Acórdão nº 12186570 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Público, 12-12-2022

Data de Julgamento12 Dezembro 2022
Número do processo0863164-79.2018.8.14.0301
Data de publicação14 Dezembro 2022
Número Acordão12186570
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL
Órgão2ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0863164-79.2018.8.14.0301

APELANTE: JOSINEIDE SOUSA BENJAMIN, WALMIR DIAS PEREIRA

APELADO: ESTADO DO PARA

RELATOR(A): Desembargadora LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MORTE DE CUSTODIADO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, §6º, DA CF/88. DEVER ESPECÍFICO DE PROTEÇÃO. RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS. ART. 5, XLIX, DA CF/88. TEMA 592 DO STF. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM SENTENÇA PARA O VALOR DE R$50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS) EM FAVOR DOS GENITORES DO DE CUJUS. R$25.000 (VINTE E CINCO MIL) PARA CADA AUTOR-GENITOR. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CUSTAS PROCESSUAIS INALTERADAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ALTERADOS PARA O PATAMAR DE 10% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. OBSERVÂNCIA AOS TEMAS 905 DO STJ E 810 DO STF. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos acima identificados, ACÓRDAM os Excelentíssimos Desembargadores que integram a 2ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento à apelação, na conformidade do Relatório e Voto, que passam a integrar o presente Acórdão.

Sessão de julgamento presidida pelo (a) Excelentíssimo (a) Desembargador (a) Luiz Gonzaga da Costa Neto.

36ª sessão do Plenário Virtual da 2ª Turma de Direito Público, em 12/12/2022.

Belém/PA, assinado na data e hora registradas no sistema.

Desa. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

Relatora

RELATÓRIO

A SENHORA DESEMBARGADORA LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO (Relatora):

Trata-se de apelação cível em face de sentença proferida pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Belém que julgou procedente a ação de indenização por danos morais para condenar o Estado do Pará ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de danos morais, para cada um dos genitores do ex-detento Wellyton Benjamim Pereira (falecido que estava sob a custódia do ente estadual).

Irresignados, os autores apelaram alegando, em apertada síntese, a majoração do quantum indenizatório atinente aos danos morais para o valor requerido nos pedidos da exordial, por entender que o valor determinado na sentença encontra-se fora dos parâmetros de proporcionalidade e razoabilidade apresentados.

Outrossim, pleiteiam os recorrentes a majoração do valor fixado em sentença a título de honorários sucumbenciais, sob o argumento de que não restou respeitado o art. 85, §§2º e 3º do CPC.

Contrarrazões recursais apresentadas pelo réu.

Coube-me a relatoria do feito, ocasião em que recebi a apelação no duplo efeito.

O representante ministerial no 2º grau eximiu-se de emitir parecer.

É o relatório. Passo a decidir.

VOTO

A SENHORA DESEMBARGADORA LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO (Relatora):

Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.

Cinge-se a controvérsia recursal em definir se o valor fixado em sentença a título de indenização por danos morais encontra-se dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, em razão da morte de custodiado (filho dos requerentes), bem como se a condenação ao pagamento de honorários advocatícios está em consonância com a legislação processual cível.

A priori, esclarece-se que a responsabilidade civil do Estado é compreendida como a obrigação de proceder à reparação, por indenização pecuniária, por danos causados a terceiros em virtude de atuações de seus agentes, sejam elas omissivas ou comissivas, legais ou não.

A Constituição aborda o assunto em seu art. 37, §6º determinando, in verbis:

Art. 37 (...)

§ 6°. as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifei).

Para efeitos de esclarecimento dos fundamentos da teoria da responsabilidade objetiva, citamos os ensinamentos de Silvio Rodrigues[1]:

“Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente. (...)

Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele". (grifei)

O presente caso se enquadra perfeitamente na referida espécie de responsabilidade estatal, haja vista a comprovação do dano sofrido em razão de fato administrativo, restando evidenciado o nexo causal entre a conduta da Administração e a lesão, não merecendo reparos a conclusão da sentença recorrida. Explico.

O de cujus, Wellynton Benjamin Pereira, foi encontrado morto em sua cela, nas dependências do Centro de Triagem da Cremação, no dia 30 de julho de 2018, tendo como causa da morte “asfixia mecânica, construção externa de pescoço, enforcamento”, conforme se extrai da certidão de óbito juntada aos autos.

Tal fato ocorrido dentro do presídio vincula a Administração Pública na medida em que esta deve ser responsabilizada pela morte de detento em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, nos termos da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 592).

Para o Relator do recurso (RE – 841526/RS), Ministro Luiz Fux, até mesmo em casos de suicídio de presos é possível ficar caracterizada a responsabilidade civil do Estado. O Ministro apontou a existência de diversos precedentes neste sentido no STF e explicou que, mesmo que o fato tenha ocorrido por omissão, não é possível exonerar a responsabilidade estatal, pois há casos em que a omissão é núcleo de delitos. O Ministro destacou que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIX, é claríssima em assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral. “Se o Estado tem o dever de custódia, tem também o dever de zelar pela integridade física do preso. Tanto no homicídio quanto no suicídio há responsabilidade civil do Estado”, concluiu o relator.

Neste mesmo sentido, colaciono entendimentos da jurisprudência pátria:

AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. MORTE DE PESSOA SOB A CUSTÓDIA DA POLÍCIA. NEXO CAUSAL. DEVER ESPECIAL DE PROTEÇÃO DA INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO PRESO. ART. 5º, XLIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM O TEMA 592/STF. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. No julgamento do RE n. 841.526 RG/RS, sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que "em caso de inobservância do seu dever de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento" (Tema n. 592/STF). 2. Na espécie, esta Corte Superior identificou o nexo causal entre a omissão dos agentes da Polícia Militar de Minas Gerais e o evento que culminou na morte de detento que encontrava-se sob sua custódia, afirmando a responsabilidade civil do Estado com base na inobservância do seu dever específico de proteção. 3. Agravo interno não provido.

(STJ - AgInt no RE nos EDcl no AREsp: 1717869 MG 2020/0150928-5, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 07/12/2021, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 16/12/2021)

APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. REJEITADA. MÉRITO. ARGUIÇÃO DE APLICABILIDADE DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E INEXISTÊNCIA DE ATO CULPOSO OU DOLOSO POR PARTE DOS AGENTES PÚBLICOS. AFASTADA. MORTE DO DETENTO OCORREU DENTRO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ARTIGO 37, §6º DA CF/88. DEVER CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO FÍSICA E MORAL DO PRESO. ARTIGO 5º, XLIX, DA CF/88. RE 841.526 (TEMA 592). DANO MORAL PRESUMIDO. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO VALOR A SER INDENIZADO. REJEITADO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO EM R$ 50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS) POR ATENDER AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS, PORÉM, IMPROVIDAS. SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.

(TJPA – Proc. 0014823-60.2015.8.14.0301 - Ac. 2594264, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 1ª Turma de Direito Público, Julgado em 2019-12-16, Publicado em 2019-12-18)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO POR MORTE. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA EM DESFAVOR DA FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. CUSTODIADO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. CULPA IN VIGILANDO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O ponto nodal deste recurso, qual seja, a antencipação de tutela para conceder pensão por morte em desfavor da Fazenda Pública, já foi admitida em outras oportunidades por este E. Sodalício. 2. Não procedem, também, as alegações do agravante acerca da exclusão da responsabilidade estatal pela morte do detento, eis que cabe ao Estado zelar pela integridade física dos internos em seus estabelecimentos prisionais, configurando-se hipótese de culpa in vigilando , bastando, neste caso, a comprovação do dano e do nexo causal. 3. De tal modo que, em conformidade com a rotineira jurisprudência do STF, do STJ e deste TJES, a responsabilidade do Estado pela morte de detento, ainda que provocada por outros prisioneiros, é objetiva, e dos documentos e laudos juntados a estes autos, restou demonstrado que o companheiro e genitor das recorridas foi assassinado por asfixia no interior do presídio onde cumpria pena, o que deixa evidente o descontrole administrativo da grande maioria dos estabelecimentos prisionais. Patente a falha do Estado em zelar pela incolumidade física de seu custodiado, e inafastável,...

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