Acórdão nº 12189829 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Público, 05-12-2022

Data de Julgamento05 Dezembro 2022
Número do processo0800357-69.2020.8.14.0069
Data de publicação15 Dezembro 2022
Número Acordão12189829
Classe processualCÍVEL - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Órgão2ª Turma de Direito Público

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) - 0800357-69.2020.8.14.0069

JUIZO RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ MPPA
REPRESENTANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

RECORRIDO: MUNICÍPIO DE PACAJÁ, ESTADO DO PARÁ, OSMAR DE JESUS RAMOS
REPRESENTANTE: MUNICIPIO DE PACAJA, PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARÁ

RELATOR(A): Desembargador JOSÉ MARIA TEIXEIRA DO ROSÁRIO

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO A SAÚDE. TRANSFERÊNCIA HOSPITALAR E INTERNAÇÃO EM HOSPITAL. DEVER CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS.

1) O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição Estadual. Precedentes do STF e STJ.

2) Deve ser mantida a sentença que determinou que os entes estadual e municipal providenciassem a transferência urgente de paciente com infarto agudo do miocárdio, à leito em hospital de referência, diante do quadro grave de saúde.

3) Remessa Necessária conhecida. Sentença mantida in totum.

ACORDAM, os Senhores Desembargadores componentes da 2ª Turma de Direito Público, por unanimidade, em CONHECER da Remessa Necessária e MANTER IN TOTUM A SENTENÇA, nos termos do voto do relator.

Julgamento Virtual do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos cinco dias do mês de dezembro do ano de dois mil e vinte e dois .

Esta Sessão foi presidida pelo (a) Exmo. (a) Sr. (a). Desembargador (a) Dr. (a) Luzia Nadja Guimarães Nascimento .



RELATÓRIO

Trata-se de REMESSA NECESSÁRIA de sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Pacajá que, nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ em favor de OSMAR DE JESUS RAMOS em desfavor do ESTADO DO PARÁ e do MUNICÍPIO DE PACAJÁ, julgou parcialmente procedentes os pedidos da exordial (id. 4088522).

Em exordial (id. 4088498), narrou-se que o paciente OSMAR DE JESUS RAMOS, de 62 anos de idade, teve um infarto e encontrava-se internado no Hospital Municipal Maria Maura Rodrigues de Jesus de Pacajá, aguardando leito em hospital de referência para o tratamento médico do paciente, mesmo com indicação e classificação de risco ‘emergência’ e internação em caráter de ‘urgência’.

Após o regular trâmite processual, o juízo a quo proferiu sentença, julgando procedente a ação, confirmando os efeitos da tutela de urgência deferida, para o efetivo tratamento de infarto agudo do miocárdio e, mediante prescrição médica, todo o tratamento necessário ao pronto restabelecimento de saúde do assistido, inclusive com o fornecimento de medicamentos, sob pena de incidência de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) (id. 4088522).

As partes não interpuseram recurso voluntário, conforme consta em certidão (id. 4088527).

O Ministério Público de 2º grau manifestou-se pela ratificação de todos os termos das suas razões iniciais apresentadas pelo Ministério Público de 1º grau (id. 4967100).

É o relatório.

À Secretaria para inclusão em pauta para julgamento em Plenário Virtual.

VOTO

Preenchidos os pressupostos processuais, conheço desta Remessa Necessária.

Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará em desfavor do Estado do Pará e do Município de Pacajá, em razão da necessidade de disponibilização de leito e tratamento médico em razão de infarto agudo do miocárdio sofrido por Osmar de Jesus Ramos.

Sabe-se que o direito à saúde é direito fundamental do ser humano, corolário do direito à vida. As disposições constitucionais neste sentido são autoaplicáveis, dada a importância dos referidos direitos. Não há como afastar a responsabilidade dos entes públicos para com o problema da saúde.

Ora, compete à União, aos Estados e aos Municípios o resguardo dos direitos fundamentais relativos à saúde e à vida dos cidadãos, conforme regra expressa do art. 196 da Constituição Federal. Da mesma forma, dispõe claramente a Constituição Estadual, em seu art. 241, que a saúde é direito de todos e dever do Estado e dos Municípios.

A jurisprudência pátria reconhece, de maneira uníssona a solidariedade entre os entes federativos, União, Estados e Municípios, em casos como o dos autos. Desta forma, tal solidariedade permite que o cidadão exija, em conjunto ou separadamente, o cumprimento da obrigação por qualquer dos entes públicos, independentemente da regionalização e hierarquização do serviço público de saúde.

Assim é o posicionamento esposado pelo Egrégio STF:

“(...) DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) – (...). O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (...)”. (RE-AGR N.º 393.175/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 12.12.2006)

No mesmo sentido, o STJ tem se manifestado há muitos anos: AgRg no Ag n.º 858.899/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 26.06.2007; REsp n.º 719.716/SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07.06.2005.

Ademais, é sabido que a Constituição Federal, em seu artigo 198, assim preceitua sobre o serviço público de saúde:

Art.198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (...)

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes".

A relevância pública do serviço de saúde, de prioridade estatal, impõe à administração cumprir o requisito "oferta de saúde", e executá-lo, pessoal ou através de terceiros, pessoa física ou jurídica de direito privado, estabelecendo que é de acesso amplo e irrestrito a todo cidadão, a ser proporcionada descentralizadamente pelos distintos Entes (Municípios, Estados e DF e União), com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo algum da atividade assistencial posterior ao evento, na medida da necessidade.

A Lei n.º 8.080/90 estabeleceu em seu artigo 7º que as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da CF.

O Estado, a União e o Município são competentes para a prestação de serviços de saúde (CR art. 30, VII), cabendo ao primeiro a descentralização, nos termos da Lei 8.080/90. Portanto, a União e os Estados cooperam técnica e financeiramente, e os Municípios, mediante a descentralização, executam os serviços, inclusive em termos de medicamentos.

A saúde compete solidariamente à União, Estados e Municípios, podendo o cidadão acionar qualquer desses entes federativos, conjunta, ou isoladamente, para fins de obtenção de medicamentos que não integram a tabela do Sistema Único de Saúde.

Em interpretação objetiva da regra constitucional tem-se que o direito à saúde exclui qualquer discriminação de atendimento de um e outro cidadão, pois todos têm direito de obter o tratamento que precisar. A saúde está elevada ao patamar de dignidade humana, tão decantado nas últimas décadas, a exemplo das anteriores Cartas Magnas.

Vê-se, pelo texto da Carta Federal que a regra não é programática, ou seja,...

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