Acórdão nº 144.464 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª TURMA DE DIREITO PENAL, 24-03-2015

Data de Julgamento24 Março 2015
Número do processo0017880-62.2009.8.14.0401
Número Acordão144.464
Órgão2ª TURMA DE DIREITO PENAL
Classe processualCRIMINAL - Apelação Cível

ACÓRDÃO Nº.


APELAÇÃO PENAL

PROCESSO Nº 2010.3.017035-6

COMARCA DE ORIGEM: Belém

APELANTE: A Justiça Pública

APELADO: Sinval dos Passos Lyra (Advs. Américo Leal e outros)

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: Auricilene Graça Ferreira (Adv. Carlos Antonio Figueiredo e outro)

PROCURADOR DE JUSTIÇA: Francisco Barbosa de Oliveira

RELATORA: Desa. Vania Fortes Bitar


Apelação Penal – Tribunal do Júri – Crimes de estupro e aborto sem o consentimento da vítima – Absolvição – Recurso Ministerial – 1) Nulidade: Contradição na resposta dos quesitos em relação ao crime de aborto, pois os jurados reconheceram a materialidade, porém afastaram a autoria delitiva – Inocorrência – Hipótese na qual os jurados acataram a tese defensiva de que a vítima, de fato, sofreu um aborto, no entanto, não provocado pelo réu, de modo que foi devidamente reconhecida a materialidade do crime, porém afastada a autoria delitiva imputada ao médico acusado – 2) Alegação de ser a decisão absolutória, tanto em relação ao crime de aborto, como ao de estupro, contrária às provas dos autos, impondo-se a submissão do réu a novo Júri, à luz do disposto no art. 593, inc. III, alínea d, c/c o §3º, do CPB – Procedência - A versão apresentada pelo réu, de que a paciente já chegou em seu consultório sentindo fortes dores, febre e calafrios, em virtude de ter previamente sofrido aborto e estar em processo infeccioso, sendo a curetagem procedimento necessário e de urgência naquela ocasião, razão pela qual a fez, foi contraditada pela palavra da própria vítima, de apenas 13 (treze) anos de idade, que afirmou, em todos os seus depoimentos, ter mantido relacionamento amoroso com o Apelado por mais de um ano, sendo que após informá-lo do atraso da sua menstruação, o mesmo lhe submeteu a determinado procedimento, cuja vítima acreditou tratar-se de um preventivo, e não de uma curetagem, como alegou o médico acusado, tendo a mesma ratificado tal fato por ocasião da acareação entre ambos – Ademais, a palavra da vítima foi corroborada por depoimentos testemunhais existentes nos autos, sobretudo o da vizinha da referida vítima, a qual aduziu ter conversado com ela em perfeito estado de saúde antes da sua ida ao consultório do réu, tendo presenciado quando a mesma retornou com fortes dores e febre, sem saber explicar, contudo, o que realmente havia acontecido consigo, pois acreditava ter sido submetida apenas a um exame preventivo, momento no qual a aludida testemunha informou tal fato à Assistente Social, que providenciou o encaminhamento da menor ao hospital, sendo que a mãe da vítima afirmou ter conhecido o réu como namorado de sua filha, em uma ocasião em que o mesmo foi deixá-la em sua residência, sendo que no dia 14.09.2005, sua filha saiu de casa em perfeito estado de saúde, porém retornou sentindo fortes dores e febre – Com efeito, a versão do réu está isolada nos autos, de que somente realizou uma curetagem na adolescente, isto é, uma limpeza no seu útero, pois o feto já se encontrava sem vida dentro de si, não encontrando eco nas provas colacionadas no caderno processual, tanto que além da farta prova testemunhal acima mencionada, tem-se, ainda, o sumário de alta da vítima devidamente assinado por médica pertencente ao quadro da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, para onde a mesma precisou ser transferida após receber atendimento médico no Hospital Santa Severa, no Município de Soure, do qual se extrai que após a menor ter sido submetida à exame de ultrassonografia, verificou-se a presença de restos ovulares em seu útero, diagnóstico compatível com abortamento incompleto, tendo sido necessária a submissão da referida menor à curetagem uterina, sob anestesia geral endovenosa – Recurso conhecido e parcialmente provido, a fim de que o réu seja submetido a novo julgamento pela prática do crime de estupro e aborto sem o consentimento da vítima – Decisão unânime.


Vistos etc.


Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 2ª Câmara Criminal Isolada, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, a fim de que o réu seja submetido a novo julgamento pela prática do crime de estupro e aborto sem consentimento da vítima, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.


Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos vinte e quatro dias do mês de março de 2015.


Julgamento presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ronaldo Marques Valle.


Belém/Pa, 24 de março de 2015.



Desa. VANIA FORTES BITAR

Relatora










RELATÓRIO


Tratam os autos de apelação interposta pelo Ministério Público, inconformado com a sentença do MM.º Juiz de Direito da 3ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Belém que o absolveu da prática dos crimes de estupro e aborto sem o consentimento da vítima.

Em razões recursais, alegou o Ministério Público inicialmente, ser nula a decisão do Conselho de Sentença que embora tenha reconhecido a materialidade delitiva em relação ao crime de aborto, respondeu negativamente ao quesito referente a autoria, restando evidente a contradição entre as respostas, sustentando no mérito, ser a decisão absolutória, tanto do crime de aborto como de estupro, contrária às provas dos autos, devendo o aludido Apelado ser submetido à novo Júri.


Em contrarrazões, o Apelado aduziu inicialmente, inexistir a nulidade suscitada pelo Órgão Ministerial, entendendo não merecer reparos a decisão do Conselho de Sentença que embora tenha reconhecido a materialidade delitiva em relação ao crime de aborto sem o consentimento da vítima, respondeu negativamente ao quesito referente à autoria delituosa, pois ao decidirem dessa maneira, os Jurados acataram a tese defensiva de que a referida vítima, de fato, sofreu um aborto, porém não restou provado ter sido o mesmo provocado pelo acusado, ressaltando ainda, que a referida nulidade deveria ter sido arguida em plenário, sob pena de preclusão, à luz do que dispõe o inc. VIII, art. 571, do CPP.

No mérito, ratificou ter o Júri acolhido a tese de negativa de autoria sustentada em plenário pela defesa do Apelado, não sendo a decisão absolutória, de ambos os crimes, contrária às provas dos autos, mormente se levado em consideração a soberania dos veredictos.   

Nesta Superior Instância, o Procurador de Justiça Francisco Barbosa de Oliveira opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, para que o Apelado seja submetido à novo julgamento pelo Tribunal do Júri, uma vez que a decisão vergastada mostra-se contrária às provas dos autos.


É o relatório.


VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.


Narra a denúncia, que o réu se valeu da sua condição de médico para se aproximar e manter relacionamento amoroso com a vítima de 13 (treze) anos de idade desde que a mesma possuía apenas 10 (dez) anos, constando também na exordial, que após tomar conhecimento da gravidez da aludida vítima, o denunciado a medicou com o remédio denominado “Ginecoside”, com a intenção de que a mesma abortasse a criança fruto do aludido relacionamento, porém como não obteve êxito, a submeteu a um procedimento de aborto mecânico, dando-lhe três injeções anestésicas e introduzindo diversos aparelhos médicos em sua vagina, fazendo com que o aborto prosperasse.


Ainda segundo a peça acusatória, abalada e sentindo fortes dores, a vítima foi procurada pela assistente social Márcia Cristina, para quem contou a versão acima transcrita, razão pela qual, o acusado foi denunciado como incurso nas sanções punitivas capitulas nos arts. 125, 213, c/c o 224, alínea a, e 69, todos do CPB.

A nulidade suscitada pelo Ministério Público, referente à contrariedade entre as respostas dos Jurados aos quesitos relacionados ao crime de aborto, pois no seu entender se mostra incoerente o reconhecimento da materialidade delitiva simultaneamente ao afastamento da autoria, no caso em tela, não merece prosperar, sobretudo porque a defesa afirmou em plenário, ter a vítima, de fato, sofrido um aborto, porém não provocado pelo réu, o que se adéqua perfeitamente às respostas dos jurados, não se vislumbrando, portanto, qualquer contradição entre as respostas dos quesitos. No entanto, através de uma análise mais atenta dos autos, extrai-se que a decisão absolutória emanada do Conselho de Sentença, tanto em relação ao crime de aborto quanto ao de estupro, afronta às provas ali carreadas, ensejando a hipótese prevista no art. 593, inc. III, alínea d, c/c o §3º, do mencionado dispositivo do CPB, senão vejamos.     


Se por um lado a defesa do réu sustentou a tese de negativa de autoria em relação à ambos os crimes contra ele imputados, o Ministério Público, por sua vez, respaldou-se, sobretudo, na palavra da vítima de apenas 13 (treze) anos de idade, que afirmou, em todos os seus depoimentos, ter mantido relacionamento amoroso com o Apelado por mais de um ano, sendo que após informá-lo do atraso da sua menstruação, o mesmo lhe submeteu a determinado procedimento, cuja vítima acreditou tratar-se de um preventivo, sendo imperioso transcrever o relato da referida vítima em plenário, verbis: “QUE confirma as acusações e demais termos da denúncia. (...) QUE hoje mora em Soure; que na época morava em Soure com sua mãe; que havia sete pessoas na família; que mudou-se de Soure com idade de 14 anos; que quando conheceu o réu tinha dez anos de idade; que quando tinha dez anos sua mãe entregou para outra família que a levou para o réu para saber se a depoente era virgem, e o mesmo disse que não; que foi assediada pelo réu; que teve um namoro de três anos com o réu; que começou a namorar com o réu logo após a consulta; que o réu afirmou que não lhe faria mal; que ninguém sabia do namoro; que somente souberam quando já estava deformada;...

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