Acórdão nº 12733270 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 07-02-2023

Data de Julgamento07 Fevereiro 2023
Classe processualCÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL
Órgão2ª Turma de Direito Privado

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0005845-94.2015.8.14.0301

APELANTE: CILENE ARAUJO DA SILVA

APELADO: VENERAVEL ORDEM TERCEIRA DE SFRANCISCO

RELATOR(A): Desembargadora MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

EMENTA

EMENTA


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO/REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – RESPONSABILIDADE CÍVIL – REALIZAÇÃO DE LAQUEADURA SEM AQUIESCÊNCIA DA PACIENTE DURANTE PROCEDIMENTO DE PARTO CESARIANO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – MÚNUS DA PARTE AUTORA/APELANTE – ART. 373, I, DO CPC – NEXO DE CAUSALIDADE NÃO DEMONSTRADO – EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE PRONTUÁRIO MÉDICO – IMPOSSIBILIDADE – FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 20 (VINTE) ANOS – EXASPERAÇÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 6º DA LEI N. 13.787/2018DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA ESCORREITA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1 – Hipótese em que o alegado dano extrapatrimonial decorreria da realização de procedimento de retirada das trompas de falópio (laqueadura), sem o consentimento da autora/apelante, durante parto cesariano feito no hospital apelado em 1994.

2 – A responsabilidade das instituições hospitalares quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados ao hospital, como ocorre na hipótese, é solidária, devendo ser apurada a culpa profissional, ou seja, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta.

3 – Revela-se incontroverso que a autora/apelante de fato se submeteu em 03/01/1994, a um parto cesariano no hospital apelado, realizado pela médica ginecologista Maria Auxiliadora Leão Sena, entretanto, os elementos probatórios existentes nos autos, não permitem inferir que a retirada das trompas de falópio (laqueadura) da autora/apelante, se deu de fato no procedimento cesariano realizado no hospital apelado.

4 – É incabível exigir da instituição hospitalar a apresentação do portuário médico da apelante, uma vez que a presente demanda foi ajuizada quando exasperado o lapso de 20 (vinte) anos, prazo previsto em lei para armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente, a teor do o art. 6º da Lei n. 13.787/2018.

5 – Desse modo, resta evidente que a parte autora não se desincumbiu do múnus que lhe recaia, de comprovar o nexo de causalidade entre o dano experimentado e a alegado ato ilícito, sendo de rigor a improcedência da pretensão indenizatória.

6 – Recurso de Apelação Conhecido e Desprovido para manter a sentença vergastada em todos os seus termos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, onde figuram como partes as acima identificadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores membros da Colenda 2ª Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará na Sessão Ordinária realizada em 07 de fevereiro de 2023 (Plenário Virtual), na presença do Exmo. Representante da Douta Procuradoria de Justiça, por unanimidade de votos, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, nos termos do voto da Exma. Desembargadora Relatora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães.

MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

Desembargadora Relatora


RELATÓRIO

APELAÇÃO CÍVEL N. 0005845-94.2015.8.14.0301

APELANTE: CILENE ARAÚJO DA SILVA

APELADO: VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO

COMARCA DE ORIGEM: BELÉM/PA

RELATORA: DESA. MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

EXPEDIENTE: 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de Recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto por CILENE ARAÚJO DA SILVA inconformada com a Sentença prolatada pelo MM. Juízo da 3ª Vara Cível e Empresarial de Belém/PA que, nos autos da AÇÃO DE INDENIZAÇÃO/REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS, ajuizada por si contra VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO, julgou improcedente o pleito exordial.

Em sua inicial (ID. 11809978), narrou a autora/apelante que em 03/01/1994, se submeteu a um parto cesariano no hospital requerido, e que passados 18 (dezoito) anos, surgiu o interesse de ser mãe novamente, oportunidade em que foi surpreendida com a descoberta de que as suas trompas de falópio foram retiradas sem seu consentimento quando da realização do primeiro parto.

Pleiteou assim, pela procedência da pretensão exordial para que a requerida fosse condenada ao pagamento de indenização por danos morais no importe de mil salários mínimos.

Juntou a autora, documentos com escopo de subsidiar seu pleito.

Em contestação (ID. 11809997), aduziu a requerida, em suma, não ser cabível a responsabilidade objetiva do hospital por eventual dano causado pela médica integrante do hospital/réu que realizou o parto cesariano da autora, pugnando, assim, pela improcedência da exordial.

Em audiência de instrução (ID. 11810101), foi deferida gratuidade de justiça a parte autora; distribuído o ônus probatório e fixado os pontos controvertidos.

O feito seguiu seu tramite até a prolação da sentença (ID. 11810104), que julgou totalmente improcedente a exordial, extinguindo o feito com resolução de mérito, deixando de condenar o autor ao pagamento das verbas sucumbenciais em razão da concessão da gratuidade de justiça.

Dessa decisão, opôs a autora embargos de declaração (ID. 11810108), que, por sua vez, fora rejeitada pelo juízo primevo (ID. 11810112).

Inconformada, a autora CILENE ARAÚJO DA SILVA interpôs Recurso de Apelação (ID. 11810112).

Alega que o juízo primevo ao sanear o feito, fixou como incontroverso que a autora realizou procedimento cesariano no hospital da apelada, oportunidade em que contra sua vontade foi submetida à cirurgia de retirada das trompas de falópio (laqueadura).

Aduz ser incontroversa a responsabilidade civil objetiva do hospital apelado, visto que não se desincumbiu de comprovar fato impeditivo do direito da autora, ora apelante, sendo de rigor a procedência da exordial.

Arrazoa que restou incontroverso nos autos que a parte autora/apelante não tinha ciência que seria submetida à cirurgia de laqueadura, sendo patente o dano moral impingido na hipótese.

Pleiteia assim, pelo provimento do recurso para que seja reformada na integra a sentença de piso, julgando totalmente procedente a pretensão exordial.

O prazo para a apresentação de contrarrazões decorreu in albis (ID. 11810116).

Após distribuição, coube-me a relatoria do feito.

Instada a se manifestar, a Douta Procuradoria de Justiça arguiu inexistir interesse de incapaz a ensejar sua intervenção (ID. 11911261).

É o relatório.

MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

Desembargadora – Relatora


VOTO

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Avaliados, preliminarmente, os pressupostos processuais subjetivos e objetivos deduzidos pelo apelante, tenho-os como regularmente constituídos, bem como atinentes à constituição regular do feito até aqui, razão pela qual conheço do recurso, passando a proferir voto.

QUESTÕES PRELIMINARES

Face a ausência de questões preliminares atenho-me ao exame do mérito da demanda.

MÉRITO

Cinge-se a controvérsia recursal a aferição de eventual dano extrapatrimonial indenizável, consubstanciado no erro médico cometido por profissional médico do hospital apelado.

Consta das razões deduzidas pelo ora apelante que o juízo primevo ao sanear o feito, fixou como incontroverso que a autora realizou procedimento cesariano no hospital da apelada, oportunidade em que contra sua vontade foi submetida à cirurgia de retirada das trompas de falópio (laqueadura); ser incontroversa a responsabilidade civil objetiva do hospital apelado, visto que não se desincumbiu de comprovar fato impeditivo do direito da autora, ora apelante, sendo de rigor a procedência da exordial; bem assim que restou incontroverso nos autos que a parte autora/apelante não tinha ciência que seria submetida à cirurgia de laqueadura, sendo patente o dano moral impingido na hipótese.

Da Responsabilidade Civil

Com efeito, sabe-se que a caracterização do dever de indenizar, condiciona-se, inafastavelmente, a presença dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam, o dano, o ato ilícito, e o nexo de causalidade entre ambos.

Noutras palavras, a indenização a título de dano extrapatrimonial, pressupõe a existência de três aspectos indispensáveis: a ilicitude do ato praticado, visto que os atos regulares de direito não ensejam reparação; o dano, ou seja, a efetiva lesão suportada pela vítima e o nexo causal, sendo este a relação entre os dois primeiros, o ato praticado e a lesão experimentada.

Nesse sentido, preleciona a doutrina civilista pátria:

"Consiste a responsabilidade civil na obrigação que tem uma pessoa - devedora - de reparar os danos causados a outra - credora - dentro das forças de seu patrimônio, em decorrência de um ato ilícito ou de uma infração contratual. Visa ela, pois, a recompor o patrimônio do lesado ou compensá-lo pelos danos sofridos, desde que comprovado o nexo causal entre o ato praticado e o prejuízo da vítima".

(FELIPE, Jorge Franklin Alves. Indenização nas Obrigações por Ato Ilícito. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, p. 13).

O dano moral, portanto, é lesão que integra os direitos da personalidade, tal como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à privacidade, à honra (reputação), à imagem, à intelectualidade, à integridade física e psíquica, de forma mais ampla a dignidade da pessoa humana.

Nessa esteira, tem-se que configura dano moral aquela lesão que, excedendo à normalidade, interfere intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.

O diploma cível pátrio estabelece expressamente em seu art. 186, a possibilidade de reparação civil decorrente de ato ilícito, inclusive nas hipóteses em que o dano seja de caráter especificamente moral.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato...

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