGAIS – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acórdam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Componentes da 3ª Turma de Direito Penal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Pará, 37ª Sessão Ordinária do Plenário Virtual, ocorrida entre os dias 29 de novembro de 2022 e 06 de dezembro de 2022, à unanimidade, em CONHECER do Recurso, porém, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.

Julgamento presidido pelo Exmª Srª Desª Eva do Amaral Coelho.

Belém (PA), 13 de dezembro de 2022.

JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JÚNIOR

DESEMBARGADOR RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal nº 0801045-10.2021.8.14.0097 (autos eletrônicos), interposta pelo réu UBIRATAN SIDNEY SOUZA DA SILVA, em razão de sentença condenatória proferida pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Benevides, proferida nos autos da ação penal nº 0801045-10.2021.8.14.0097 (autos eletrônicos), que julgou procedente a denúncia e condenou o réu/apelante à pena de 08 anos 06 meses de reclusão pela prática do crime previsto no art. 217-A do Código Penal Brasileiro, fixando o regime inicial para cumprimento da pena o fechado, conforme Num. 9071612, p.1/7.

Irresignado, o réu interpôs o presente recurso de apelação (Num. 9071631 - Pág. 2/8), fundamentando-o na inexistência de provas suficientes para manutenção da condenação. Defende a subsunção do caso na hipótese de absolvição, prevista no art. 386, VII do CPP, e consequentemente, em observância ao princípio da presunção de inocência.

Subsidiariamente, busca a desclassificação do crime de estupro de vulnerável para o delito de importunação sexual, descrito no art. 215-A do CP, por entender que não se pode dar uma interpretação muito abrangente ao conceito de ato libidinoso, equiparando os atos lascivos àqueles meramente ofensivos ao pudor, sob pena de aplicar punições injustas e desproporcionais.

Para tanto, afirma que no entendimento predominante, o toque superficial nas partes íntimas da vítima, de forma rápida e inesperada, embora reprovável, não caracteriza o crime de estupro de vulnerável, mas sim a recente disposição legal de importunação sexual, inserido pela Lei nº 13.718/2018. Aduz, ainda, que embora não seja pacificada na jurisprudência a aplicação do tipo penal do art. 215-A do CP, não vislumbra nenhum óbice legal para sua incidência no caso concreto, razão pela qual requer, em pedido alternativo, a referida desclassificação.

Contrarrazões ao recurso apresentadas pelo Ministério Público sob o Num. 9071637 - Pág. 1 /8, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Recebi a relatoria do feito por distribuição.

Instado a manifestar-se, opinou o Ministério Público de 2º grau pelo improvimento do recurso, através de parecer da lavra do Procurador Francisco Barbosa de Oliveira - Num. 9435706 - Pág. 1/6.

É o necessário à relatar.

Encaminho o recurso à revisão, opinando pela inclusão do presente recurso na Paula da Sessão de Julgamento Virtual, por não existir nos autos manifestação de sustentação oral pela parte recorrente.

VOTO

Insurge-se o recorrente do decreto condenatório proferido pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Tucuruí, que o condenou como incurso nas sanções punitivas previstas no art. 217-A do Código Penal Brasileiro, impondo-lhe a pena definitiva de 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, conforme se extrai da sentença no Num. 9071612, p.1/7.

Sustenta a defesa que o arcabouço probatório dos autos é frágil e incapaz de subsidiar o édito condenatório combatido, pelo que pugna pela absolvição do apelante.

No que concerne à esse argumento, urge partilhar as anotações de Guilherme de Souza Nucci acerca da posição que o julgador deve adotar nas hipóteses em que se analisa a ocorrência de um crime sexual perpetrado contra uma criança, como o que se impõe.

Assinala o supracitado doutrinador em sua obra especializada no referido tema que “não se deve adotar uma postura absoluta, sob nenhum prisma: a de que prevalece sempre a da vítima porque o acusado sempre mente; prevalece sempre a do réu porque ele é adulto”.

Segue, assim, indicando a conduta que deve o julgador adotar, por entender ser a mais adequada, in verbis:

A regra é a valoração desse confronto, pelo magistrado, com o auxílio interpretativo das partes e, se possível, equipe de profissionais especializados, extraindo-se das entrelinhas de ambos os declarantes os dados relevantes para a solução do feito.(Tratado de crimes sexuais – 1.ed. – Rio de Janeiro – Forense, 2022, p. 211)

Exige-se, assim, do julgador, especial atenção à fala e às provas carreadas pelas partes, de modo que possa, através das informações que lhes chegam, com maior fidelidade possível, ponderar os fatos em análise, destacando que em sua maioria os crimes sexuais ocorrem de modo velado, raramente existem testemunhas.

No presente caso, o fato ocorreu em 18/07/2021, quando a menor V.S.D.S. contava com 09 (nove) anos de idade. Ouvida em juízo por meio de escuta especializada, no dia 18/11/2021, narrou os acontecimentos que culminaram com a infração penal em comento, in verbis:

Que estava brincando de boneca sozinha fora de sua casa quando que o apelante apareceu atrás do carro de lanche que seu tio, e que achou estranho porque o recorrente pegava em seu rosto e descia com a mão em seu corpo, e em seguida o apelante tocava no “pacote” dele, voltando em seguida a tocar no rosto e no corpo da vítima, em silêncio. Disse que de imediato correu para o interior de sua casa para contar ao seu irmão mais velho (Igor) o acontecido e que este contou à sua genitora (ID 9071584).

Insta ponderar que no ID 9071585 (00:01:34h), ao ter sido solicitado que indicasse qual parte do corpo denominava de “pacote”, a menor sinalizou o órgão genital.

Em seguida, a vítima detalhou que o apelante, ao passar a mão em seu corpo, o fez por cima de sua roupa (00:51 – ID 9071586), e que o recorrente apalpava o próprio órgão sexual, também por cima da roupa (01:04 – ID 9071586). Declinou que após contar ao irmão o que havia acontecido, não saiu mais de casa ( 02:00) e que a genitora da vítima, após saber do fato pelo irmão mais velho da vítima, contou às pessoas que estavam nas proximidades, e que foram em busca do apelante (02:20).

Chama a atenção a informação trazida pela vítima de que antes do fato em evidência, já tinha notado que o recorrente a olhava enquanto a vítima estava na companhia de suas colegas em frente de casa, razão pela qual sentia medo do mesmo. Inclusive afirma que referido sentimento já havia sido partilhado com sua genitora, que advertiu a menor que se ele (o apelante), fizesse algo com ela, que lhe contasse (ID9071587- 00:50).

Em relação a relação que possuía com o agente delitivo, declarou a menor que o conhecia a pouco tempo e que este nunca entrou em sua casa (ID9071587- 02:06); que o réu era amigo de seus genitores e de seu tio, e que auxiliava a procurá-los uma casa para morar (ID9071587- 02:18)

O depoimento da menor apresentou-se rico em minúcias e informações esclarecedoras. Não possui qualquer inconsistência, o que se verifica pela técnica de repetição de perguntas, em que a vítima responde de maneira idêntica nas ocasiões em que lhes são apresentadas as mesmas perguntas, em fases distintas de seu depoimento, o que denota veracidade em sua fala.

Do mesmo modo, as declarações da menor corroboram com o depoimento genitora, T.C.D.S., que perante o Juízo respondeu às perguntas em conformidade com o conteúdo das declarações feitas perante a autoridade policial (Num. 9071512 - Pág. 11), conforme mídia no ID 9071591.

Em casos de suposta ocorrência de crime sexual, como no caso dos autos, julgados dos Tribunais superiores sinalizam que a palavra da vítima, independentemente da idade desta, quando coerente, bem delimitada, e aliada às demais provas dos autos, possui plena validade e ostenta aptidão para fundamentar condenação.

Vejamos:

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES SEXUAIS. ALEGAÇÃO DE OBSCURIDADE. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. VÍCIO. NÃO OCORRÊNCIA. ACLARATÓRIOS REJEITADOS. [...] 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que nos crimes de natureza sexual, os quais nem sempre deixam vestígios, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado. [...] 7. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg no AREsp 1964547/DF, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022) (grifo nosso).

APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PROVA DOS AUTOS - CONDENAÇÃO RESPALDADA - CRIMES SEXUAIS - PALAVRA DA VÍTIMA - ESPECIAL RELEVÂNCIA - RECURSO DESPROVIDO. Comprovada a materialidade delitiva e sua respectiva...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT