Acórdão nº 12483778 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 23-01-2023

Data de Julgamento23 Janeiro 2023
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL
Órgão1ª Turma de Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0000742-41.2014.8.14.0140

APELANTE: MUNICÍPIO DE CACHOEIRA DO PIRIÁ

APELADO: ALBENOR BEZERRA PONTES, ANTENOR FONSECA DE OLIVEIRA FILHO

RELATOR(A): Desembargadora ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA

EMENTA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITOS DO MUNICÍPIO DE CACHOEIRA DO PIRIÁ. CONVÊNIO Nº 164/2010. PRESTAÇÃO DE CONTAS TARDIA. AUSÊNCIA DE DOLO. DANO AO ERÁRIO NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

I – Após as alterações decorrentes da Lei nº 14.230/2021, para a configuração da improbidade administrativa capitulada no caput e incisos do art. 11 da Lei nº 8.429/92 se faz necessário demonstrar o elemento subjetivo doloso na conduta praticada pelo agente público, consubstanciada na livre e espontânea vontade de praticar atos contrários aos deveres de honestidade, legalidade e lealdade, sob pena de inadequação típica;

II - In casu, o Município de Cachoeira do Piriá ajuizou uma Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa em desfavor dos apelados, ex-prefeitos do referido município, sob a alegação que os recorridos deixaram de prestar contas do Convênio nº 164/2010, firmado com o Estado do Pará, que tinha por objeto promover a transferência de recursos objetivando viabilizar o transporte escolar dos alunos residentes na zona rural e ribeirinhos matriculados na rede pública estadual de ensino no Município de Cachoeira do Piriá;

III – Compulsando a documentação constante nos autos, constata-se que os apelados realizaram, no dia 31/05/2016, a prestação de contas do Convênio nº 164/2010 junto a Secretaria de Educação do Estado do Pará e o Tribunal de Contas do Estado do Pará, o que afasta a omissão do dever de prestar contas, conduta prevista no inciso VI do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa;

IV – Destarte, não ficou demonstrada no comportamento dos apelados a vontade consciente em causar efetivo prejuízo ao erário, tampouco a deliberada vontade em se omitir de prestar contas, a fim de ocultar irregularidades;

V - A jurisprudência pátria possui entendimento majoritário no sentido de que o mero atraso na prestação de consta não implica na responsabilização de um agente público por ato de improbidade administrativa. Precedentes no colendo STJ;

VI – Recurso de apelação conhecido e improvido.

Vistos, etc.,

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso, e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Magistrada Relatora.

Sessão de Plenário Virtual da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, realizada no período de 23 a 30 de janeiro de 2023.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESA. ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA (RELATORA):

Trata-se de Recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto pelo MUNICÍPIO DE CACHOEIRA DO PIRIÁ, manifestando seu inconformismo com a sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da Vara Única do Termo Judiciário de Cachoeira do Piriá, que, nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo ora apelante em desfavor de ALBENOR BEZERRA PONTES e ANTENOR FONSECA DE OLIVEIRA FILHO, julgou improcedente a referida ação, sendo o feito extinto com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do NCPC. Condenou o recorrente, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, os quais foram fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

Em resumo, na referida ação (Num. 2560846 - Pág. 2/16), o patrono do apelante narrou que os apelados, no período em que foram prefeitos do Município de Cachoeira do Piriá, deixaram de prestar contas referente ao Convênio nº 164/2010, firmado com o Estado do Pará, o qual tinha por objeto promover a transferência de recursos visando viabilizar o transporte escolar dos alunos residentes na zona rural e ribeirinhos matriculados na rede pública estadual de ensino no Município recorrente.

Ao final, pugnou pela condenação dos apelados ao ressarcimento do dano sofrido no valor de R$ 53.444,87 (cinquenta e três mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais e oitenta e sete centavos), além da perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, a proibição de contratar com os poderes públicos e ao pagamento de multa civil.

Após a instrução processual, o Juízo Monocrático proferiu a sentença supramencionada (Num. 2560863 - Pág. 6/10), julgando improcedente a ação ajuizada pelo apelante, conforme acima explicitado.

Nas razões recursais do apelo interposto (Num. 2560864 - Pág. 2/13), o recorrente aduziu que a justificativa apresentada pelos apelados para a ausência de prestação de contas do Convênio nº 164/2010 foi a ocorrência de um incêndio no prédio da Prefeitura de Cachoeira do Piriá, que destruiu os comprovantes hábeis a prestar contas do referido convênio, entretanto, o mencionado incêndio aconteceu antes do convênio ter sido assinado.

Salientou que a prestação de contas dos apelados junto à Secretaria de Educação do Estado do Pará e o Tribunal de Contas do Estado do Pará ocorreu apenas no dia 31/05/2016, ou seja, após 04(quatro) meses que o procurador dos recorridos tomou conhecimento dos fatos constantes no presente processo.

Sustentou que a jurisprudência desse egrégio Tribunal é pacífica no sentido de que a prestação de contas após a citação em Ação de Improbidade Administrativa não tem o condão de dispensar o agente público de responsabilização pelos atos dispostos na Lei de Improbidade Administrativa.

Ao final, pleiteou pelo conhecimento e provimento do presente recurso de apelação, com a reforma da sentença guerreada.

Os apelados apresentaram contrarrazões ao recurso (Num. 2560917 - Pág. 8/11), pugnando, em resumo, pelo improvimento do apelo.

O recurso foi distribuído à minha relatoria e, através da decisão de ID Num. 2579814 - Pág. 1, recebi o recurso no duplo efeito e determinei o encaminhamento dos autos ao Órgão Ministerial.

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Raimundo de Mendonça Ribeiro Alves, exarou parecer no caso dos autos, opinando pelo conhecimento e provimento do apelo (Num. 2624829 - Pág. 1/7).

Em razão das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 à Lei de Improbidade Administrativa, determinei a intimação das partes para que se manifestassem no prazo de 10 (dez) dias e que os autos, posteriormente, fossem encaminhados para uma nova manifestação do Órgão Ministerial (Num. 10607320 - Pág. 1).

As partes não se manifestaram acerca das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, apesar de terem sido devidamente intimadas, conforme demonstra a certidão exarada pela Unidade de Processamento Judicial das Turma de Direito Público e Privado deste egrégio Tribunal (Num. 11209834 - Pág. 1).

O eminente Procurador de Justiça, Dr. Jorge de Mendonça Rocha, exarou um novo parecer no caso dos autos, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Num. 11904044 - Pág. 1/8).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. DESA. ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA (RELATORA):

Presentes os pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido o presente recurso.

MÉRITO

À míngua de questões preliminares, atenho-me ao exame do mérito.

A controvérsia do presente caso cinge-se ao acerto ou não da sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da Vara Única do Termo Judiciário de Cachoeira do Piriá, que, nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Município de Cachoeira do Piriá em desfavor dos ex-prefeitos do referido município Albenor Bezerra Pontes e Antenor Fonseca de Oliveira Filho, julgou improcedente a referida ação.

Inicialmente, considerando as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 à Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), se torna imprescindível a análise quanto a aplicação imediata das modificações promovidas na Lei de Improbidade aos processos em curso, com fito de prestar a conveniente e correta jurisdição.

Por se tratar de norma de direito administrativo sancionador ostentando caráter benéfico, tão logo vigente a nova norma surgiu certa celeuma sobre a sua aplicação retroativa, vale dizer, alcançando fatos e atos praticados sob a vigência do texto que precede a reforma.

A questão chegou ao colendo Supremo Tribunal Federal, que nos autos do ARE 843.989 reconheceu a Repercussão Geral no tema, afetando-o ao regime constitucional correlato aos casos seriais.

Trata-se do Tema 1199 do Pretório Excelso, sendo relator o eminente Ministro Alexandre de Moraes, o qual foi julgado no dia 18/08/2022 e teve o acórdão publicado no dia 12/12/2022, restando fixada a seguinte tese:

“1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei

14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.”

Outrossim, a Suprema Corte fixou entendimento quanto à irretroatividade da nova lei nos aspectos supramencionados, ressalvando, contudo, a sua retroação benéfica apenas em relação à revogação da modalidade culposa do ato de improbidade, para que seja verificada a presença de dolo, e limitada tal...

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