Acórdão nº 1598526 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Seção de Direito Penal, 08-04-2019

Data de Julgamento08 Abril 2019
Número do processo0801909-19.2019.8.14.0000
Data de publicação09 Abril 2019
Acordao Number1598526
Classe processualCRIMINAL - HABEAS CORPUS CRIMINAL
ÓrgãoSeção de Direito Penal

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) - 0801909-19.2019.8.14.0000

PACIENTE: IVONE NOVAES PANSIERE, RENAN LOPES SOUTO

AUTORIDADE COATORA: JUIZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA COMARCA DE XINGUARA

RELATOR(A): Desembargador LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR

EMENTA

EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO DE LIMINAR. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 330, DO CP). AMEAÇA DE PRISÃO. INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE COATORA NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CÍVEL. DESCABIMENTO NA ESPÉCIE. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Em se tratando de real ameaça de prisão decorrente de descumprimento de ordem judicial, e não de simples advertência genérica, cabível a impetração de habeas corpus.

2. É manifesta a impossibilidade de prisão por crime de desobediência pelo Juízo Cível, para que não haja ofensa ao art. 5º, LXVII da Constituição Federal, pois não se trata das hipóteses de prisão civil permitidas pela Constituição Federal, como devedor de alimentos.

3. Ordem concedida ratificando-se a liminar com a expedição de salvo conduto em favor do paciente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Seção de Direito Penal do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade, conceder em definitivo a ordem impetrada, ratificando a liminar deferida, nos termos do voto do e. Des. relator.

Sala de Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos oito dias do mês de abril do ano de dois mil e dezenove.

Julgamento presidido pela Exmo. Sr. Des. Milton Augusto de Brito Nobre.

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido de liminar, impetrado pela i. advogada, Dra. advogada Raquel Simone de Souza Lopes, em favor dos nacionais Renan Lopes Souto e Ivone Novaes Pansiere, apontando como autoridade coatora o Douto Juízo de Direito 2ª Vara Cível da Comarca de Xinguara/PA.

Alega a impetrante, em síntese, que o Município de Xinguara/PA foi acionado judicialmente para que providenciasse tratamento médico hospitalar para recém-nascido, no prazo de 48 horas, sob pena da decretação de prisão dos pacientes por serem gestores municipais, pois o primeiro Prefeito e a segunda Secretária de Saúde, pelo descumprimento da ordem judicial.

Sustenta, por conseguinte, a incompetência absoluta do juízo cível para expedir ordem de prisão, salvo nos casos de devedor de alimentos e depositário infiel; atipicidade da conduta indigitada aos pacientes e cumulação indevida das sanções cível e penal ante a ausência de previsão em lei.

Por tais razões, assevera que os pacientes se encontram ameaçados de prisão, o que enseja a impetração do remédio heroico, com requerimento de concessão de medida liminar para expedição do salvo conduto, a fim de que seja evitada a concretização da ameaça ao direito de locomoção e, ao final, a concessão definitiva do habeas corpus.

Com a inicial, junta documentos (Id. 1504298 a 1504316).

Os autos vieram distribuídos à minha relatoria e por entender necessário para análise da liminar solicitei que antes fossem prestadas as informações (Id. 1496433).

Enquanto o feito aguardava o cumprimento da diligência, a impetrante peticionou informando que, “apesar dos esforços empreendidos pelo Município a fim de dar cumprimento à decisão liminar, conseguiu o leito de UTI Neonatal no Hospital Regional de Redenção e o transporte aéreo para o traslado do enfermo apenas depois de transcorrido o prazo de 48h, estipulado na decisão liminar. Por esta razão, o douto juízo da 1ª Vara Cível decretou a imediata prisão da Paciente, a qual encontra-se recolhida na Delegacia de Polícia de Água Azul do Norte desde as 18:00 do dia 19 de março de 2019.” (Id. 1502726).

Com a decretação da prisão preventiva do ora paciente e de Ivone Novaes Pansiere, foi impetrado habeas corpus liberatório no plantão judicial (processo nº 0802006-19.2019.8.14.0000), tendo este relator, ao analisar o feito, na condição de plantonista, concedido a liminar e determinado a imediata expedição do Alvará de Soltura em favor daquela (Id. 1504200).

Em resposta à solicitação, o impetrado disse, à Id. 1506382, que apesar da decisão da tutela antecipada ter sido proferida em juízo de plantão, os autos foram distribuídos à 1ª Vara da Comarca de Xinguara por ser esta competente para julgar os processos contra a Fazenda Pública, para onde deveriam ser solicitadas as informações.

Relatou, ainda, o seguinte:

“Em que pese a decisão para concessão da tutela antecipada ter sido exarada por este juízo em plantão, a autoridade coatora é o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Xinguara, vez que o processo foi redistribuído para esta vara após o termino do plantão, sendo mesma competente para julgar os processos contra a Fazenda Pública.

Informo ainda que, o entendimento desse juízo, em plantão, se embasou na possibilidade da decretação da PRISÃO PROCESSUAL PELA RECALCITRÂNCIA DO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL, pelo representante do ente público municipal, sendo que este magistrado se utilizou do poder geral de efetivação das ordens judiciais nos termos do artigo 139, IV do CPP. Referido entendimento encontra estribo no entendimento de Vicente Grecco Filho, que assevera: “que é inviável a cominação e imposição de multa contra a Pessoa Jurídica de Direito Público, porque não é o administrador que irá pagar, não tendo efeito não tem sentido sua utilização sua utilização como meio executório” (Direito Processual Civil Brasileiro - Processo de execução a procedimentos especiais, v. 3,20 Saraiva 2009). Não é despiciendo falar que o direito que está sendo tutelado na decisão de urgência é o direito à vida de um recém-nascido.”

Retornaram os autos conclusos para análise do pedido de urgência e, por estarem presentes os requisitos autorizadores, deferi o pedido de liminar com a expedição de salvo conduto em favor do paciente RENAN LOPES SOUTO (Id. 1510371).

Nesta instância, o Ministério Público, na pessoa da ilustre procuradora de justiça, Dra. Ana Tereza do Socorro da Silva Abucater, manifestou-se pela perda do objeto da ordem impetrada (Id 1517940).

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente, faz-se necessário declarar a prejudicialidade do writ no tocante à paciente Ivone Novaes Pansiere por já ter sido alcançada a sua pretensão a quando do julgamento do HC de nº 0802006-19.2019.8.14.0000, realizado na sessão do dia 01/04/2019, oportunidade em que os integrantes da Seção de Direito Penal, à unanimidade, ratificando a liminar antes deferida, concederam em definitivo a ordem impetrada.

Em tal contexto, por não mais subsistir as razões da impetração, julgo prejudicado o presente habeas corpus, nos termos do art. 659, do CPP, com relação à paciente Ivone Novaes Pansiere.

Quanto ao paciente RENAN LOPES SOUTO, após análise percuciente dos autos e, conforme a orientação firmada pelo c. STJ e pelo Pretório Excelso, entendo que a decretação da prisão por crime de desobediência por magistrado, no exercício de jurisdição cível, em decorrência de descumprimento de ordem judicial, ofende o art. 5º, LXVII, da Carta Magna, salvo nos casos de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

Assim, pela análise dos documentos acostados aos autos, mormente a decisão impugnada, não há dúvida de que o impetrado, no exercício da jurisdição civil, em processo de natureza cível (ação de obrigação de fazer), objetivando tratamento de saúde a menor, não detinha competência para decretar a prisão do paciente.

Cediço que, no ordenamento processual penal brasileiro, a competência para a decretação de prisão preventiva advém exclusivamente de juiz criminal, no curso de procedimento criminal.

A respeito, colho da jurisprudência:

CORPUS - PRISÃO CIVIL - DESOBEDIÊNCIA À ORDEM JUDICIAL - EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO - ATO JUDICIAL PRATICADO POR JUIZ DE DIREITO NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CIVEL - ATO QUE NÃO SE REVESTE DELEGALIDADE - DESCABE AO JUÍZO CÍVEL DECRETAR PRISÃO FORA DAS HIPÓTESES ELENCADAS NA CARTA MAGNA E NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - LIMINAR CONFIRMADA - ORDEM CONCEDIDA.

No exercício da jurisdição cível não tem o juiz poderes para decretar a prisão e, em consequência, expedir o respectivo mandado, salvo os casos previstos na Carta Magna e no Código de Processo Civil.

(TJ-PR - HC: 2585599 PR Habeas Corpus Cível - 0258559-9, Relator: Arquelau Araújo Ribas, Data de Julgamento: 14/09/2004, Primeira Câmara Cível (extinto TA), Data de Publicação: 01/10/2004 DJ: 6717)

HABEAS CORPUS. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM DE JUDICIAL. DECRETO DE PRISÃO EXPEDIDO POR JUÍZO CÍVEL. INCOMPETÊNCIA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.

1. Salvo nas hipóteses de depositário infiel ou de devedor de alimentos, não é o Juízo Cível competente para, no curso de processo por ele conduzido, decretar a prisão de quem descumpre ordem judicial. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

2. Ordem de habeas corpus concedida para cassar a ordem de prisão expedida em desfavor do ora Paciente.

(HC 214.297/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 30/04/2012)

Assim, plausível o pedido, uma vez que a ordem, que traduz possibilidade concreta de prisão, foi proferida por Magistrado no exercício de jurisdição cível, fora das hipóteses previstas na Carta Magna (art. 5º, inciso LXVII, CRFB).

À vista do exposto, divergindo do entendimento da douta Procuradora de Justiça, Dra. Ana Tereza do Socorro da Silva Abucater, concedo a ordem impetrada para confirmar a medida liminar antes deferida, tudo nos termos da fundamentação.

É como voto.

Belém, 09/04/2019

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