Acórdão Nº 2016.200013-5 do Segunda Turma de Recursos - Blumenau, 12-04-2016

Número do processo2016.200013-5
Data12 Abril 2016
Tribunal de OrigemTimb
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Inominado n.º 2016.200013-5, de Timbó (2ª Vara Cível e Criminal)


Relatora: Juíza Cíntia Gonçalves Costi


RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS COBRANÇA DE SEGURO RESIDENCIAL. CONTRATAÇÃO DE APÓLICE QUE PREVÊ COBERTURA PARA DANOS CAUSADOS POR ÁGUA. OCORRÊNCIA DE ENCHENTE QUE CAUSOU AVARIAS NA RESIDÊNCIA DO RECORRIDO. NEGATIVA DE COBERTURA AO ARGUMENTO DE RISCO NÃO COBERTO CONSOANTE PREVISÃO CONTIDA NAS CLÁUSULAS GERAIS DO CONTRATO. INSUBSISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO CORRETA ACERCA DA ALUDIDA LIMITAÇÃO SECURITÁRIA. INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAÇÃO (ART. 6, III DO CDC). (...) O princípio do protecionismo é o que inaugura o sistema da lei consumerista. Ele decorre diretamente do texto constitucional, que estabelece a defesa do consumidor como um dos princípios gerais da atividade econômica (inciso V do art. 170) e impõe ao Estado o dever do consumidor (inciso XXXII do art. 5º). Então, o fato é que todas as normas instituídas no CDC têm como princípio e meta a proteção e a defesa do consumidor. E é exatamente por isso que, no que tange às questões contratuais, não se pode olvidar o protecionismo, que, superada as demais alternativas para interpretação, tem de ser levado em conta para o deslinde do caso concreto. Assim, vige o princípio da interpretatio contra stipulatorem, mas de forma mais ampla. Com efeito, com base nesse princípio, nos contratos de adesão, havendo cláusulas ambíguas, vagas ou contraditórias, a interpretação se faz contra o estipulante. Contudo, na lei consumerista esse princípio veio estampado de maneira mais ampla no art. 47, que estabelece que as "cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Isto é, toda e qualquer cláusula, ambígua ou não, tem de ser interpretada de modo mais favorável ao consumidor. (Comentários ao código de defesa do consumidor. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 537). INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL, ADEMAIS, QUE DEVE SER FEITA DE MANEIRA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR, DE MODO A CONFERIR A CLÁUSULA CONTRATUAL EFICÁCIA MAIS ABRANGENTE. Diante de dúvida quanto à abrangência dos riscos cobertos pela apólice, sempre que houver mais de uma possibilidade interpretativa razoável, impõe-se a interpretação mais favorável ao consumidor. APRESENTAÇÃO, ADEMAIS, DE ORÇAMENTOS QUE QUANTIFICAM OS DANOS MATERIAIS DECORRENTES DO SINISTRO. A fixação da indenização referente a danos eminentemente materiais deve vir acompanhada de prova capaz de evidenciar o prejuízo sofrido." (TJSC - ACV n. 98.002987-2 - Rel. Wilson Augusto do Nascimento). ORÇAMENTOS, CONTUDO, QUE ULTRAPASSAM O VALOR SEGURADO NA APÓLICE. INDENIZAÇÃO QUE, NO CASO, DEVE SER FIXADA NOS LIMITES DA APÓLICE. A obrigação da seguradora é limitada ao valor da apólice, corrigido desde a data da contratação do seguro. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.029805-9, de Guaramirim, rel. Des. Odson Cardoso Filho, j. 26-06-2014). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


I - RELATÓRIO


Trata-se de ação de cobrança de seguro residencial proposta por Diego Delgado Crocetta em face de Mapfre Seguros Gerais S/A, em que a parte autora alega, em síntese, que é segurada pela empresa ré em sua casa, na cidade de timbó, e que, em razão da enchente na cidade em 2014, sua residência foi inundada, sofrendo vários danos materiais.


Aduz que, ao tentar o ressarcimento dos prejuízos sofridos, a ré negou-se a lhe indenizar, sob o argumento de que a sua cobertura não abrangia danos causados por chuvas e / ou enchente.


Finalizou alegando que, como não estava expresso no contrato de adesão a excludente de cobertura por enchente, há o dever da seguradora em cobrir os prejuízos experimentados.


Diante de tais fatos, postulou pelo pagamento de indenização por danos materiais, referentes ao contrato de seguro vigente entre as partes, e pelo pagamento de danos morais, em jus à recusa da seguradora em efetuar o pagamento de forma administrativa.


Devidamente citada, a parte ré apresentou contestação (fls. 49-75), alegando, em síntese, a possibilidade de limitação dos riscos cobertos pela seguradora, e, em complementar, a ausência de cobertura securitária para enchente. Aduziu ainda que não foi demonstrado pelo autor qualquer resquício de dano moral.


Houve réplica às fls. 162-175.


Após, foi proferida sentença julgando parcialmente procedentes os pedidos da autora, condenando a parte ré ao pagamento de R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais) à título de cobertura da apólice de seguro contratada.


Irresignada, a parte ré interpôs recurso inominado (fls. 184-192) requerendo a reforma da sentença, a fim de que seja afastada a responsabilidade da seguradora em cobrir o evento danoso, ante a exclusão do evento da cobertura contratada, ou, alternativamente, a redução do quantum indenizatório.


Apresentadas as contrarrazões às fls. 202-211.


É o relato.


II - VOTO


Trata-se de Recurso Inominado interposto por Mapfre Seguros Gerais que, inconformada com o pronunciamento de mérito de fls. *, postula pela reforma do julgado para que seja decretada a improcedência dos pedidos iniciais.


Alternativamente, postula pela redução do valor arbitrado a título de indenização por danos materiais.


O recurso é conhecido porque próprio e tempestivo (fls.*) e devidamente preparado (fls. *).


Quanto ao mérito, a irresignação não merece acolhimento.


De início, cabe salientar que as relações entre segurados e seguradoras estão sujeitas aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.


As definições de consumidor e fornecedor estão estabelecidas nos arts. e da Lei 8.078/90, in verbis:


Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.


Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.


À exegese dos aludidos dispositivos, impõe-se que seja admitida a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela, mormente porque a parte autora enquadra-se como destinatária final dos serviços prestados pela parte ré, sendo evidente no presente caso a relação de consumo existente entre os litigantes.


No mesmo norte, extrai-se da jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:


"Os contratos de seguro são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), a teor do que dispõe o art. 3º, § 2º, daquele mesmo diploma, com menção expressa aos serviços de natureza securitária" (AC nº 02.011363-3, de Rio do Sul, Rel. Des. Monteiro Rocha).


Ainda:


"As relações entre segurador e segurado devem ser analisadas sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor e, assim, as alegações erigidas pelo segurado, enquanto não derrogadas por provas em contrário, presumem-se verdadeiras, pois à seguradora cabe o ônus da prova" (AC nº 01.019981-5, de São José, Rel. Des. José Volpato de Souza).


Assim sendo, admite-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela, conforme argumentos alhures esposados.


Volvendo ao caso em análise, primeiramente, impõe-se estabelecer um conceito prévio acerca do contrato de seguros.


Acerca do contrato de seguros privados, Traz-se aos autos entendimento doutrinário-ideológico do Professor Sílvio Rodrigues:


"Sabe-se que a atividade de seguro é uma das mais rendosas do mundo inteiro. Segurador é como banqueiro de jogo de azar: se paga aqui, ganha acolá. Os riscos que a seguradora corre estão com tal segurança previstos nos mais rigorosos cálculos de probabilidade, que jamais as indenizações ultrapassam os valores dos prêmios recebidos".


"A empresa seguradora privada nada mais é do que uma intermediária que, recolhendo os prêmios pagos pelos segurados, usa desses recursos, e só deles para pagar as indenizações pelos sinistros ocorridos. De modo que são os próprios segurados que pagam as indenizações devidas.


O cálculo das probabilidades é o elemento a que recorre o segurador para fixar, de antemão, o prêmio que será pago pelo segurado.


Através do exame das estatísticas, observando por vários anos a incidência dos sinistros num determinado risco, verifica o analista, com um extraordinário grau de precisão, qual será referida incidência no ano em estudo. É a aplicação da lei dos grandes números. Um exemplo, ainda que elementar, servirá para esclarecer a hipótese: examinando os casos de homicídios culposos resultantes de atropelamentos automobilísticos durante alguns anos, e tendo em vista, digamos, dez mil segurados, verifica-se que sua incidência é de determinada razão percentual. Daí deduz o calculista que, todas as coisas remanescendo as mesmas, tal razão deve perdurar no ano seguinte. Com base em lei estatística, fixa o segurador a taxa de seguro, taxa que será suficiente não só para pagar todas as indenizações, como também para proporcionar um lucro razoável àquele.


A precisão destes cálculos, de que ninguém duvida, faz com que em face do segurador o contrato de seguro não ofereça qualquer álea, tomando a forma de um negócio comutativo.


Através do exame desses elementos, vê-se o alto interesse social e humano deste contrato, pois o mesmo...

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