Acórdão Nº 2014.200294-4 do Segunda Turma de Recursos - Blumenau, 08-03-2016

Número do processo2014.200294-4
Data08 Março 2016
Tribunal de OrigemTimbó
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Inominado n.° 2014.200294-4, de Timbó/2ª Vara Cível e Criminal


Relatora: Juíza Cíntia Gonçalves Costi


AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE. INVESTIGAÇÃO DA CAUSA DEBENDI.IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO, ANTE A CIRCULAÇÃO DA CÁRTULA POR ENDOSSO. PRINCÍPIO DA INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS CONTRA TERCEIROS DE BOA FÉ. INTELIGÊNCIA DO ART. 25 DA LEI DO CHEQUE. "Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor" (art. 25 da Lei do Cheque). ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE AGIOTAGEM. AUSÊNCIA DE PROVA ESCRITA. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL INVIÁVEL PARA TAL DESIDERATO. Para a configuração da prática de cobrança abusiva de juros, e reiterada atividade de empréstimo de dinheiro, não se dispensa produção de prova eficiente do comportamento ilegal. Ônus que recai sobre o emitente do título, que alegou a prática. (Apelação Cível n° 70000445049, 6a Câmara Cível do TJRS, Passo Fundo, Rei. Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. J.05.12.2001). A teor do disposto no art. 401 do CPC, não se admite prova exclusivamente testemunhai nos contratos cujo valor exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados, sendo o referido dispositivo legal aplicável ao caso de pagamento de dívida, por força do art. 403 do CPC. Desse modo, o indeferimento da produção de prova que confronte a norma restritiva não configura cerceamento de defesa (TJSC - AC n. 1999.014405-4, de Indaial, rei. Des. Silveira Lenzi). ENCARGOS MORATÓRIOS. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A CONTAR DA EMISSÃO DAS CÁRTULAS E JUROS REMUNERATÓRIOS A CONTAR DA CITAÇÃO. A atualização monetária de cheque prescrito e alvo de ação de cobrança, passa a fluir da data do efetivo prejuízo acarretado ao beneficiário. Prevista data de vencimento do cheque, é a partir desta que incide a correção monetária do valor nele representado, pois em tal oportunidade é que se caracterizou o ilícito civil ante o não cumprimento da obrigação no seu termo. (ACV n. 1999.019200-8, de Ituporanga, rei. Des. Trindade dos Santos). Ainda que prescrito o cheque executivamente, a sua atualização monetária, sem sendo esta uma mera recomposição do valor depauperado pela avalanche inflacionária, computa- se a contar da data da emissão do título. Entretanto, em tal hipótese, os juros de mora, incidentes à taxa legal, têm na data da citação inicial do devedor o seu marco inicial de imposição."(TJSC, Apelação Cível n. 2001.022790-8, de Chapecó. Relator: Des. Trindade dos Santos). SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.


Vistos os autos do Recurso Inominado n° 2014.200294-4, da Comarca de Timbó (SC), em que é recorrente RUBENS ADOLFO OELKE e recorrido ANDRÉ ROGÉRIO WOLTER.


ACORDAM, em sessão da Segunda Turma de Recursos, à unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento.


I - RELATÓRIO


Trata-se de ação cobrança interposta por André Rogério Wolter em face de Rubens Adolfo Oelke, em que a parte autora alegou, em síntese, ser credora da parte ré na quantia correspondente a R$ 6.314,62 decorrente de cheques por esta emitidos e que restaram impagos.


Diante de tais fatos, requereu a procedência dos pedidos para condenar a parte ré ao pagamento da quantia retratada nas referidas cártulas.


Inexitosa a conciliação (fl. 13), a parte ré apresentou contestação (fls. 14-31), sustentando, em síntese, a nulidade dos títulos emitidos ante a cobrança de juros usurários configurando, no seu entender, a prática de agiotagem.


Houve réplica às fls. 59-63.


Após, foi proferida sentença julgando procedentes os pedidos iniciais, condenando-se a parte ré ao pagamento da quantia correspondente a R$ 4.807,00 atualizada monetariamente a partir da data de emissão de cada título acrescido de juros de mora de 1% a contar da citação.


Irresignada, a parte autora interpôs recurso inominado (fls. 70-79), postulando pela reforma do julgado a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais.


Apresentadas contrarrazões às fls. 84-90.


É o relato.


II - VOTO


Trata-se de recurso inominado interposto por RUBENS ADOLFO OELKE, inconformada com o pronunciamento de mérito de fls. 64-65, que julgou procedentes os pedidos iniciais.


Pretende, assim, a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais exonerando-a do pagamento das cártulas que instruem a inicial e que foram por si emitidas.


O recurso comporta conhecimento, porquanto interposto a tempo e modo, tendo sido recolhidos o preparo e as custas respectivas.


Quanto ao mérito, o recurso não merece ser provido.


Com efeito, é incontroverso que a recorrente emitiu as cártulas que instruíram a inicial e que serviram de substrato a presente ação de cobrança.


Também é incontroverso que os cheques circularam por endosso, sendo repassados a terceiro.


De início, sobre o endosso, colhe-se da ensinança de Fábio Ulhoa Coelho:


O alienante do crédito documentado por uma cambial é chamado endossante ou endossador; o adquirente, o endossatário. Com o endosso, o endossante, evidentemente, deixa de ser credor do título, posição jurídica que passa a ser ocupada pelo endossatário.


E, prossegue o renomado doutrinador:


O endosso em branco transforma a letra, necessariamente sacada nominativa, em título ao portador. (Manual de Direito Comercial, 9a ed., Saraiva, São Paulo, 1997, pág. 230).


Sobre a matéria, ensina J.M Othon Sidou:


'Termo de direito cambial, o endosso, (do latim quia in dorso inscribi solet - porque se costuma inscrever nas costas do papel) é o modo de transferir a outrem, por ato unilateral do cedente, os direitos resultantes de um título à ordem, o que permite a sua transmissibilidade infinitai (Vocabulário do Cheque, RT, 1975, pág. 113).


Não divergindo, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto lembra que:


... entretanto, o Brasil se afastou desta doutrina: aqui, a endossabilidade não é da essência do cheque; deriva da existência da cláusula à ordem... só os cheques nominais, com cláusula à ordem, podem ser transferidos por endosso. (O Cheque, 2a. ed., vol. 2, pág. 376).


Na mesma esteira, Pontes de Miranda ensina:


O endosso, sozinho, não tem a eficácia de transferir a posse e a propriedade do cheque. A propriedade resulta do endosso mais a posse. O cheque só endossável é transferível por endosso. A discussão acerca de quem é o possuidor apenas se desenvolve entre os que se dizem possuidores, de modo que pode ter havido transferência da legitimação ativa sem ter havido transferência da posse própria e, pois, da propriedade.


Se entre duas pessoas, uma das quais é dona do cheque, houve negócio jurídico consensual, ou se houve negócio jurídico real, sem que se tivesse feito o endosso, ou tivesse ocorrido a tradição, não houve transferência da posse e da propriedade do cheque. (Tratado de Direito Privado, Tomo XXXVII, Editor Borsoi, 1962, vol. 37, §4.121, pág. 160).


Para prosseguir:


Por outro lado, pode ter havido o endosso e a tradição, sem que haja - na relação jurídica entre endossante e endossatário - transferido o direito ao cheque, pela natureza do negócio jurídico que se concluiu entre o endossante e o endossatário. Por vezes, em lugar do endosso pleno, há o endosso-procuração, ou o endosso-penhor, a despeito de, segundo o negócio jurídico subjacente, ou simultânea, ou sobrejacente ter havido a transferência da posse própria. Aí, a propriedade não se transferiu, porque falta o endosso pleno.


Quem é endossatário em preto pode endossar em branco. Quem é possuidor do título endossado em branco pode endossá-lo em preto. Se o endosso em branco não está explícito (não se diz 'em branco), há a possibilidade de inserir-se o nome (endosso incompleto, que em branco é) (pág. 160).


Manifestando-se sobre a circulação do cheque, é categórico o lapidar mestre, ao dizer:


O cheque circula, cambiariformemente, à ordem, ou ao portador. Com o endosso e a tradição, o endossante perde o direito sobre o cheque, e adquire-o o endossatário. Com a tradição, o portador faz-se titular do direito, enquanto o perde o tradente. Se o endosso é em branco, com a tradição, o portador adquire o direito, e perde-o o endossante. Se a circulação há de ser à ordem, pode haver endosso, e não haver tradição: A posse e ,pois, o direito continuam com o endossante; se há tradição sem endosso, a posse é insuficiente para que o direito se transfira, e há de entender-se posse em nome do proprietário do cheque (pág. 161).


Do mesmo modo, observa Paulo Restiffe Neto:


O cheque nominal caracteriza-se pelo fato de só poder ser pago à pessoa nele indicada, mas suscetível de transmissão a terceiros, da seguinte forma: a) com ou sem cláusula 'à ordem é transmissível por endosso (alínea 1) do art. 14 (Lei do Cheque, RT, 1973, pág. 56).


Assim, enfatiza o citado doutrinador:


Os direitos sobre o cheque passam para o endossatário ou cessionário, mediante o ato do endosso seguido da posse do título, (pág. 56).


Após registrar a existência de três modalidades de endosso - endosso pleno ou em preto, em que designado o nome do endossatário; endosso ao portador e endosso em branco, para o qual é suficiente a simples assinatura do endossante, registra Fran Martins que:


"O cheque que contiver um endosso em branco circula pela simples tradição manual e, assim, quem com ele se apresentar será considerado como portador legitimado do mesmo, podendo, portanto, praticar todos os atos relativos ao cheque ..." (Títulos de Crédito, vol. II, n. 54)


Nesta linha dada a livre circulação do cheque por endosso, Humberto Theodoro Júnior afirma ser irrelevante a comprovação da origem do cheque. São suas palavras:


A autonomia, porém, do direito cartular subsiste incólume, pois:


(...)


para exigência de seu valor, o portador do título não precisa invocar, nem muito menos provar a sua origem....

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