Acórdão nº 12189831 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Público, 05-12-2022

Data de Julgamento05 Dezembro 2022
Número do processo0801241-49.2019.8.14.0032
Data de publicação15 Dezembro 2022
Número Acordão12189831
Classe processualCÍVEL - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Órgão2ª Turma de Direito Público

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) - 0801241-49.2019.8.14.0032

JUIZO RECORRENTE: ESTADO DO PARA, MUNICIPIO DE MONTE ALEGRE/PA
REPRESENTANTE: PARA MINISTERIO PUBLICO, MUNICIPIO DE MONTE ALEGRE

RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARA
REPRESENTANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

RELATOR(A): Desembargador JOSÉ MARIA TEIXEIRA DO ROSÁRIO

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL COROLÁRIO DO DIREITO À VIDA. CRIANÇA RECÉM-NASCIDA DIAGNOSTICADA COM ESTENOSE DE PILORO. NECESSIDADE DE TRANSFERÊNCIA HOSPITALAR E INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE REFERÊNCIA COM UTI NEONATAL E CIRURGIA PEDIÁTRICA. DEVER CONSTITUCIONAL. SENTENÇA MANTIDA.

1) O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição Estadual. Precedentes do STF e STJ.

2) Deve ser mantida a sentença que determinou que o ente estadual providenciasse a transferência urgente de paciente, à leito em hospital de referência, com UTI neonatal, bem como a cirurgia pediátrica necessária, diante do quadro grave de saúde da criança recém-nascida.

3) Remessa Necessária conhecida. Sentença mantida in totum.


ACORDAM, os Exmos. Desembargadores que integram a Egrégia 2ª Turma de Direito Público desta Egrégia Corte de Justiça, à unanimidade de votos, em CONHECER da Remessa Necessária e MANTER IN TOTUM A SENTENÇA, nos termos do voto do relator.

Julgamento Virtual do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos cinco dias do mês de dezembro do ano de dois mil e vinte e dois .

Esta Sessão foi presidida pelo (a) Exmo. (a) Sr. (a). Desembargador (a) Dr. (a) Luzia Nadja Guimarães Nascimento .



RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária de sentença proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Monte Alegre, nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará, em favor do menor A. M. O. S., contra o Município de Monte Alegre e o Estado do Pará, que julgou procedentes os pedidos da exordial, assegurando ao menor a transferência hospitalar necessária ao seu tratamento de saúde.

Em exordial, narrou-se que o paciente, a criança A. M. O. S., após a 3ª semana de seu nascimento, passou a apresentar quadro clínico de vômito, tendo como diagnóstico estenose de piloro, necessitando de transferência hospitalar à local onde tivesse acesso ao tratamento necessário à sua moléstia.

Após a Secretaria de Saúde de Monte Alegre responder ao ofício do MP, informando que não havia previsão de disponibilização de leito para a infante, o parquet ajuizou a demanda, a fim de garantir o direito à saúde ao menor. (Id n° 3993216)

Em Decisão inicial, o juízo a quo deferiu a Tutela de Urgência pretendida, vez que entendeu preenchidos os requisitos autorizadores, determinando que o Município de Monte Alegre e o Estado do Pará, promovessem a transferência hospitalar da criança, no prazo de 24 horas, para o setor de pediatria do Hospital Regional do Baixo Amazonas, para avaliação e realização de piloroplastia, ou outro hospital adequado, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), a cada um dos entes públicos demandados, limitado à R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), cada. (Id n° 3993219)

Após o regular trâmite processual, o juízo a quo proferiu sentença, julgando procedente a ação, confirmando os efeitos da tutela de urgência deferida. (Id n° 3993244)

As partes não interpuseram apelações. Então, os autos foram encaminhados a este Egrégio Tribunal de Justiça, para Reexame Necessário. (Id n°3993249)

O Ministério Público de 2º grau emitiu parecer opinando pela manutenção in totum da sentença. (Id n° 6380578)

Vieram-me conclusos os autos.

É o relatório.

À Secretaria para inclusão do feito em pauta para julgamento em Plenário Virtual.

VOTO

Preenchidos os pressupostos processuais, conheço desta Remessa Necessária.

Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará, em favor do menor A. M. O. S., contra o Município de Monte Alegre e o Estado do Pará, a fim de garantir a transferência hospitalar necessária ao tratamento de saúde da criança.

O direito à saúde é direito fundamental do ser humano, corolário do direito à vida. As disposições constitucionais neste sentido são autoaplicáveis, dada a importância dos referidos direitos. Não há como afastar a responsabilidade dos entes públicos para com o problema da saúde.

Ora, compete à União, aos Estados e aos Municípios o resguardo dos direitos fundamentais relativos à saúde e à vida dos cidadãos, conforme regra expressa do art. 196 da Constituição Federal. Da mesma forma, dispõe claramente a Constituição Estadual, em seu art. 241, que a saúde é direito de todos e dever do Estado e dos Municípios.

A jurisprudência pátria reconhece, de maneira uníssona a solidariedade entre os entes federativos, União, Estados e Municípios, em casos como o dos autos. Desta forma, tal solidariedade permite que o cidadão exija, em conjunto ou separadamente, o cumprimento da obrigação por qualquer dos entes públicos, independentemente da regionalização e hierarquização do serviço público de saúde.

Assim é o posicionamento esposado pelo Egrégio STF:

“(...) DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) – (...). O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (...)”. (RE-AGR N.º 393.175/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 12.12.2006)

No mesmo sentido, o STJ tem se manifestado há muitos anos: AgRg no Ag n.º 858.899/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 26.06.2007; REsp n.º 719.716/SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07.06.2005.

Ademais, é sabido que a Constituição Federal, em seu artigo 198, assim preceitua sobre o serviço público de saúde:

Art.198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (...)

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes".

A relevância pública do serviço de saúde, de prioridade estatal, impõe à administração cumprir o requisito "oferta de saúde", e executá-lo, pessoal ou através de terceiros, pessoa física ou jurídica de direito privado, estabelecendo que é de acesso amplo e irrestrito a todo cidadão, a ser proporcionada descentralizadamente pelos distintos Entes (Municípios, Estados e DF e União), com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo algum da atividade assistencial posterior ao evento, na medida da necessidade.

A Lei n° 8.080/90 estabeleceu em seu artigo 7º que as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da CF.

O Estado, a União e o Município são competentes para a prestação de serviços de saúde (CR art. 30, VII), cabendo ao primeiro a descentralização, nos termos da Lei n° 8.080/90. Portanto, a União e os Estados cooperam técnica e financeiramente, e os Municípios, mediante a descentralização, executam os serviços,...

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